Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Pelo direito de acesso e de informação

DOCUMENTOS PÚBLICOS

Leticia Nunes

O Brasil é um país democrático, mas sua democracia deixa a desejar num ponto crucial: a falta de legislação que regulamente o acesso ? da imprensa e dos cidadãos ? às informações públicas. Entenda-se por informação pública decisões documentadas pelo governo, atas de reuniões, pesquisas e estatísticas solicitadas e arquivadas por órgãos públicos.

De acordo com o inciso XXXIII do artigo 5? da Constituição Federal de 1988, "todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado".

Ou seja, o direito de acesso às informações públicas existe, está na Constituição. Mas nunca havia sido regulamentado. "Muitas pessoas podem achar que só a Constituição já garante o acesso [às informações], mas não é correta essa avaliação. Embora o artigo 5? da Constituição diga que o acesso existe, é necessário uma lei para regular esse dispositivo", alerta o jornalista Fernando Rodrigues, repórter e colunista da Folha de S.Paulo em Brasília e diretor-executivo da Associação Brasileira de Jornalismo Investigativo (Abraji).

O Projeto de Lei n? 219 promete mudar esta situação. De autoria do deputado Reginaldo Lopes (PT-MG), regulamenta o inciso XXXIII do artigo 5? da Constituição. Apresentado em fevereiro, foi aprovado por unanimidade pela Comissão de Trabalho, Administração e Serviço Público da Câmara dos Deputados.

É um projeto simples, mas que, segundo o texto de seu relator, deputado Mendes Ribeiro Filho (PMDB-RS), "preencherá lacuna incompreensível de nossa ordem jurídica". Em resumo, o projeto normatiza o exercício do direito de acesso à informação, estabelecendo recursos e definindo as informações acessíveis.Com parecer favorável do relator, o projeto agora será analisado na Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara. É apenas um passo, mas um passo importante.

Guerrilha do Araguaia

O projeto é inspirado em experiências internacionais. Nas últimas décadas, mais de 70 países aprovaram ou propuseram leis de regulamentação do acesso às informações públicas. Exemplos de sucesso, como o Freedom of Information Act (Lei de Liberdade de Informação), nos Estados Unidos, e a recente Lei Federal de Transparência e Acesso à Informação Pública, no México, entraram no relatório.

Para Fernando Paulino, professor e representante do Projeto SOS Imprensa da Faculdade de Comunicação da Universidade de Brasília, a aprovação do projeto é essencial para o país, "até mesmo para definir e dinamizar prazos de resposta e estabelecer mais claramente as condições de sigilo de informação a documentos que sejam considerados secretos". Neste sentido, Paulino afirma que "a contribuição das instituições de ensino superior é fundamental para demonstrar que este debate não se encerra nas atividades profissionais dos jornalistas, mas também em toda a sociedade, que detém e deve cada vez mais reivindicar o direito público de saber".

Na maioria das vezes, porém, a própria sociedade não tem consciência disso. E não reivindica seus direitos porque nem sabe que os tem. Esse "é um problema histórico, cultural, com raízes no autoritarismo e na cultura do segredo", diz o jornalista Marcelo Beraba, diretor da sucursal da Folha de S.Paulo no Rio e presidente da Abraji. A população acaba não desenvolvendo essa consciência porque o próprio governante brasileiro, em geral, não considera, quando assina um documento, que esse papel pertença à sociedade. "Na cabeça da maioria dos governantes, os documentos públicos pertencem ao Estado. É um erro. O que o Estado produz pertence aos eleitores", diz Rodrigues.

E são justamente os eleitores que, em geral, não conseguem acesso algum às informações públicas. "Os jornais, mal ou bem, vão se virando porque é obrigação deles. Mas a sociedade, não", diz Beraba. Ele exemplifica como a sociedade é impedida de ter acesso a documentos públicos que deveriam estar disponíveis. "É o caso, agora, das informações oficiais sobre a guerrilha do Araguaia. A censura dessas informações impede que os parentes continuem as buscas dos corpos de seus parentes mortos na guerrilha".

Iniciativa do Executivo

A Abraji é uma associação que acompanha de perto a luta pelo acesso às informações. Em setembro, promoveu, em Brasília, o Seminário Internacional sobre Direito de Acesso a Informações Públicas, com a presença de jornalistas, representantes do governo e entidades comprometidas com os direitos da sociedade.

No texto do relator do PL n? 219, o seminário foi citado como exemplo da necessidade de luta pelo acesso às informações. Fernando Rodrigues acrescenta que, "embora a iniciativa de uma campanha nacional por uma Lei de Acesso a Informações Públicas seja de uma entidade de jornalistas, essa legislação vai beneficiar a sociedade inteira". Para que isso aconteça, sociedade e governo devem se aliar e caminhar juntos. Para Rodrigues, o projeto de lei "é uma excelente iniciativa". Como diretor-executivo da Abraji, ele já teve duas reuniões com o deputado Reginaldo Lopes para tratar dos pontos que poderiam ser aperfeiçoados no projeto.

"Por exemplo, é necessário que a lei seja bem clara a respeito de como serão os procedimentos para um cidadão comum obter informações de um órgão público", destaca Rodrigues. De fato, o projeto não especifica ainda como será na prática o acesso aos documentos públicos. Em alguns países que já adotaram leis similares, cada órgão público fica obrigado a criar uma espécie de guichê ao qual qualquer pessoa pode se dirigir para fazer sua solicitação. Há prazos para o documento ser fornecido e punição prevista para o agente público que desrespeitar a norma.

Rodrigues conta que, numa das reuniões que manteve com Reginaldo Lopes, o deputado Aloyzio Nunes Ferreira (PSDB-SP), também presente, levantou ponto importante a ser considerado. "Ele disse que leis que criem novas estruturas no serviço público, e que, portanto, provoquem novas despesas, só podem ser de iniciativa do Poder Executivo. Essa seria uma norma constitucional. Será necessário, então, que o texto final da lei seja cuidadoso para não acabar vetado pelo Palácio do Planalto se vier a ser aprovado."