Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Um Conar para o Congresso

FÚRIA LEGISFERANTE

Zeca Martins (*)

A perseguição legislativa de que a propaganda brasileira tem sido alvo ultimamente é um fenômeno curioso que nos diz, essencialmente, o seguinte: nunca o problema está nos gêneros de produtos à venda; sempre o vilão é a propaganda que os anuncia.

No Congresso Nacional borbulham projetos de lei procurando regulamentar (no caso, eufemismo para proibir) das mais variadas formas, por igualmente variadas razões, a publicidade geral da nação. É projeto proibindo isso, é projeto proibindo aquilo; tem até resoluções específicas que já rodam há alguns anos por aí, como é o caso da famosa Anvisa 102, que regulamenta a propaganda de cosméticos e medicamentos de toda natureza (a Anvisa não é exatamente um primor no combate, por exemplo, à distribuição irresponsável das anfetaminas, que corre solta, mas se mete a regulamentar propaganda!).

A continuar assim, até classificados como "Vendo Fusca 68" estarão sujeitos à lâmina da espada vingadora de alguns congressistas.

(Ademais, temos as bundas, essas arredondadas, voluptuosas e magníficas unanimidades bipartidas nacionais. Neste agradável particular, uma curiosidade ? ou idiossincrasia, como queira o leitor ? sobre a publicidade de caráter glúteo: o Torquemada de plantão não recomenda mostrar bundas em comercial de cerveja. Mas bundas associadas a outros produtos, pode. Que bom. Salva-se, assim, parcela importante do nosso voyeurismo tupinambá congênito. Ufa!)

Sem piedade

Também não se pode fazer impunemente publicidade de cigarros, mas pode-se vendê-los, da mesma forma que às bebidas, livremente por aí, com controle praticamente zero na aquisição. Crianças compram facilmente cigarros e bebidas, quem não sabe disso?

Daí, a considerar esse samba-do-crioulo-doido em que se transformou nossa fúria legisferante, ousei rascunhar uma carta ao legislador nacional:


Excelentíssimo Sr. Legislador:

Quero parabenizá-lo pela relevância social das idéias contidas em seus tantos projetos de lei que regulamentam, de uma forma ou de outra, a propaganda deste ou daquele produto.

Veja o Sr. Legislador, por exemplo, o produto do vosso irrepreensível intelecto para o caso das bebidas e dos cigarros.

São idéias que, sobretudo, trazem nova luz à ciência, visto que, agora sim, sabe-se quais são as causas verdadeiras da cirrose dos alcoólatras e do câncer do fumantes: anúncios.

Sim, porque anúncios embriagam, intoxicam e são os verdadeiros responsáveis por toda sorte de descaminho dos cidadãos deste país. Devemos, pois, protegê-los, os cidadãos, de tamanho mal.

Eu, por exemplo, cada vez que vejo um anúncio, fico verdadeiramente embriagado (mas não por aquele anúncio representar um segmento de negócios que tem o respeito da comunidade internacional, pelo profissionalismo de sua conduta, como é o caso da indústria da propaganda brasileira).

Com estes mesmos anúncios também intoxico-me, é bem verdade (porém não pela exuberância de talento que via de regra eles contêm). Importantíssimo saber que anúncio dá câncer!

Assim, são muito justas ? "mais do que justas, são justíssimas", diria adequadamente o personagem de antiga novela ? todas as iniciativas antipropaganda de V. Excia.

Porque, não sendo a bebida alcoólica o que embriaga nem o cigarro o que intoxica, mas sim toda sorte de anúncios, a única indústria que deverá ser fiscalizada de perto e, de fato, reprimida com extremo rigor, será a da propaganda brasileira. Pois anúncios e saúva os males do Brasil são.

Sem embargo, precisamos mesmo, muitíssimo, de ações de vanguarda capitaneadas por gente moderna e de visão como V. Excia. Urge que o Congresso Nacional as aprove todas, sem titubear!

A sociedade brasileira não pode prescindir de iniciativas tão importantes para o engrandecimento da nação. Permita-me, portanto, cumprimentá-lo.


Sou fã de carteirinha do Conar. Por razões técnicas e ideológicas. Antes, alerto que não tenho nenhum tipo de ligação com a entidade, exceto um sentimento de profundo respeito.

As razões técnicas são evidentes: ao evitar a bagunça ético-institucional que alguns poucos anunciantes procuram patrocinar, consegue-se botar ordem na casa de maneira rápida e eficiente. Maus anunciantes (e agências de propaganda) simplesmente vêem seus anúncios incorretos ou enganosos tirados rapidamente do ar, em todas as mídias. Sem piedade. Nos casos light, de ofensa menor à sociedade, são obrigados a fazer instantaneamente as devidas correções de conteúdo se quiserem continuar com seus anúncios.

Aulinhas de competência

E as ideológicas estão ligadas umbilicalmente às minhas convicções anarquistas. O Conar, em última análise, significa que nós publicitários tomamos conta de nós mesmos, sem hierarquia, sem governo, sem comando externo, sem uso da força. Entidade formada, gerida e mantida por agências de propaganda, anunciantes e veículos de comunicação, sem qualquer espécie de intromissão da esfera pública, o Conar só existe e funciona bem porque tem o respeito irrestrito da comunidade publicitária. Pensou, leitor, que bacaninha seria se houvesse um Conar para a imprensa, para o Judiciário, para o Executivo, para a saúde, para a educação…

Funciona maravilhosamente bem (confira: <www.conar.org.br>) e, de modo igualmente transparente, vai capitaneando os destinos éticos da publicidade nacional com rapidez, baixo custo e eficácia, coisa que o poder público raramente consegue.

Minha sugestão ao excelentíssimo legislador e ao administrador público interessados em brincar de inquisidores da propaganda: vão tomar umas aulinhas de competência com o pessoal do Conar. Porém, tenham cuidado, senão, ao saber das idéias irrefletidas que V. Excias. usualmente arrotam pelos quatro cantos da mídia, o Conar poderá tirá-los imediatamente do ar.

(*) Publicitário, 25 anos de atividade em propaganda e marketing, planejamento estratégico, criação publicitária e de projetos de marketing direto, palestrante e autor de livros sobre propaganda e comunicação empresarial, entre eles Redação publicitária ? A prática na prática, com lançamento em novembro de 2003 pela Editora Atlas