CONCENTRAÇÃO DA MÍDIA
Rafael Maia (*)
[No pé deste texto, seleção de links para artigos publicados no Observatório sobre concentração da mídia]
Num momento em que grandes conglomerados de mídia do Brasil e do mundo passam por dificuldades financeiras e reformas emergenciais para sobreviver há que se questionar a validade da concentração dos meios de comunicação, que torna o acesso e a produção de informações cada vez menos democráticos.
As principais empresas de comunicação do país estão endividadas e, como informou o Jornal do Brasil (25/10/03), o governo estuda a possibilidade de usar recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) para auxiliá-las, sob a alegação de que não seria bom para a economia nacional se essas empresas recorressem aos bancos privados e ao capital estrangeiro.
Políticos e até mesmo empresários de mídia criticaram a iniciativa do governo. Arthur Virgílio, líder do PSDB no Senado, disse ao JB que o financiamento do BNDES limitaria a liberdade dos meios de comunicação. Octavio Frias de Oliveira, proprietário do Grupo Folha, em entrevista publicada na AOL <www.aol.com.br> em 23 de outubro, afirmou que, com essa medida, "o governo quer a mídia de joelhos".
Diante de tais declarações, pode-se chegar a pensar que a mídia brasileira não mantém qualquer vínculo com o poder constituído e que, contrariando alguns teóricos da comunicação, ela não faz parte desse poder.
Vendendo o público
Ignacio Ramonet, diretor do jornal francês Le Monde Diplomatique, pensa o contrário. Em seminário no 3? Fórum Social Mundial, realizado em janeiro deste ano em Porto Alegre, Ramonet afirmou que a idéia de que a mídia atua como quarto poder, defendendo a sociedade do abuso dos outros poderes, não é mais válida. Para ele, a maior parte dos grupos de comunicação hoje se une ao Poder Executivo para oprimir o cidadão. Ramonet acredita que, com o processo de globalização e a conseqüente formação dos conglomerados midiáticos, o objetivo de informar se diluiu entre outros interesses.
De fato, a lógica que rege essas empresas é a do mercado. Fatores como qualidade, diversidade cultural e criação artística estão subjugados ao caráter mercadológico da informação e da comunicação. Não à toa, a cotação das empresas de comunicação na bolsa de valores é o fator determinante de seu sucesso e a moeda de troca utilizada na expansão dos conglomerados. Ramonet, no artigo "Senhores das redes", publicado em junho de 2002 no Correio Braziliense, afirma que o faturamento das empresas de comunicação em 2000 representou 10% da economia mundial (algo em torno de 4 trilhões de reais).
Se a preocupação maior dessas empresas é a cotação de suas ações, não fica difícil concluir que interessa a elas atrair o maior número possível de consumidores de seus produtos (jornais, revistas, canais de TV etc.), num processo que transforma o próprio consumidor em produto. Afinal, os meios de comunicação há muito deixaram de vender informação ao público e passaram a vender o público a seus anunciantes.
Quadro assustador
Os efeitos maléficos do poderio dos conglomerados de comunicação no que diz respeito à democratização da informação e da sociedade são conhecidos e apontados há tempos por teóricos da comunicação. No artigo "As redes de TV e os senhores da aldeia global", publicado em 1991, Argemiro Ferreira cita um estudo do jornalista norte-americano Ben H. Bagdikian, ao constatar que "os gigantes da mídia (…) têm duas enormes vantagens: ?controlam a imagem pública dos líderes nacionais que, em razão disso, temem e favorecem as pretensões dos magnatas da mídia; e estes controlam a informação e o entretenimento que ajudam a estabelecer as atitudes sociais, políticas e culturais de populações cada vez maiores?".
A concentração dos veículos de comunicação nas mãos de um pequeno número de empresas simultaneamente concorrentes e aliadas gera discursos unilaterais, padronização informacional, ideológica e cultural e o pior, desinformação, visto que só chega ao conhecimento público o que for de interesse dos grandes conglomerados. Argemiro Ferreira aponta a existência de uma perigosa censura nos meios de comunicação, já que, por vivermos numa sociedade supostamente democrática, tal censura se configura de modo informal e quase imperceptível. O objetivo de cada um dos conglomerados é tornar-se o único interlocutor dos cidadãos. Para tanto, não medem esforços na tentativa de monopolizar todo o processo de produção e divulgação da informação. No entanto, as recentes crises nas companhias nacionais e internacionais ? como o caso da Vivendi, grupo francês que em 2002 pôs parte de suas empresas à venda para pagar dívidas ? têm provado que as intenções monopolizadoras são bastante pretensas.
Mesmo assim, o quadro de concentração de mídia no Brasil assusta. O relatório "Donos da mídia", publicado no ano passado pelo coordenador do Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), Daniel Herz, revela que seis redes privadas nacionais abrangem 667 veículos, entre emissoras de TV, rádios e jornais. Uma realidade ainda muito distante da desejada pelos defensores de uma comunicação democrática.
Agonia em rua deserta
"Temos de começar a compreender que as ondas no ar, as freqüências de rádio e TV, são um recurso precioso. Pertencem ao povo, que não sabe disso porque nos últimos oitenta anos elas foram tomadas pelos colonizadores empresariais. Tanto a televisão quanto o rádio têm grande potencial para a educação e para enriquecer a democracia", diz Steve Rendall, analista sênior do grupo Fair (Justiça e Precisão na Reportagem), no artigo "Uma só voz", de Glauco Faria, publicado em abril na revista Fórum.
É necessário compreender que democratizar a comunicação é garantir a todo cidadão não só o direito de acesso, mas o de produção de conteúdo dos meios, mesmo que com o auxílio ou o intermédio de um profissional de comunicação. O importante é que os diversos grupos sociais sejam ouvidos e tenham à sua disposição veículos nos quais possam expor suas idéias e ter suas necessidades específicas atendidas.
Por lei, o acesso à comunicação é direito de todos. Mas a mesma lei dificulta, por exemplo, o processo de legalização e manutenção de rádios e TVs comunitárias. Os poucos que conseguem se legitimar raramente conseguem se manter segundo as imposições legais. Para esses meios não há socorro do BNDES. O resultado desse processo é a proliferação de veículos ilegais que são constantemente perseguidos e fechados pelo Judiciário. Em outras palavras, o que se observa a cada dia no Brasil é o aumento do abismo entre os detentores e os consumidores dos meios de comunicação. É a democracia agonizando numa rua deserta e escura.
(*) Estudante de Jornalismo da Universidade Federal Fluminense e apresentador do programa Fazendo Media <www.fazendomedia.weblogger.com.br>, da Unitevê, canal universitário de Niterói, RJ
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