OLHA A LÍNGUA!
Montezuma Cruz (*)
Leio com muita freqüência a palavra "atingir", em discursos de políticos, nos jornais, nas revistas e nas caixas postais eletrônicas. Ouço-a também no rádio, no telefone e na televisão. A safra de soja cresce, o repórter e o redator escrevem que o Brasil "atingirá um recorde de 100 milhões de sacas". O Ministério da Saúde lança uma campanha e eles logo dizem: "A campanha atingirá todos os estados brasileiros". Outra: "O objetivo é promover a reflexão sobre o tema e atingir toda a sociedade". Quer dizer: nada mais de alcança, tudo se atinge feito um soco, um pontapé, um míssil, uma bala. O que significa que a mente jornalística está cada vez mais belicista. Poucos alcançam, muitos atingem.
Também noto, nesses meios de comunicação, a proliferação de frases que empregam o verbo "dar" acompanhado da preposição "para", um contribuinte sempre presente no empobrecimento lingüístico, especialmente quando a pessoa indaga: "Dá pra ir ao médico hoje?", "Dá pra estudar?", "Dá pra comprar?", "Dá pra ser amanhã"? "Dá pra entregar?", "Dá pra levantar?", "Dá pra sentar um pouco?".
Bem surrada
Trata-se de vício de linguagem e do falar. Ou da preguiça em escolher melhor as palavras e, assim, comunicar-se melhor. Engraçadinhos respondem: "Entrego sem dar, compro sem dar, levanto sem dar, estudo sem dar". E não achem ruim! Felizmente, alguns substituem esse verbo gasto e dizem: "É possível fazer tudo hoje?", "Você tem condições de concluir o trabalho?".
Mesmo imaginando-se delicada, a pessoa atende a ligação telefônica e pergunta: "Quem gostaria?". Do outro lado, corretamente, o interlocutor deve corrigir: "Gostaria, não! Quero falar". Do contrário, ele apenas gostaria de falar com alguém e dá margem a não ser atendido. "Gostaria de saber" é outra bem surrada. Gostaria ou quer mesmo saber? "Quero saber" comunica bem melhor.
(*) Jornalista, Brasília