Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A culpa é da vaca e do deadline

TÍTULOS EQUIVOCADOS

Ivani Cunha (*)

Você lê no jornal a manchete "Vaca atropelada mata um" e pensa, como eu pensei, que o pobre animal, depois de ser surpreendido por um carro em alta velocidade, saiu cambaleando e acabou pisoteando um coitado que seguia a pé pela margem da rodovia. O homem chegou morto ao hospital. É possível também que a tal vaca, após o impacto, foi lançada longe e caiu sobre o cidadão, que passava nas proximidades.

Mas não foi nada disso que aconteceu. A chamada de poucas linhas do tablóide explica que a vaca foi atropelada por um carro de passeio, o qual acabou capotando e, em conseqüência, o motorista morreu.

Notícias sobre acidentes com aviões também provocam interpretações variadas e alguma confusão: "Avião cai na França e mata 60". Você pode imaginar que a aeronave caiu sobre a praça de uma bucólica cidadezinha do interior francês justamente num dia de feira. A tragédia só não foi maior porque muitas pessoas saíram correndo ao perceberem que o avião voava muito baixo, soltava uma fumaça estranha e percebia-se, pelo barulho, que seu motor falhava.

Você está mais uma vez enganado. O avião não caiu na cabeça de ninguém. Todos os que morreram estavam dentro dele. Mas para se certificar disso é preciso ler pelo menos o resumo do fato na capa.

Manchetes como a da vaca atropelada são pouco freqüentes, mas títulos atribuindo a culpa das mortes ao avião são cometidos rotineiramente. Carros pequenos e grandes, caminhões e ônibus também são tratados como responsáveis pelos acidentes, porque eles caem na ribanceira "matando o motorista" e, às vezes, também as outras pessoas que estavam com ele no veículo.

Sem mudanças

É claro que morreram em conseqüência da queda ou porque o carro pegou fogo. Raramente o automóvel pode ser considerado o causador direto das mortes. Mas o editor ou seu auxiliar muitas vezes tem que se contentar com a primeira versão da manchete que digitou e, sorte grande, apresenta o número de caracteres determinado no diagrama (ou "cardápio").

Pouquíssimos leitores estranham e nenhum deles reclama ao jornal. E se acaso alguém reclama não sai na seção de cartas. Talvez por isso os redatores não tenham a preocupação de evitar esses títulos. Na verdade, a busca de formas de titulação não-convencionais e que correspondam aos fatos descritos requer um pouco mais de tempo que o deadline concede. Como a pressão sobre o horário de fechamento das edições está cada vez maior para os jornais chegarem às bancas mais distantes no horário exigido pelos leitores que acordam muito cedo, e, além disso, ninguém reclama, os títulos dos jornais continuarão sendo produzidos dessa forma. É como um jogo: está escrito assim, mas quer dizer assado. "Vaca atropelada mata um", "Combustível vai sofrer novo aumento" (e você, leitor, vai sofrer pagando mais pela gasolina ou pelo álcool).

Assim a vida segue.

(*) Jornalista