ENTREVISTA / SILVIO MEIRA
Fausto Rêgo e Graciela Selaimen (*)
[Publicada originalmente na Revista do Terceiro Setor <http://rets.rits.org.br/>, em 3/10/03]
Ele é fundador e diretor-presidente do Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife (CESAR), professor titular de Engenharia de Software do Centro de Informática da Universidade Federal de Pernambuco e consultor independente. Na Rede de Informações do Terceiro Setor (RITS), porém, o engenheiro Silvio Meira, paraibano de Taperoá, agora é conhecido de outra forma: ele acaba de assumir a Presidência do Conselho da organização e esteve no Rio de Janeiro, no dia 29 de setembro, para participar da primeira reunião da diretoria, da qual também participaram a vice-presidente do Conselho, Samyra Crespo; o diretor tesoureiro, Alfredo Sette; e o secretário geral, Alexandre Santos, juntamente com o diretor executivo, Paulo Lima; o diretor de Planejamento e Estratégias, Carlos Afonso; o diretor administrativo e financeiro, Mauro Campos; e a diretora de Informação e Comunicação, Graciela Selaimen.
Logo após a reunião, durante a qual foram apresentados os projetos em desenvolvimento e debatidas as perspectivas para a atuação da entidade, Meira conversou com a Rets sobre suas impressões em relação a esse trabalho. Comentou iniciativas como o projeto Ação Digital Nordeste e os telecentros de São Paulo, analisou o processo da Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação e falou ? bastante ? sobre tecnologia: do software livre ao voto eletrônico.
Meira destacou ainda a importância da informação e da criação de uma cultura de registro e utilização de dados. "Acho que podemos intensificar o uso da infra-estrutura tecnológica para prover as condições básicas para que registremos mais coisas e, conseqüentemente, consigamos fazer um raciocínio mais sofisticado sobre o país a partir do registro de seu passado".
Com que idéias e expectativas você chega à Presidência do Conselho da RITS?
Silvio Meira ? A RITS está muito bem estruturada do ponto de vista operacional, possui projetos de curto, médio e longo prazos, participa de fóruns importantes. O conselho não precisa mudar nada no encaminhamento das ações. Acho que a diretoria e o conselho deveriam agregar a capacidade de ver lateralmente, agregar ao pensamento da RITS as experiências que temos em outras organizações, de outros lugares onde participamos de processos que de uma forma ou de outra são complementares, ortogonais ou em, alguns casos, até paralelos ao trabalho que a RITS faz. Acho que a organização tem projetos extremamente relevantes e interessantes e possui excelentes perspectivas de futuro. Venho para contribuir no que puder, que provavelmente não é muito, comparado com a competência já instalada para desenvolvimento mais acelerado de projetos.
Você destacaria algum ponto específico desses projetos?
S.M. ? O projeto dos telecentros comunitários é extremamente importante. A participação em fóruns internacionais como a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação também é muito importante. Acho que tentar entender melhor o que acontece no Brasil e na América Latina, em regiões onde há poucos dados sobre políticas de informação, torna o projeto do Observatório de Políticas Públicas de Infoinclusão algo muito relevante, mas talvez o mais importante, na minha opinião, talvez por eu ser da periferia, seja o de nacionalização da RITS.
Esse projeto começa com o Ação Digital Nordeste e promete se alargar, em parcerias com organizações diversas, em áreas extremamente carentes e dispersas. Uma coisa é você agir na periferia de uma cidade grande, onde de uma forma ou de outra a infra-estrutura da riqueza está presente no centro daquele lugar. Outra coisa é você se arriscar pelo interior do Maranhão, pela parte pobre da Paraíba, de Pernambuco, Bahia, onde não só as deficiências tecnológicas são maiores como a carência de infra-estrutura é absoluta. Em alguns lugares talvez você precise instalar essa infra-estrutura. Essa perspectiva de intensificação, com a nacionalização e dispersão do trabalho da RITS, vai consumir muito esforço institucional. Vai ser necessário combater um problema que já existe hoje, como a RITS tem feito com a Prefeitura de São Paulo, na periferia da cidade. Se não fosse a exclusão social, política e econômica das regiões mais pobres, você não teria um perfil tão pobre quanto hoje há na periferia do Rio e de São Paulo. Enquanto não formos capazes de criar um processo efetivo de inclusão social, política, econômica e digital, onde cada uma pode servir de infra-estrutura para outras, nas regiões mais pobres, você não vai conseguir conter de forma real e duradoura o êxodo que serve de caldeirão para a efervescência das periferias das grandes cidades brasileiras.
Você citou a Cúpula Mundial sobre a Sociedade da Informação. Ao longo do processo preparatório para a Cúpula, a sociedade civil tem sido excluída dos debates, tem enfrentado várias dificuldades. Você acredita que seja possível reverter o quadro faltando dois meses para a realização do evento?
S.M. ? Não acho que seja possível. Minha análise é que a sociedade civil consegue conversar e dialogar com países, grandes instituições e agências multilaterais e passar por uma fase de conquistas quando há dinheiro disponível e a economia vai bem. Depois há uma fase de refreamento, quando surgem dificuldades de uma ordem ou de outra, sejam políticas, institucionais ou econômicas. No momento, são todas ao mesmo tempo. Há uma institucional, pois vivemos o caso gravíssimo de um país [os EUA] passar por cima de uma instituição como a ONU ? isso por um lado. Em coisas que mais nos interessam no mundo digital, há ao mesmo tempo um questionamento sério sobre a autoridade dos EUA na rede, através da ICANN [entidade norte-americana que estabelece padrões técnicos e políticos para a administração da Internet mundial], mas, por outro lado, não se quer que a ITU [União Internacional de Telecomunicações, uma das organizadoras da Cúpula] "assuma" o comando da Internet no mundo, pois isso não interessa a ninguém em juízo perfeito. É uma entidade muito conservadora, onde a sociedade civil não possui voz nem vez, não dá opinião e, se desse, também não seria ouvida. E aí nós temos que fazer alguns acordos com os EUA, por exemplo, porque não queremos a ITU, que é a ONU das comunicações, no lugar aonde ela quer ir ? pode?
Mas acho que estamos numa fase, infelizmente, negra, do ponto de vista da abertura que a periferia tem para dizer o que quer ao centro. O centro, ou os centros de poder, parecem estar injetados de uma vacina autoritária que os propele a tentar definir o que a periferia teria que fazer.
Não acho que há como reverter, mas essa não será a última Cúpula. Isso é um processo, governos passarão, até países passarão, mas a vontade comunitária, dos que precisam ter vez e voz, vai continuar. Nós somos mais perenes.
De que forma você vê o uso das tecnologias: elas vêm sendo usadas para escravizar ou para libertar?
S.M. ? Acho que toda tecnologia é libertadora, independentemente de originalmente ser usada para controlar pessoas ou extrair mais trabalho, quando você é o capital que investe na tecnologia. Olhando a história da tecnologia, desde as primeiras ferramentas, incluindo a aquisição de linguagem, que é uma tecnologia do humano, a tecnologia é um mediador entre o homem e o meio ambiente. Então é possível estar numa fase em que uma tecnologia ou um conjunto de tecnologias seja dominada por poucos. Mas passada tal fase primária, na qual apenas os ricos ou seletos têm acesso, você começa a ter uma penetração das tecnologias realmente úteis ? como eletricidade, processamento de informação, comunicações ? na sociedade, de tal forma que, de uma maneira ou de outra, todos passam a ter acesso.
O que muda para o tipo de trabalho que a RITS faz é essa "de uma maneira ou de outra": o nosso problema é fazer com que os que não podem ter acesso imediato o tenham, tão cedo quanto possível, de uma forma mais eficiente e eficaz. Não adianta ser só mais eficiente, mais rápido, mais colorido, pois o que você quer é que seja mais eficaz, que resolva problemas. Pense na televisão: ela é eficiente, mas não eficaz. Está disponível para todos, mas de uma forma trivial, na qual não cumpre suas funções como deveria.
O governo federal já afirmou seu interesse em incentivar o uso de software livre. Por outro lado, o Ministério da Educação assinou recentemente um convênio com a Microsoft para programas de alfabetização. É possível a convivência entre os dois modelos como política pública?
S.M. ? A convivência sempre é possível. Não existe nenhum mercado que seja totalitário, dominado por uma única vertente tecnológica ou ideológica. Todas as tentativas de fazer isso no passado foram malfadadas. Se tomarmos uma visão de capitalismo totalmente dominada pelo Estado ou então somente de mercado, sabemos que um funciona errado para um lado e o outro funciona errado para o outro lado. Talvez devêssemos ter um yin-yang. Há situações em que o software livre se presta muito bem para solução de problemas de governo, de iniciativa privada, pessoas físicas e terceiro setor. Por outro lado, acho que em outras ocasiões o software livre não vai resolver problemas, não que não seja recomendável, mas porque ele não é apenas uma declaração de que algo vá ser livre em algum lugar. É um arranjo complexo do ponto de vista de produção e evolução de plataformas tecnológicas, que não são coisas triviais, mas montadas por comunidades de construção e uso. Não é uma coisa que se constrói por decreto. Enquanto acho trivial passar de uma suíte de escritório fechada para uma aberta, na maioria dos casos, não é trivial ver como um software de comércio exterior aberto possa competir com um fechado, assumindo que o paradigma de software livre seja usado pelo primeiro, onde eu provoco uma comunidade externa ao governo e ela resolve desenvolver um sistema de comércio exterior porque acha que pode ou deve. Onde ficam as especificações, por exemplo?
É preciso criar um regime de incentivos e de processos de gestão tecnológica de desenvolvimento de software e de sua posterior evolução, manutenção e eventual encerramento, para se ter software livre usado de forma competente dentro do governo, processos estes que nós não temos e ninguém no mundo tem ainda.
Acho que deveriam ser criados projetos-piloto, acompanhados por um bom tempo, para que avaliássemos além dos Apache, Linux, Open Office e outros que já estão no mercado e têm comunidade de prática ao redor. Tais grupos foram autoformados por haver inimigos-padrão para combater e prêmios de performance que os indivíduos poderiam usufruir ao participar das comunidades. Em outros cenários, em assuntos mais complexos e quase necessariamente em espaços restritos e de visibilidade mais baixa, deveríamos rodar uns pilotos para saber exatamente o que pode ser extraído de tal tipo de esforço.
Para mim, olhando do ponto de vista de desenvolvimento de programas de informática, software livre não é nada além de desenvolvimento distribuído de software. Isso é algo conhecido na comunidade de engenharia de software e se faz em larga escala, há muito tempo. O fato de parte do software aberto ser de cópia livre é ortogonal a ele ser aberto no sentido de disponibilidade de código. Mas para fazermos isso em escala social maior, deveríamos testar protótipos e avaliar as comunidades participando deles e também a nossa capacidade de gerir e contratar esse desenvolvimento. Até agora não entendi como o governo pode contratar pessoas físicas diretamente ou comunidades de pessoa físicas para desenvolvimento de software. Como vai remunerar, contratar, quem vai ser responsável por isso? Que controle o responsável vai ter sobre as pessoas que trabalham com ele? Quais os processos de gestão? Quem responde ao TCU [Tribunal de Contas da União] se tudo der errado e o desenvolvimento, por exemplo, como acontece com alguns projetos abertos, "morrer"?
Não acho que esse tipo de problema esteja resolvido, ele precisaria ser mais bem estudado antes que déssemos passos maiores nessa direção.
E em relação a custo?
S.M. ? Há situações em que a economia que a instituição consegue não comprando uma licença é compensada pelos gastos que terá com manutenção daquele sistema. Deixar de comprar a licença pode não compensar os custos de operação a longo prazo, dependendo do tipo de instituição. Em universidades ou setores de informática de órgãos públicos, é mais fácil rodar software livre, no sentido de aberto e de cópia livre, pois potencialmente já existe pessoal para fazer manutenção. A questão é se vai haver esse pessoal em escolas primárias, hospitais, câmaras de vereadores, e para que tipos de sistemas, já que em tais lugares é muito provável não haver gente especializada em dar esse tipo de suporte.
Mas esse não é o problema central a que estava me referindo. Esse é um cenário clássico. Eu me referia a algo mais complexo: tomar a decisão de desenvolver um conjunto de aplicativos para partes do governo, se isso vai se fazer baseado em software livre, que é potencialmente mais barato do que o fechado, ou não. Para mim o paradigma deveria ser operado, na prática, como protótipo, mesmo nos casos onde acreditamos que ele possa ter sucesso, para sabermos o que estamos administrando. Trata-se de namorar antes de casar.
Há um projeto de lei em tramitação no Congresso que acaba com a obrigatoriedade da impressão do voto. [O projeto de lei 1.503/03, do Senado Federal, foi aprovado pela Câmara em 1? de outubro, depois de já ter sido aprovado no Senado.] Você acredita que é possível continuar com o voto eletrônico sem um mecanismo de controle?
S.M. ? Não sei se a impressão é um mecanismo real de controle. Do ponto de vista tecnológico, a discussão do voto eletrônico é muito complexa. No sentido estrito da verificação do que acontece, do sigilo absoluto, o processo associado ao voto eletrônico só é entendido por um pequeno número de especialistas. Isso em qualquer país. Quando você usa papel e lápis, na maior parte do interior do Nordeste, por exemplo, nunca se conseguiu garantir que um voto fosse contabilizado corretamente, pois a possibilidade de fraude era grande, já que a tecnologia do papel e lápis é extremamente conhecida por uma parcela grande da sociedade que podia intervir em qualquer estágio do processo e alterar os resultados. Acredito que o voto digital é mais seguro do que em papel em todo o Brasil. Conheço e estive em cidades onde oligarquias estavam no poder há 50 anos e foram destronadas pelo voto eletrônico. Naqueles lugares elas perderam o controle do processo tecnológico e não conseguiram mais interferir nele. É possível, por outro lado, haver uma conspiração em larga escala numa votação digital, mesmo com a impressão. Não acho que haja nada absolutamente seguro. Por mais que haja formas de criptografar e proteger coisas, se foram programadas por seres humanos, haverá meios de invadir. No entanto estamos falando de segurança relativa. Nada na sociedade é absolutamente certo.
Qual sua opinião sobre o panorama das liberdades civis atualmente, principalmente nos EUA e na Inglaterra, principais eixos do combate ao terrorismo, e sobre o uso das tecnologias de informação e comunicação nesse contexto? Será que 1984 já está começando?
S.M. ? Se começou, está com quase 20 anos de atraso. Alguns amigos americanos defendem que os EUA vivem uma ditadura de direita. Acho que não chega a tanto, mas a guerra do Iraque foi injustificada e antes dela o processo de captura de eventuais terroristas no Afeganistão também. Você não pode bombardear um país por desconfiar que lá estejam pessoas que você esteja procurando. Acho que a situação no Afeganistão e no Iraque ainda não está resolvida e que outros países, como o Irã e a Coréia do Norte, podem passar pelo mesmo tipo de problema. Por mais que você não goste dessas ditaduras, deve haver meios internacionalmente aceitos para negociar tais tensões. Os EUA são um país que se entrega muito fácil a paranóias. Uma semana é a do serial killer das escolas, na outra é o filme do fim de semana, que tem que superar o da semana passada… e as pessoas, num país onde o grau de individualismo parece ser bem maior do que a média, vão a reboque. Lá, em períodos de liberdade, é tudo pela liberdade; por outro lado, se umas pessoas são perigosas, de repente todas as pessoas são perigosas.
Vivemos num mundo onde temos que prevenir o uso demasiado das TICs para vigiar a vida das pessoas, pois podemos traçar boa parte do cotidiano de alguém rastreando seu celular, seu cartão de crédito, a placa do carro… Integrando a visão das torres de microondas, antenas de wi-fi [transmissão de dados sem fio], câmeras públicas e privadas nas principais cidades, você pode quase seguir uma pessoa em tempo real. Por outro lado, se não usar nada disso e ficar olhando dados e cruzando imposto de renda com seguro-saúde, fico sabendo de outra boa parte de sua vida, por exemplo.
Se eu usar dados em tempo real e os que estão nos bancos, sou capaz de saber mais da vida de alguém do que ele próprio! Isso é uma ameaça à liberdade individual, sem dúvida. E os xerifes alegam que, se você não deve nada, não tem nada a temer. É um argumento muito difícil de responder, dentro de situações de exceção, sem se tornar uma pessoa da qual o poder vai desconfiar.
Quando [o escritor George] Orwell escreveu "1984", o mundo estava numa situação de cerceamento de liberdades muito mais radical do que hoje. Temos fases em que isso acontece; acho que o que vamos ler sobre 2050, escrito em 2004, vai ser muito pior do que 1984. Mas também acredito que em 2050 vamos ter mais liberdade do que hoje, se nos organizarmos e lutarmos. Liberdade nunca é dada para ninguém, nem quando nascemos livres, pois só sabemos que somos livres até alguém nos tirar a liberdade. Liberdade é dessas coisas que só com o confronto com a falta dela se descobre o que é. Isso é parte do trabalho da RITS, e por isso aceitei fazer parte do Conselho.
Você disse que no Brasil a informação está dispersa, fragmentada. Não há uma cultura de arquivar essa informação, de torná-la recuperável. E junto com essa informação vai embora muito dinheiro. Você acha possível mudar essa cultura com o uso da tecnologia de informação e comunicação?
S.M. ? Essa é a BBB ? Base da Bagunça Brasileira. Há duas alternativas: se não usar apropriadamente, você informatiza o caos. A informatização do caos tem uma conseqüência terrível: é você chegar no aeroporto e ter alguma coisa lá dizendo que você deve para a Receita Federal e não pode viajar. Esse é o lado potencialmente ruim, se você usar erradamente a tecnologia de informação.
Se usar corretamente, você resolve 10% do problema. Porque o problema da inexistência de dados é a falta de cultura de registro da história. Nos poucos lugares onde a história foi registrada, como o Itamaraty, é espetacular ver atas de reuniões onde foram decididas fronteiras, por exemplo. Então acho que podemos intensificar o uso da infra-estrutura tecnológica para prover as condições básicas para que registremos mais coisas e, conseqüentemente, consigamos fazer um raciocínio mais sofisticado sobre o país a partir do registro de seu passado. Tanto do ponto de vista do passado estatístico dos indivíduos quanto das corporações, dos programas de governo etc.
Mas para isso é preciso educar pessoas e instituições para fazerem esse registro e criar uma cultura de usar o registro para fazer análise e depois fazer planos. O Brasil é um país quase irresponsável, onde qualquer um que chega a gerir algo se arvora a fazer planos, esquecendo completamente o passado ? inclusive o recente. Aí repetimos experiências que deram errado da mesma forma que foram feitas antes, na esperança de que quem tenha sido incompetente antes tenha sido a pessoa que tentou executar, que não sabia fazer. Aí pegamos a mesma coisa e vamos fazer, porque "nós sabemos fazer".
Por outro lado, acho que não devemos ir ao extremo daquela profusão de estatísticas que temos em países como o Estados Unidos. Um jogo de basquete, na televisão deles, sem os dados, parece irrelevante, pois a única coisa relevante é a estatística dos últimos 40 jogos ? enquanto aqui interessam os dados para depois do jogo e não para antes ou durante.
Acho que há pouca informática em uso efetivo no Brasil, mas ainda menos cultura de utilização de dados. É óbvio que você não vai aculturar as pessoas para usar informática sem ter informação no lugar, mas se precisa criar um processo conjunto, montar as coisas de tal forma que "florestas inteiras" de dados não desapareçam, evitar que coisas que já foram coletadas no passado tenham de ser coletadas de novo, vez após vez, às vezes por instituições diferentes.
Temos que pensar em termos de uma economia da informação, onde é preciso capturar, armazenar, processar, recuperar, disseminar e apresentar dados e fazer isso no horizonte de dezenas, centenas de anos. Analisar o comportamento de uma sociedade não é algo que se faça num mandato. Há que se levar em conta a evolução de dezenas de anos.
É um projeto de educação?
S.M. ? É um projeto de educação e criação de cultura dentro de empresas, governos e pessoas, principalmente hoje, quando se fala tanto em planejamento estratégico, diminuição de gastos. Qualquer agente tem que fazer sua função, mas também registrar o que e como foi feito, de forma que depois eu possa saber quanto custou, o que aconteceu, como posso melhorar.
Vou dar um exemplo: não temos casos de poliomelite há muitos anos. Já pensaram na logística de vacinar crianças em todos os lugares, inclusive nos mais distantes, no mesmo fim de semana? É uma operação muito sofisticada, é praticamente impossível escapar da vacina, é quase uma operação de guerra. E para as outras operações, de coleta e processamento de dados, as pessoas dizem: "Isso aí a gente vê depois". Mas dados têm que ser coletados no momento. Depois é muito mais difícil, quase sempre impossível. Informação atualizada tem que ser cuidada como operação de guerra, ou então vai continuar sendo ruim, fugindo, se perdendo ? e recursos e esforços preciosos, e talvez únicos, indo junto…
(*) Da redação da RETS ? Revista do Terceiro Setor