SOCIEDADE DA INFORMAÇÃO
Ana Maria Rodrigues de Oliveira (*)
O Brasil é um país rebelde sem causa? Tomando-se como base o artigo escrito pelo representante comercial dos Estados Unidos Robert Zoellick, no jornal inglês Financial Times, sim. Como esse fato afeta a sociedade civil?
No artigo "Os Estados Unidos não vão esperar", Zoellick faz duras críticas ao comportamento de um grupo de países em desenvolvimento, entre os quais o Brasil, durante a reunião de cúpula da Organização Mundial do Comércio (OMC) em Cancún, em setembro.
Zoellick afirma que a forma de negociação assumida por diversos países em desenvolvimento, à frente Brasil e Índia, foi equivocada. "Importantes países em desenvolvimento de nível médio empregaram a retórica de resistência como tática para pressionar os países desenvolvidos e, ao mesmo tempo, desviar a atenção de suas próprias barreiras comerciais." Referindo-se diretamente ao Brasil, acrescentou: "Depois que os Estados Unidos pressionaram a União Européia a desenvolver um sistema agrícola capaz de efetuar cortes de subsídios agrícolas e tarifas muito superiores aos alcançados na última negociação do comércio global, pedimos que o Brasil e outras potências agrícolas trabalhassem conosco. O Brasil se recusou, voltando-se em vez disso para a Índia, que nunca apoiou a abertura de mercados, como que para enfatizar a divisão Norte-Sul , e não a reforma agrícola global".
A conclusão do representante comercial dos EUA é de que a postura adotada pelo grupo foi "emblemática de uma cultura maior de protesto que definiu a vitória em termos de atos políticos, em vez de resultados econômicos".
Ordem mundial da comunicação
Se o artigo de Zoellick for analisado paralelamente ao texto do senador e economista Aloízio Mercadante, publicado pela Folha de S. Paulo no mesmo período, fica nítida a existência de dois "discursos". Mercadante lamenta que o protecionismo dos países desenvolvidos esteja causando enormes prejuízos à população das nações em desenvolvimento.
"As políticas agrícolas dos países desenvolvidos criam obstáculos muitas vezes intransponíveis para as exportações de commodities agrícolas, as quais são vitais para as economias de muitos países em desenvolvimento." O senador defende que se alie a superação do protecionismo à "construção de uma ordem internacional menos assimétrica" como estratégia para o desenvolvimento do Brasil e de tantos outros países em situação semelhante.
Hoje, quando atores internacionais travam uma verdadeira "batalha econômica", está-se indiretamente lidando no domínio dos canais de informação. A percepção de que a construção de uma "nova ordem econômica" depende de significativas mudanças na ordem mundial da comunicação, de forma a que os países em desenvolvimento possam divulgar amplamente a sua versão, não é recente. Ela resulta de mobilizações realizadas pelos países não-alinhados, com o apoio do meio acadêmico e de movimentos sociais, nas décadas de 70 e 80 passadas. Mas a tese ainda é verdadeira e necessita de aplicação.
Cliente ou cidadão?
Como se poderiam alcançar mudanças nessa direção? Em dezembro será realizada a Cúpula Mundial da Sociedade da Informação, em Genebra, Suíça. Esta reunião, que vem sendo preparada por diversos comitês, sob a responsabilidade da União Internacional de Telecomunicações (UIT), órgão da ONU que congrega governos, setor privado e sociedade civil, tem como foco a questão da exclusão digital. A agenda temática inicialmente proposta pela UIT visa direcionar o debate "à construção de infra-estrutura" que permita "superar a brecha digital" existente no mundo e criar acesso universal e eqüitativo a serviços e aplicações, levando-se em conta necessidades de usuários, o desenvolvimento de um marco global, as novas tecnologias de informação e comunicação (NTICs) e a educação.
Para um grupo expressivo de organizações não-governamentais, que em 1996 criou a Plataforma para os Direitos à Comunicação e que, em novembro de 2001, iniciou a Campanha Cris (Direitos à Co0municação na Sociedade Informacional, na sigla em inglês), é um equívoco reduzir toda a discussão da reunião à infra-estrutura tecnológica. Pergunta-se: a quem interessa esse debate?
A campanha Cris propõe, como marco geral de discussão, a aplicação do desenvolvimento tecnológico para melhorar a situação dos direitos humanos, sob o pressuposto de que a relação entre tecnologia e seres humanos não deve ser a de clientes ou usuários, mas de cidadãos. Os participantes da Cris defendem que o foco do debate esteja na comunicação como um direito, o que pode passar ou não pelo uso das Novas Tecnologias de Informação e de Comunicação.
Sociedade atenta
"O direito à comunicação no mundo globalizado é constantemente violado, assim como outros direitos humanos. Quem dita as regras no universo dos meios de comunicação são poucos e gigantescos conglomerados que decidem e impõem padrões estéticos, culturais, de consumo, de comportamento e mesmo modelos de relações humanas", diz um texto da campanha.
O documento acrescenta: "Na sociedade informacional, a manipulação em função de interesses comerciais vem fantasiada de notícia e entretenimento rápido, instantâneo, impactante, produzido para quem pode pagar, num jogo perverso onde a diversidade cultural, a livre expressão de pessoas e comunidades, a autenticidade são cartas fora do baralho".
No Brasil e em outros países latino-americanos, diversas ONGs estão participando dessa mobilização. Este fato é revelador de algo novo: a sociedade está atenta aos problemas da comunicação internacional e começa a agir para mudar o atual estado de coisas. Se, antes, a mobilização era basicamente capitaneada por governos, hoje parece estar sendo cada vez mais assumida pela própria sociedade.
(*) Jornalista e professora na PUC-Minas