BOATOS CIBERNÉTICOS
Luis Antonio de Oliveira Proença (*)
[Publicado originalmente no Jornal da Ciência <www.jornaldaciencia.org.br>, 10/10/03]
Recentemente circulou na internet uma mensagem, dessas repassadas a listas de endereço generalizadas, conclamando a pesquisadores, iniciantes ou maduros, de instituições públicas ou privadas, que se pronunciassem contra a interrupção de alguns serviços do Portal de Informações da Capes.
Para quem não sabe, a Capes, do MEC, mantém um sistema que oferece a possibilidade de acesso a diversas publicações cientificas, incluindo banco de dados, teses, monografias, periódicos científicos entre outros.
Parte deste serviço esta acessível a qualquer pessoa, de qualquer ponto do mundo, que acesse o portal <http://www.periodicos.capes.gov.br/>. Outra parte é só oferecida a Universidades públicas e algumas privadas, que atendam certos requisitos quanto a programas de pós-graduação.
A mensagem aparentemente tratava-se de um boato e talvez tenha tido origem na intenção da Capes rever alguns dos contratos, visando a otimização do sistema, que envolvem recursos da ordem de 18 milhões de dólares (Sobre o assunto: <www.mec.gov.br/acs/asp/noticias/noticiasId.asp?Id=4255>.
No entanto, a possibilidade da interrupção do serviço propiciou uma pequena discussão sobre sua validade e os critérios de acesso em nossa Universidade.
Inquestionavelmente o portal se apresenta como um avanço inestimável no sentido de disponibilizar o melhor, ou quase isso, da ciência mundial.
Acessando o portal, pesquisadores podem obter cópias digitais dos trabalhos publicados em algumas das melhores revistas científicas existentes, suprindo parte da carência indiscutível de bibliotecas, da maior parte das instituições universitárias brasileiras, sejam públicas ou privadas.
O serviço pode inclusive oferecer cópias digitais de trabalhos que ainda sequer foram distribuídos na versão impressa.
Mesmo sendo a porção de acesso aos principais periódicos restrita, oferecida apenas a certas Universidades, todos de uma forma ou outra se beneficiam do portal. Pode-se dizer que o avanço na pesquisa do vizinho influencia, cedo ou tarde, a rua toda.
A benesses do serviço atingem o entorno por diferentes meios, como por exemplo as colaborações científicas.
Assim, em princípio, todos, os com acesso e os sem acesso direto, deveriam atender a conclamação e ecoar contra a possível interrupção sete serviço pelo portal. Mesmo porque, uma hora ou outra, as Universidades que ainda não são beneficiados, poderão no futuro se utilizar do sistema em prática.
Os cientistas brasileiros, assim como de outros países, estão constantemente sob a pressão da produção de pesquisa de alta qualificação. A qualificação da pesquisa passa por sua publicação ao meio científico. Os periódicos são o veículo primeiro da publicação.
Alguns destes, que atendem áreas de concentração da ciência ou tecnologia específicas, são bastante antigos e respeitados e, por serem internacionais, publicados em língua inglesa.
Alguns são editados por grandes editoras internacionais e são sucesso não só científicos, mas também econômicos. Após a publicação em periódicos desta natureza, o trabalho do pesquisador passa a ser uma verdade, pelo menos por algum espaço de tempo.
Na busca de qualificação de suas pesquisas, pesquisadores brasileiros são impelidos a publicar seus trabalhos nestes periódicos, também chamados de alto impacto.
Da mesma forma, pesquisadores indianos, chineses, argentinos, canadenses, holandeses e por aí a fora. Não que não existam periódicos brasileiros de boa qualidade. Existem, porém restritos a algumas áreas onde já existe massa crítica suficiente para gerar um processo de revisão por pares próprio e eficiente.
A interrupção do serviço do portal nos levaria a uma situação passada e generalizada da pesquisa no Brasil, antes de sua implementação. Muitas das instituições a qual pertencem os autores brasileiros, não tem recursos para assinar individualmente os periódicos onde os trabalhos de seus pesquisadores são publicados.
O fato de se fazer pesquisa qualificada, sem acesso generalizado aos trabalhos dos colegas russos, jamaicanos, poloneses ou norte americanos já é, por si só, ruim. Não ter acesso aos trabalhos dos próprios colegas brasileiros beira ao nefasto.
Esta é uma típica condição de sub-desenvolvimento, que muito se assemelha ao que ocorre em muitas outras áreas, da indústria, do comércio, dos serviços e etc.
Não sei no Brasil onde esta publicado o melhor da pesquisa brasileira, mas é muito fácil achá-la em bibliotecas dos países ditos desenvolvidos. O serviço de periódicos do portal é muito importante para que seja interrompido, mesmo que seja oneroso e esteja disponível só para algumas das instituições que fazem pesquisa no Brasil.
O custo que hoje parece alto, certamente será insignificante frente aos benefícios que se imagina que serão alcançados com o tempo. Cabe lembrar, que este tempo pode parecer longo demais para os imediatistas, porém será curto para aqueles que em mente um projeto para o país.
PS: Uma das saídas para baratear o custo seria qualificar e valorizar periódicos gratuitos. Argumentos existem neste sentido: os autores geralmente não ganham dinheiro por trabalho publicado, assim com seus pares, que os revisam. Com a internet, o custo da distribuição passa a ser muito menor. Por outro lado, com isto, a ciência alheia não seria mais um “grande negócio”.
(*) Pesquisador do centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar da Universidade do Vale do Itajaí (Univali)
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