ENTREVISTA / ROBERTO SATURNINO
Leticia Nunes
A crise no setor de mídia é mundial. Em diversos países, medidas de todos os tipos têm sido tomadas para tentar contê-la. Redução de custos, demissões, desmembramentos e fusões de empresas constroem um quadro comum a quem participa desse processo ou para quem apenas o observa.
No Brasil, a crise sem precedentes ataca do pequeno jornal do interior ao grande grupo de comunicação de alcance nacional. Todos já tiveram que arquitetar alguma das medidas acima mencionadas para tentar sair do fundo do poço. A última tábua de salvação foi anunciada no mês passado, e arquitetada não por um ou dois veículos de comunicação, mas pelas associações que representam o setor inteiro [veja remissões abaixo].
A nota divulgada em conjunto pela Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), Associação Nacional de Jornais (ANJ) e Associação Nacional de Editores de Revistas (ANER) em 29 de setembro anunciava a preparação de um plano de financiamento para as empresas de comunicação a ser apresentado ao Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES). Ainda não se conhece os termos da negociação, mas nas últimas semanas discutiu-se a conveniência ou não de o setor receber ajuda estatal. Como uma questão leva à outra, discutiu-se também a crise em si, suas razões e seu futuro.
E o debate chegou ao Senado Federal. Em 1?/10, a Comissão de Educação e a Subcomissão de Cinema, Comunicação e Informática do Senado se reuniram com representantes do setor para debater o impacto da reforma tributária nas empresas de comunicação. A audiência mostrou que a preocupação é crescente e que a solução deve ser conjunta.
O senador Roberto Saturnino (PT-RJ), presidente da Subcomissão de Cinema, Comunicação e Informática, falou ao Observatório da Imprensa sobre a crise e sobre como se poderá enfrentá-la enfrentá-la.
Como avalia a atual crise das empresas do setor de comunicação?
Roberto Saturnino ? Houve, no geral, excesso de otimismo e exagero com investimentos. Mas houve também uma dose de responsabilidade do governo federal que, com a sua política de câmbio desastrosa, triplicou, num prazo muito curto, as dívidas das empresas que tomaram empréstimos em dólar para realizar aqueles investimentos. A situação atual parece insustentável.
Qual a sua avaliação sobre um eventual plano de ajuda estatal para o setor de mídia brasileiro?
R.S. ? O setor de mídia é estratégico e não pode entrar em colapso. Por outro lado, é fundamental que se mantenha sob controle nacional, precisamente porque é estratégico. Por isso penso ser quase inevitável a decisão de um plano de ajuda que tenha um forte componente estatal, aliado a um esforço de mobilização de capitais privados brasileiros.
O Estado deve intervir na crise que o setor atravessa? Por quê?
R.S. ? O neoliberalismo faliu no Brasil, e o Estado deve voltar a intervir nos setores estratégicos ? indiretamente, através do planejamento, e diretamente, para alavancar os setores prioritários ? com financiamentos oficiais e mesmo com investimentos diretos. O mercado, espontaneamente, não dará conta dessa crise.
Os veículos que receberem ajuda estatal correm o risco de ter sua independência editorial comprometida?
R.S. ? Se a ajuda for geral e isonômica ? e não para uns poucos escolhidos ?, através de um programa com regras claras e transparentes, esse risco pode ser anulado.
Há uma crítica à direção do BNDES, no sentido de que o banco teria se tornado novamente um "hospital" de empresas. Se os pacientes passarem a ser jornais, revistas e emissoras de radio e TV, este tipo de critica deve persistir?
R.S. ? A crítica não é justa: hospital atende qualquer doente; o BNDES só ajuda setores ou empresas estratégicas, que não podem naufragar sob pena de comprometer toda a economia. A mídia é um desses setores e, se o programa tiver as características de transparência e isonomia, não inibirá as críticas que tiverem que ser feitas, porque não haverá nenhum comprometimento político.
Durante quase todo o segundo mandato do presidente Fernando Henrique Cardoso houve pressão dos grandes grupos de mídia para que o governo mudasse a Constituição e permitisse a participação do capital estrangeiro no setor ? o que acabou ocorrendo no fim do governo passado. Quase um ano depois da abertura, nenhum negocio de vulto foi fechado. Qual a sua avaliação sobre a abertura? E por que a crise persiste após a flexibilização do artigo 222?
R.S. ? Fui contra a abertura, mesmo parcial, minoritária. Dada a situação financeira difícil do setor, ao capital estrangeiro só interessa o controle, a posição majoritária. E isso é inaceitável. Daí a necessidade do programa nacional de reestruturação do setor.
Quais os melhores meios para tirar a mídia da crise?
R.S. ? Um programa nacional de reestruturação econômica e financeira, aberto a todas as empresas, com regras claras, sem nenhuma contrapartida política, compreendendo financiamento do BNDES e mobilização de capital nacional.
Historicamente, o PT é favorável à democratização dos meios de comunicação. O senhor acha que um plano de ajuda estatal aos veículos em crise pode, em alguma hipótese, ser condizente com o espírito de democratizar o setor?
R.S. ? Acredito que sim. O programa pode prover algumas condições que impliquem avanços no sentido de uma democratização do setor.
Qual a sua avaliação, até aqui, da postura do governo Lula na área de comunicação?
R.S. ? Não é bem o meu setor e não acompanho a ação governamental no dia-a-dia. Mas, pelo que sei, me parece que a postura do Governo tem sido correta.
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