MÍDIA & GOVERNO
Edilton Siqueira (*)
Às vezes as abordagens de diferentes canais de informação sobre um mesmo tema são tão discrepantes que dão a impressão de uma brincadeira do tipo "telefone sem fio". A sexta-feira, 7/11, foi um bom exemplo desse princípio, espelhado nas diferenças absurdas entre as abordagens das redes de televisão Record e Globo sobre as escorregadas do PT na mesma data. Seria uma bobagem isolada, não fosse a freqüência grande o suficiente para fazer repensar a famigerada "credibilidade tendenciosa" da comunicação brasileira.
As mancadas petistas começaram com o bloqueio ao pagamento de aposentados e pensionistas do INSS com mais de 90 anos de idade, promovido pelo Ministério da Previdência na equivocada tentativa de identificar casos de fraude através de recadastramento. O lamentável descaso com as dificuldades dos idosos foi motivo de entrevista ao vivo com o ministro Berzoini no jornal matinal Bom Dia Brasil, da Rede Globo. Na ocasião, foi perguntado ao ministro se a ocorrência era motivo para desculpas públicas, que o entrevistado julgou não caber, pois o erro teria sido de "algumas agências" que descumpriram ou desconheceram ordens expressas.
Fatos juntados
No decorrer do dia, após críticas e pressões da oposição ? que não perderia por nada uma oportunidade como essa, o ministro apresentou comunicado oficial reconhecendo as evidentes falhas e pedindo desculpas. No Jornal da Record, após a apresentação de matéria recheada de comentários maldosos de toda espécie, o âncora Boris Casoy metralhou o ministério, utilizando todo o seu jargão de indignação, de "incompetência" a "asnice" (sic), entre outros termos. Momentos depois, o Jornal Nacional apresentava a mesma matéria, de forma bem mais amena, sem qualquer comentário externo e sem mencionar a entrevista concedida na manhã do mesmo dia ? o que seria um prato cheio nas mãos de qualquer jornalismo mais crítico. Fizeram uma versão "Poliana" do pedido de desculpas, e ficou nisso.
A outra mancada foi do presidente Lula. Num de seus já clássicos improvisos, o presidente quis desmistificar a visão preconceituosa que grande parte do mundo tem sobre os países africanos, condição semelhante à da América Latina. Só que a emenda saiu pior que o soneto, e sem mencionar o tal preconceito a priori Lula soltou um comentário mal formulado, dizendo que a capital da Namíbia era tão limpa que um estrangeiro em visita ao local não acreditaria estar na África. Fez lembrar os comentários sobre galinhas e veados pronunciados pelo ministro da Justiça há alguns meses, durante protesto de estudantes contra a prefeita de São Paulo, Marta Suplicy. Verborragia pura!
O jornalista Boris Casoy juntou um fato ao outro, como era de se esperar. Disse que desse jeito o presidente acabaria queimando todos os créditos obtidos com a viagem à África. Do outro lado, o Jornal Nacional destacou o mesmo discurso num trecho bem mais estendido do que o apresentado pela Record, classificando o pronunciamento como um "elogio" do presidente brasileiro ao país visitado, reforçando aquela que certamente foi a intenção de Lula, apesar de seu comentário inevitavelmente infeliz.
Vidraça continental
É bem verdade que a frase foi mal encaixada, servindo de munição aos críticos do costume de falar de improviso, sempre mantido por Lula e que já ocasionou diversas sessões apaga-fogo pelos corredores e gabinetes afora (e que o Sr. José Dirceu me corrija). Também é evidente que a intenção do presidente não foi criticar as nações africanas ou promover qualquer visão preconceituosa. Para os que viram apenas o Jornal da Record, suas chamadas nada amenas e a menção dos comentários de certos políticos, ficou a visão de que teríamos um presidente neonazista. E, na contramão, a atitude global de deixar passar o fato sem qualquer menção crítica foi coisa de fazer corar até mesmo o doutor Roberto Marinho, onde quer que estivesse.
Na pressa de fazer barulho, algumas redações mordem demais, quase até sangrar. E na tentativa exagerada de apagar o fogo dos outros, um outro grupo sopra até perder o fôlego. Nessa briga de esquenta-esfria, uns tentam fazer do governo uma espécie de "Mancha Negra", enquanto outros promovem uma "falsa paz em brancas nuvens".
Assim, o PT segue entre a cruz e a espada, ostentando uma vidraça do tamanho do Brasil. Com as opiniões da imprensa oscilando entre o quente e o frio, o agressivo e o patético, a opinião pública sobre o partido vai ficando assim, nem preta, nem branca. Quando muito, meio cinza. E quem for bitolado num só veículo que agüente as conseqüências. Pois no tocante a apresentar a verdade dos fatos sem excessivas falácias ou benevolências muitos jornalistas sérios trocam as bolas, quando não parecem estar pouco "se lixando".
(*) Analista de sistemas, estudante de Filosofia e (se tudo correr bem) futuro jornalista