NOTAS DE UM LEITOR
Luiz Weis
Este leitor pede licença para transcrever um comentário de sua autoria, publicado na edição de 13/3 deste Observatório:
"Em nome da isenção jornalística, fatos que clamam por um pingo de sangue nas veias de quem os divulga costumam ser tratados com uma indiferença que pode levar o leitor a se perguntar que raio de gente são esses jornalistas capazes de contar com tamanho distanciamento histórias de fazer ferver um bloco de gelo".
O motivo da repetição é a frieza burocrática ? já criticada, em relação à Folha, por seu ombudsman, em 9/11 ? da cobertura de quase toda a imprensa da enormidade que foi a decisão da Previdência de suspender o pagamento da aposentadoria a 105 mil pessoas com mais de 90 anos ou 30 de jubilamento, enquanto não se recadastrassem.
A gloriosa exceção foi O Globo. Na sexta-feira (8/11), sob o chapéu "Martírio no INSS" ? muito mais adequado, por exemplo, do que o trocadilhesco "Imprevidência", da Folha ?, e o felicíssimo título "Humilhados e ofendidos", o jornal deu uma página ao escândalo. Aproveitou para esfregar nos olhos do governo a pimenta que este fez por merecer, acrescentando o seguinte destaque entre o título e a matéria, com enormes aspas: "É crime desdenhar, humilhar, menosprezar ou discriminar pessoa idosa, por qualquer motivo ? Artigo 96 do Estatuto do Idoso sancionado por Lula".
O diário manteve o tom certo na edição seguinte, ao relatar, sob o titulaço "Desculpas a fórceps", o comportamento desmoralizante do ministro Ricardo Berzoini, que começou o dia anterior dizendo no Bom Dia Brasil que "não há razão para pedir desculpas" e terminou a jornada com uma nota em que dá o dito pelo não dito, "depois de receber puxão de orelha do chefe da Casa Civil, José Dirceu", segundo O Globo.
Sempre há um risco embutido na decisão de contrariar o sagrado mandamento "Não editorializarás o noticiário". Mas, se não fossem os riscos, qual a graça de ser jornalista?
À parte isso e muito mais importante, não há Redação que valha o seu sal se, de alto a baixo da cadeia de comando, ela não estiver impregnada de sensibilidade.
Nesse caso, não se trata do chamado faro para a notícia, mas da capacidade de o jornalista se identificar com a desgraça alheia e ecoar as humilhações e ofensas que os poderosos, com a sua impermeável casca grossa moral e olímpico alheamento burocrático, impõem aos fracos.
Na mídia honesta, a indignação não se destina a baratear o sofrimento destes no varejão do sensacionalismo, nem para vender pieguice, mas para fazer sustar as suas causas e, se for o caso, ajudar a punir os autores.
Ah, mas os editoriais e artigos assinados? Nessas situações, quanto mais numerosos e mais bem fundamentados, melhor, é claro. Só que um protesto na página de opinião vale por um sussurro perto de um grito bem dado de denúncia na página de notícias ? que é a porta pela qual gente de carne e osso entra nos periódicos.
No mais, para que o grito tenha causa justa e produza o efeito desejado, parece evidente que só pode sair da garganta depois do OK, ao mesmo tempo criterioso e rápido, dos editores.