MÍDIA, MEMÓRIA
E…
“Ídolos para quem precisa”, copyright Jornal do Brasil,
18/10/03
“Mídia, memória e celebridades, Micael Herschmann
e Carlos Alberto, Messeder Pereira E-Papers, 206 páginas,
R$ 36
As celebridades parecem possuir o dom da onipresença. Multiplicam-se
por festas, eventos, coquetéis, inaugurações,
desfiles, rodeios etc. Desdobráveis, fazem-se ver e ouvir
nos programas vespertinos da TV, nas revistas especializadas e nas
biografias expostas em bancas de jornais e megalivrarias. Suas vidas,
aliás, são sempre um livro aberto. ?O melhor exemplo
de que vivemos na era das celebridades é Adriane Galisteu.
Quando a casa dela é assaltada, primeiro ela chama a Caras
e, depois, a polícia?, caçoou o novelista Silvio de
Abreu, numa entrevista ao JB, em janeiro do ano passado.
Como era previsível, Galisteu figurava, meses depois, entre
os 84 eleitos pelo fotógrafo Rogério Faissal para
a exposição WC: Famosos no Banheiro, insuperável
amostra da avidez por encenações da intimidade dos
ícones midiáticos.
Devemos a Leo Lowenthal uma das primeiras abordagens acadêmicas
do crescente culto às celebridades. O ensaio ?O triunfo dos
ídolos de massa?, publicado em 1944, coteja biografias apresentadas
pelas revistas populares no início do século com as
divulgadas durante e depois da Primeira Guerra. De acordo com o
autor alemão, o foco mudara dos ?ídolos da produção?
(políticos, figuras da indústria) para os ?ídolos
do consumo? (estrelas de cinema, corpos atléticos). Em vez
de oferecer um proveitoso vislumbre da conquista do sucesso mediante
o trabalho árduo, as novas biografias pormenorizavam o dia-a-dia
de celebridades passivas, cujos triunfos eram retratados como fruto
da ?sorte? ou do ?destino?.
O mote das celebridades como sintoma de degradação
cultural foi repisado por Daniel Boorstin, em The image (1962).
O polêmico estudo notabilizou a definição tautológica
?a celebridade é uma pessoa conhecida por sua notoriedade?.
Para o historiador, a falta de substância desses ?pseudo-eventos
humanos? expressava a vacuidade do público em geral. Os clamores
liberais de Boorstin por uma auto-reforma dos cidadãos norte-americanos
inspiraram, há pouco tempo, o compatriota Neal Gabler a redigir
o também impactante Vida, o filme (1999). Nostálgico,
o jornalista cultural lastima que os laços comunitários,
outrora urdidos por tradições e valores morais autênticos,
sejam hoje forjados por manchetes de tablóides e mexericos
sobre aqueles que fornecem entretenimento convencional (artistas,
apresentadores) e das pessoas que se tornaram ?entretenimento humano?
– as celebridades.
A despeito de alguns insights esclarecedores, os estudos tradicionais
a propósito da era das celebridades incidem numa falta grave:
tendem a preferir a crítica impetuosa e a condenação
moral à pesquisa sistemática e à reflexão
teórica. O leitor ansioso por análises menos exaltadas
e mais consistentes do fenômeno encontrará na coletânea
de ensaios Mídia, memória & celebridades uma obra
valiosa, escrita de forma clara e fluente.
Como salientam os organizadores, a intenção – óbvio
– não é fazer apologia da indústria da fofoca,
jogar confetes nos notáveis de ocasião, mas reunir
um conjunto de hipóteses e argumentos que permita relativizar
as visões mais pessimistas (?neo-apocalípticas?) sobre
o impacto da espetacularização na sociedade. Há
uma preocupação evidente em realçar a concretude
da experiência de vida dos atores sociais.
A primeira parte do livro rechaça a tese de que a onda de
valorização do biográfico no mercado editorial
e no mundo da mídia, o sucesso dos talk e reality shows,
deva ser entendida, apenas, como uma espécie de escapismo
ou exacerbação perversa de impulsos voyeuristas (ainda
mais abominável quando envolve o enaltecimento de personagens
e lembranças que não são aqueles prestigiados
pela ?alta cultura?). Ao problematizar o papel sociocultural das
narrativas biográficas, Micael Herschmann e Carlos Alberto
Messeder Pereira argumentam que esses produtos atendem à
demanda por referências.
A proposição de que a vida dos famosos funciona como
?âncora? ou ?bússola? essencial para construção
identitária não representa, em si mesma, uma novidade
– é possível encontrá-la, apenas para citar
dois exemplos canônicos, em Edgar Morin e Guy Debord. A perspectiva
crítica de Herschmann e Pereira se distancia, porém,
daquela desenvolvida pelos pensadores franceses, na medida em que
atribui ao público papel ativo no consumo das histórias
e dos ídolos ofertados pela mídia.
Na concepção menos monolítica dos pesquisadores
brasileiros, os espectadores não se restringem a absorver
passivamente o ?mito da felicidade? (Morin) ou a ?ideologia da mercadoria?
(Debord) difundidos pelas ?vedetes do espetáculos?. Os significados
associados a esses personagens são, em grande escala, determinados
pelo agenciamento da audiência: ?Assim, o que para muitos
é uma trajetória heróica, para outros apenas
sugere estilos de vida ou abre a possibilidade de contato com o
outro.?
Mais um pressuposto básico (e incomum) norteia esse trabalho:
o de que a vocação expansionista da nova mídia
não conduz – forçosamente – a uma paralisia da memória.
Em seus ensaios, Marialva Barbosa e a dupla Herschmann-Pereira mostram
de que maneira (auto)biografias e celebrações, como
a festa dos 500 anos do Descobrimento do Brasil, podem representar
oportunidades de disputa simbólica, entre diferentes grupos
sociais, pelo enquadramento de uma interpretação do
passado, nas quais a mídia pode constituir-se não
só numa arena, num espaço de visibilidade, como, também,
num locus privilegiado de (re)construção de memórias
locais, nacionais ou mesmo transnacionais.
O tema central da terceira e última parte do livro são
as formas de coletar e compartilhar memórias e de ver e rever
a história propiciadas pelas novas tecnologias da comunicação.
Katia Lerner analisa a experiência da Fundação
Shoah – criada por Steven Spielberg em 1994. Katia Maciel discute
como os aspectos interativos e hipertextuais da arquitetura de informações
contemporânea aumentam as possibilidades de ativar o conhecimento
histórico. ?O ensino e a pesquisa histórica podem
se ampliar ao se apropriar das lógicas interativas mais cotidianas,
como a dos MUDs e videogames, por exemplo?, sugere a autora.
Ao fim da leitura, fica a certeza de que temos em mãos uma
coletânea proveitosa não somente para os estudiosos
das áreas de História e de Comunicação
Social, mas para todos aqueles interessados em reflexões
atentas às nuanças diversas e dubiedades intrigantes
do mundo espetacularizado em que vivemos. * Jornalista, doutor em
Literatura pela PUC-RJ e professor da Escola de Comunicação
da UFRJ”
LÍNGUA PORTUGUESA
“O armazém, a baiúca e a rameira”, copyright Jornal
do Brasil, 20/10/03
“É comum que nos atochem alguma coisa ou que nossa mesa
de trabalho esteja atulhada ou entulhada de papéis. Mas quando
tudo começou?
Os cristãos que viviam em terras da Península Ibérica
ocupadas pelos árabes criaram a palavra atochar, que teve
uma formação curiosa. É verbo que veio da mistura
do árabe aut-taucha com o pré-romano tautia. Nas duas
línguas, estas palavras designavam o esparto, planta medicinal
cujas folhas eram utilizadas no fabrico de cestas, cordas e esteira.
Atochar chegou ao espanhol e ao português ainda no século
16, com o significado de entrar com esforço, empurrar. Em
nossa língua, passou a designar ação de forçar
para que o recipiente venha a receber mais do que deve ou pode.
Assim, você pode atochar de roupas a mala. ?O grande número
de passageiros atochava o trem?, explica o dicionário Houaiss
para que melhor entendamos o significado de atochar.
Primitivamente, porém, significava encher de esparto alguma
coisa, apertando. O atochador era apenas aquele que levava o esparto,
conhecido também por atocha, a seus pontos de consumo. Mas,
às vezes, o recipiente era uma pessoa, indefesa diante de
algum chato. Foi criado, então, o verbo atochar para designar
o que ele fazia. E atochador para diferenciá-lo de quem conversava
sem o propósito de empurrar nada aos ouvintes.
Mas e a mesa atulhada, como parece? Parece uma tulha, palavra de
origem obscura. Designava a arca onde eram guardados os cereais.
Várias fazendas brasileiras preservaram suas tulhas. Entretanto,
o lugar onde os árabes, que ficaram por longos séculos
em terras de Portugal e de Espanha, armazenavam os cereais, era
a matmura, um porão utilizado como silo. Em nossa língua,
masmorra sempre designou outro depósito: o de prisioneiros,
um lugar escuro, lúgubre e sinistro. Para guardar mantimentos
preferimos a tulha e nela não colocamos nenhum prisioneiro.
Do árabe veio também armazém, pronunciado
originalmente almazém, pela formação al-mahazén,
lugar destinado a guardar armas, alimentos, cereais. Utilizado inicialmente
apenas para depósito, podemos imaginar o que houve para que
o armazém viesse a designar o estabelecimento comercial tão
conhecido. Provavelmente, os encarregados de proteger as cargas
ali alocadas foram obrigados a vender parte das mercadorias. O armazém
era um grande edifício, sem repartição nenhuma.
Com as novas funções, foi dividido e dele nasceram
a bodega, a taberna e a baiúca. Na baiúca são
vendidas comidas e bebidas vulgares. Também os freqüentadores
procuram adequar-se à vulgaridade do recinto, seja nos pedidos
que fazem, seja no comportamento. Em Portugal, baiúca é
estaminé, tendo provindo do francês estaminet, onde
designa o café em que se pode fumar, mas não se aplica
somente a bares e armazéns, estendendo-se também a
escritórios e consultórios.
Criados os novos estabelecimentos, surgem as palavras para designá-los.
E seus freqüentadores também recebem novas denominações.
Assim, as tabernas freqüentadas também por prostitutas
traziam na porta um ramo verde, sinal de advertência. E surgiu
a palavra rameira. As rameiras eram as principais responsáveis
por ramos mais crescidinhos, também chamados galhos, com
os quais ornavam as cabeças de outras belas senhoras, rainhas
e princesas do lar, cujos tálamos desejavam. Excluídas
dos lares decentes, praticavam o comércio carnal, vendendo
a maridos, noivos e namorados das outras o prazer.
Vendida e comprada, no varejo e no atacado, um dia a carne envelhece
e morre. No armazém do mundo, a carne é sempre despachada,
mais cedo ou mais tarde. Mas antes, como toda mercadoria, cumpre
seu destino de circular, às vezes ao redor de mesas atulhadas,
sem tempo de ir à baiúca.”
ABRÚCIO JR.
vs. JAPIASSU
“Lições dos deslizes de Japiassu”, copyright Comunique-se
(www.comuniquese.com.br), 17/10/03
“Esta é a história de um admirador que se decepcionou.
Durante anos, li os textos de Moacir Japiassu na revista Imprensa
e em outros veículos onde construiu sua longa e consagrada
carreira. Encantavam-me em especial os artigos da Imprensa, cuja
proposta era muito simples, quase singela, mas extremamente bem
executada. Tratava-se da mesma fórmula que o jornalista aplica
há meses em seu Jornal da Imprença, aqui neste Comunique-se.
Pequenas notas que registram os disparates que nós jornalistas
cometemos e cada vez mais cometeremos, a julgar pela precariedade
em que vivem as redações. Erros de ortografia, de
concordância ou de informação mesmo são
encadeados, com graça e bom-humor bem paraibano (com pitadas
da matrerice mineira), por Japi, como é conhecido pelos mais
próximos.
Eis que chegou o dia, porém, em que o ?considerado? (como
se tratam ele e o seu alter-ego Janistraquis, parceiro de diálogos
sacanas, em boníssimo sentido, com as ?vítimas?) começou
a perder a mão e o tino. Fui, na coluna do dia 9 passado,
uma das vítimas (em péssimo sentido, como veremos)
desta fase de perda do rebolado do até então consideradíssimo.
Mas calma, senhores leitores, não pretendo fazer uma revanche.
Tenho a pretensão de refletir sobre as possíveis lições
que esta má fase da verve do colunista podem trazer – lições
não para ele (a quem, sublinho, não pretendo estigmatizar
ou aconselhar), mas para todos nós jornalistas e, especialmente,
para os que aprendemos a gostar do Comunique-se. Vamos por partes,
como diria Jack (piada velha de redação, chia meu
alter-ego, Chicó, companheiro da infância no Tucuruvi,
periferia de São Paulo. Vai ver que é saudade dos
fechamentos, explico).
I – Sobre críticos, amigos e o respeito a quem faz Jornalismo
Localizo o início das derrapadas do até então
estável piloto do Jornal da Imprença na coluna intitulada
?Paulinho Moreira … Franco?, de 8 de maio. O colunista resolveu
comentar a saída do jornalista da revista Época, onde
era diretor de redação (hoje ocupa o mesmo cargo no
Diário de S.Paulo). Para tanto, utilizou-se de um off de
um (a) ex-editor (a) da revista, demitido (a) em um dos cortes na
redação que Paulinho teve de promover na redação.
Falando com o colunista sobre a prevista mudança do então
diretor da revista para Nova Iorque (onde seria correspondente de
O Globo, o que não se confirmou), o ex-editor (a) comentou:
?Paulinho Moreira Leite é que nem Itamar Franco – quanto
mais longe, melhor?. Japiassu, pela boca de Janistraquis, minimizou
o estrago: ?não vamos perder a piada … nem o amigo?.
O que o colunista não levou em conta foi o clima que vivia
a redação de Época, conturbada pela saída
daquele que grande parte da equipe tinha como um líder. Conversei
com vários jornalistas de lá, amigos que testemunharam
o empenho de Paulo em evitar as demissões e, principalmente,
em fazer a publicação viver a sua melhor fase, centrada
em reportagem, jornalismo investigativo (embora por vezes cometendo
excessos). O espírito de revolta na redação
com a nota de Japiassu era generalizado, mas apenas um dos jornalistas
da revista, Fabrício Marques (então editor) resolveu
criticar o colunista publicamente. ?Toda a redação
de Época é testemunha da tristeza e do desconforto
com que o Paulo Moreira Leite fez o corte na revista, em fevereiro
passado. A frase de sua fonte anônima seria engraçadinha
se não fosse apenas desonesta (…). Também é
ofensiva com os profissionais que ficaram na revista e brigam para
manter seu nível de excelência?, disse Fabrício,
na área de comentários do Comunique-se.
Japiassu respondeu em seguida, também na área de
comentários, afiançando que ?o próprio Paulinho
não concorda com a opinião de seu editor? e considerando
Marques ?despreparado?. Paulo, porém, não postou comentário.
?Peraí?, me cutuca, aqui do lado, meu grilo-falante Chicó.
?A intenção do colunista era apenas relatar uma frase
engraçada e reveladora dos bastidores, do rancor de um ex-editor
dispensado pelo ex-diretor em um dos cortes que a revista teve de
sofrer??. Pode ser. Mas será que a um colunista, mesmo o
titular de um espaço de bem-humorados comentários
sobre tropeços jornalísticos, não caberia avançar
um pouco mais, fazer alguma reflexão sobre o que estava em
jogo na mudança de poder em Época com a saída
de seu amigo Paulo Moreira? Se não coubesse na coluna, que
tal pensar em outra nota? ?Falar é fácil?, retruca
Chicó. Pois é, mas crítico de jornalistas tem
que estar preparado para ser questionado por estes chatos aqui,
né não?
Mas o pior no caso estava por vir, sinalizando um cacoete que (infelizmente)
Japiassu viria a cultivar – o de bater disfarçadamente, na
coluna, em quem o tenha contrariado, sem nada explicar aos leitores.
Na semana seguinte à refrega com Fabrício Marques,
o colunista deu um jeito de insultar o ex-editor de Época.
Tão sutil quanto uma cabeçada do centroavante são-paulino
Luís Fabiano em um zagueiro corintiano, Japiassu, em uma
inocente nota sobre o relato de um jornal goiano sobre uma impressionante
variedade de soja que poderia ?virar calcinha?, tascou: ?Distraído,
pois cuidava da ração do nosso burro Fabrício
[todos os negritos neste artigo são meus, M.A.Jr.], Janistraquis
lamentou (…)?. Meu talismã, Chicó, me contraria
mais uma vez: ?Brincadeirinha. E, de mais a mais, ele foi agredido
pelo Fabrício (o humano), que o chamou de desonesto?. Pois
é, mas foi meio desleal, não? E o leitor, não
precisa saber o que está acontecendo, ou tem que engolir
no pacote uma cotovelada ?de contrabando? como essa? Japiassu já
não tinha respondido ao Fabrício editor no espaço
de comentários? Para que criar o burro Fabrício para
vingança? O colunista gostaria de ser chamado de burro?
?Boa vontade? – A segunda aparição do cacoete adquirido
por Japiassu, o de largar comentários sem dar a menor para
os leitores, aconteceu em junho. Desta vez não se tratava
de atingir nenhum desafeto em específico. Mas o cacoete sofisticou-se.
Acabou sendo um ataque ao trabalho de jornalistas sérios,
com o objetivo de adular amigos. Em uma nota (escondida na coluna
?Historinha de Português?, de 5 de junho) sobre o início
das operações da Rede Mundial, pertencente a José
de Paiva Netto, também dirigente da entidade assistencial
Legião da Boa Vontade (LBV), o colunista alfinetava, sem
grandes explicações: ?justíssima vitória
de Paiva Netto, este homem talentoso, honesto e decente que o mau
jornalismo tentou, em vão, prejudicar?. Poucos entenderam,
mas era uma referência à (extremamente documentada)
série de reportagens de Chico Otávio e Rubens Valente
em O Globo, sobre uma montanha de irregularidades na LBV e o espantoso
patrimônio de Paiva Netto. O leitor do Jornal da Imprença
também ficou sem saber que a tal série ganhou o Prêmio
Esso de Jornalismo.
Os repórteres foram defendidos, no mesmo dia, no espaço
de comentários, pelo jornalista Ricardo Galhardo. ?Desta
vez o considerado, infelizmente, pisou na bola. E pisou feio. Chamar
de ?mau jornalismo? as brilhantes reportagens feitas por Rubens
Valente e Chico Otávio sobre a podridão do império
do sr. Paiva Neto mostra que, no mínimo, você não
leu as matérias. Os textos são irrefutáveis,
tanto que até agora o seu amigo Paiva Neto não conseguiu
dar uma resposta convincente para a série de escândalos
revelados pela dupla de repórteres. A não ser, claro,
por meio de insinuações levianas feitas por certos
coleguinhas que sempre demonstram muita boa vontade para com o tal
?jornalista, escritor e compositor?.
Chicó, meu cri-cri particular, protesta: ?O Galhardo começou
galhardo, tratando o Japi de ?considerado?, mas desafinou, terminando
por chamar o colunista de ?amigo? de Paiva Netto e sublinhando sua
?muita boa vontade? com a LBV. Ninguém agüenta isso
calado?. Pois não foi isso mesmo que Japiassu demonstrou,
ser mais amigo de Paiva Netto do que do bom jornalismo? Ou por acaso
o colunista apresentou alguma evidência da inocência
do capo da LBV?
Tudo bem. Japiassu respondeu, no mesmo fórum de debates,
mas sem explicar muito: ?Desejo esclarecer que de todas as ?versões?
sobre a LBV e seu Presidente José de Paiva Netto, prefiro
a que foi publicada em minha revista ?Jornal dos Jornais?, número
17, de agosto de 2000. Matéria de capa, foi apurada e escrita
por Myltainho Severiano da Silva, um jornalista histórico.
Aproveito para lembrar que ?Jornal dos Jornais? recebeu o Prêmio
Esso de Melhor Contribuição à Imprensa, em
1999?. O colunista só não informava que a tal matéria
do ?Jornal dos Jornais?, além de ser anterior às denúncias
de O Globo, limitava-se a traçar um perfil de Paiva Netto
e do trabalho assistencial da LBV.
Chicó volta a estrilar: ?E você, não tem amigos?
Vai falar mal deles?? Não pretendo questionar a natureza
da amizade de Japiassu pelo comandante da LBV. Creio sinceramente
que ele deve ter uma admiração real pelo trabalho
da entidade e boa impressão de Paiva Netto. Mas, em jornalismo,
as amizades devem servir, no máximo, para nos isentar de
falar jornalisticamente sobre elas. Ainda mais quando não
temos argumentos para tira-las de uma fria. E, principalmente, de
um crítico de imprensa (com ou sem bom-humor), espera-se
pelo menos que respeite e reconheça quem faz bom jornalismo.
II – Sobre colunistas, fórum de debates e senso de proporção
Coincidência ou não, o (bom) repórter Ricardo
Galhardo viria a cruzar novamente o caminho de Japiassu, levando
o colunista a enveredar por outro tipo de barbaridade ética:
a instrumentalização do Jornal da Imprença
para responder a críticas sofridas no espaço de comentários.
Em 25 de setembro, o título da coluna era ?Gugu e a democracia
radical?. Nele, Japiassu discordava da suspensão de uma semana
imposta pela Justiça ao programa do apresentador do SBT e,
de quebra, dava um pitaco sobre a questão do desarmamento
da população. ?Proibe-se quase tudo nessa singular
democracia; (…) até as armas de fogo, única proteção
a que ainda têm acesso os homens de bem?.
Galhardo, usando do direito de comentar reservado a todos os freqüentadores
do Comunique-se, discordou da parte das armas, aproveitando para
relembrar o affair LBV: ?O considerado pisou na bola outra vez.
Depois de defender o Paiva Neto e chamar de mau jornalismo o trabalho
de repórteres brilhantes, o senhor agora reforça o
lobby pró-armas. Lá na minha terra, arma é
coisa de bandido. Ou de polícia. Homens de bem carregam,
no máximo, canivete pica-fumo. Proteção? Que
proteção? Proteção de quem? Só
de for dos fabricantes ou das pessoas que deles recebem algum. No
Congresso está cheio delas. Na imprensa também?.
O ?Troco? – Chicó definitivamente não é fã
do estilo agudo de Galhardo. ?Pô, sacanagem, insinuou que
o Japi recebe ?bola? da Taurus e da Rossi!?. Desta vez, Japiassu
nem deu as caras para responder na área de comentários,
onde o chumbo normalmente é trocado entre colunistas (e quem
concorda com eles) e debatedores discordantes. Olímpico?
Não, o colunista reservava algo ?melhor? para Galhardo. O
Jornal da Imprença da semana seguinte (2 de outubro) recebeu
o título ?Ignorância e Patrulhamento?, tema eleito
para cacetear Galhardo. Apesar de ressalvar não crer que
o repórter ?estivesse a serviço do jornal?, Japiassu,
em sua manifestação (eivada de impropérios
como baixo nível de conhecimentos, estúpido etc) faz
questão de decretar, estabelecendo o vínculo entre
jornalista e veículo: ?Se Ricardo Galhardo se vale de sua
sesquipedal parvoíce, preconceito e cínica má-fé
para também perpetrar reportagens, O Globo está mal
servido em São Paulo?. E completa a desqualificação
profissional do repórter (?um militante?) com: ?A militância,
qualquer que seja, não é, definitivamente, comportamento
de jornalistas?.
?Legal, este Galhardo levou o troco que merecia?, comemora Chicó.
Tenho que concordar em parte com meu pentelhinho de estimação.
Concordo que Galhardo não tinha elementos para insinuar que
Japiassu está a soldo dos fabricantes de armas. Mas a reação
do colunista foi totalmente deslocada, excessiva, caracterizando
desproporção, cheirando a uma covardia estranha a
alguém tão destemido. Por que não responder
no espaço de comentários, sendo igualmente severo?
Do alto da coluna, a humilhação. A decisão
de Japiassu não agradou nem aos que o admiravam e sequer
conheciam Galhardo.
Respeitado ex-editor de Veja, Estadão e Folha, Luciano Martins
Costa era só decepção: ?Não é
correto nem ético usar a coluna para disparar essa carga
de estupidez contra um jornalista correto que, aliás, está
coberto de razão. Equivale a usar uma de suas armas de fogo
contra alguém armado de canivete. Você acaba de tisnar
sua biografia com essa diatribe covarde. Peço que reconsidere,
em nome destes que o admiram há anos. Mesmo que você
não admita, será sempre responsável por aqueles
que cativa. Não nos deixe decepcionados com essa demonstração
irracional de arrogância. Não cabe no seu perfil?.
Outros 22 jornalistas tomaram o mesmo caminho da reprovação.
Entre eles, este que vocês neste momento aturam. Como a maioria,
tentei o único caminho que resta aos que admiram, o respeitoso:
?Já havia discordado do mestre Japi no artigo anterior, que
motivou o comentário do sempre correto Galhardo. Este artigo,
como bem observou o Luciano Martins, é mais um equívoco
de alguém que erra pouco a pontaria (sem trocadilho). (…)
A coisa saiu do curso natural (comentário de fórum
se rebate no fórum). Triste?.
Sem saber, porém, onze dos 23 jornalistas que se solidarizaram
com Galhardo seriam convidados para um baile nada perfumado, onde
o signatário do Jornal da Imprença imporia o ritmo
dos três cacoetes por ele já experimentados anteriormente.
A saber: a instrumentalização da coluna; a desproporção
de utilizá-la para vingar-se de comentários expressos
do fórum de debates, que desagradaram seu titular; e a utilização
de nomes de forma ofensiva, sem que o leitor (empobrecido por quem
muito já o enriqueceu) de nada seja informado.
Os ?onze condenados? – À próxima coluna (9 de outubro),
Japiassu deu o aparentemente inocente título ?Quem fez a
Manchete do Século?? De inocente, porém, o texto não
tinha nada. Como faz muitas vezes, o colunista tomou como abertura
do Jornal da Imprença uma manchete estapafúrdia (?Final
de Semana com quatro mortes fatais?) de um jornal dos chamados rincões
do Brasil (o Correio Central, de Ouro Preto do Oeste, Rondônia).
Mal apresentada a história, o colunista e Janistraquis se
perguntam: ?Quem, num instante de rara inspiração,
teria escrito o título??. Estranho: como títulos,
ao contrário dos textos, nunca são assinados, esta
era uma pergunta que Japiassu jamais havia feito com tanta curiosidade.
A explicação viria em seguida. ?O título é
obra de jornalista culto, considerado; muito culto e bem informado,
como (…) Milton Abrucio Júnior e (…)?, disse, citando
outros dois jornalistas além de mim.
Os impropérios foram distribuídos para os outros
oito jornalistas, disfarçados de elogios – a ?brincadeira?
ginasiana funciona assim: onde se vê ?muito culto?, leia-se
?inculto?, e assim por diante. Sempre com doses de preconceito e
ironias bem distribuídas, de acordo com o que cada um faz
atualmente: assessores de órgãos públicos,
freelancers e editores de veículos com nomes pouco conhecidos
pelo colunista. A dose maior de arrogância sobrou para Evandro
Novelini, do Diário de Mogi (SP), o qual, conforme Janistraquis,
não poderia ter feito o tal título porque o jornal
?não iria permitir que sua maior estrela, profissional de
tamanha nomeada, se ausentasse da redação e fosse
perpetrar um frila lá no cós do Judas?.
Meu assecla Chicó bate na mesma tecla: ?brincadeirinha inocente?.
Mas esta ?brincadeira? tinha um recado bem sério (e pouco
dignificante): ?Quem vocês pensam que são para discordar
publicamente de mim, me colocarem em contradição??.
Chicó duvida: ?Ô meu, você vê maldade em
tudo, não viaja!?. Pois a seqüência de debates
sobre a coluna dos ?onze condenados? mostraria que meus temores
eram fundados – servindo ainda para revelar que o mestre Japiassu
tinha adquirido mais um cacoete, distante da nobreza que ele sempre
exibiu.
III – Pseudônimos, ?fantasmas? e desculpas em farrapos
Os onze jornalistas alvejados naturalmente reagiram (menos o menosprezado
Evandro, que lá em Mogi soube ser superior), alguns indignados,
outros irônicos. Japiassu, embora sem ter perdido a verve
que andou pondo de lado, era encurralado com a questão ética:
pode um colunista tocaiar ao mesmo tempo jornalistas respeitados
e leitores, a quem foi sonegada a mínima informação?
O também colunista de Comunique-se José Paulo Lanyi
protestou. O site também, à sua maneira: um par de
horas depois que a coluna aportou na ?home? e quando recolhera apenas
meia dúzia de comentários (todos de apoio a Japiassu)
ela é retirada, ficando escondida nas ?internas?. Em nota
posterior, o Comunique-se se lamentava: ?a função
das colunas é trazer informação relevante aos
seus leitores, como forma de agregar conhecimento a todos (…)
a mesma não deve, ou não deveria, ser usada para ataques
pessoais?.
Na autópsia da vendeta, todos os fantasmas dos cacoetes
anteriores vão surgindo: LBV, Paulo Moreira Leite, a humilhação
de Galhardo etc. ?Pô, deixaram o ?considerado? sozinho neste
ringue, que covardia?, protesta o sempre do contra Chicó.
Covardia? É bom não tocar neste assunto, que maus
dias não desfazem a obra de uma vida. Mas, sem que o distinto
público soubesse, Japiassu não estava tão sozinho
assim. Há um bom tempo, como um ?herculóide?, o mestre
fazia-se multiplicar.
Além da esposa, jornalista Márcia Lobo, o colunista
tinha ao seu lado, embora tivesse batido nos jornalistas investigativos
tupiniquins de O Globo e do caso LBV, ninguém menos do que
o mister Watergate ?Bob Woodward?. De repente, surge outro apoio
de peso, este bem brazuca: Severino Cardial da Silva. E ele exibe
convicção: ?Realmente, nada há que possa ser
caracterizado como ataque covarde ou atentado à honra de
alguém. Parece-me uma grande gozação, somente
isso. Também não sei por que este artigo e os anteriores
devam manchar a reputação ou a biografia do considerado,
que tem uma longa história na imprensa?, proclamou ?Severino?.
Sim, com aspas, porque as armadilhas da tecnologia acabaram revelando
que ?Severino? era mais uma faceta de Japiassu, já criador
do (bem mais honesto e assumido, no bom sentido) Janistraquis.
Vida Severina – No meio da batalha, ao receber novo fogo, Japiassu
resolveu rebater, esquecendo-se que ?navegava? com sua ?porção?
Severino. ?E se na coluna eu ?ressuscitasse? o TROFÉU ALAZÃO
DE OURO (tá lembrado?) e o atribuísse a você??,
me ameaçou Japiassu… assinado ?Severino Cardial da Silva?.
Percebendo que seria descoberto e que, se não corresse, poderia
acabar ganhando o aludido troféu, em novo post, Severino
falou, Severino avisou: ?Resolvi acabar com o pseudônimo do
qual me vali nos últimos meses para poder ler em razoável
paz deste portal. Assim, abro mão de tal recurso; é
preferível. E garanto que não criarei outro. Ass.
Moacir Japiassu?. A justificativa para a criação do
pseudônimo, porém (?poder ler o site em paz?) não
correspondia à realidade.
No debate com Ricardo Galhardo, na área de comentários
sob a coluna sobre Gugu (e as armas), Japiassu não apareceu
em sua personalidade principal. Mas o ?Severino? estava lá.
O pronunciamento ?em terceira pessoa? do colunista é antológico,
de matar de inveja o Pelé (e o Edson): ?Japiassu está
certo em reagir. Quem somos nós para julgar o grau de indignação
do colunista??, defendeu ?Severino?. O primeiro registro que se
tem da aparição de ?Severino? foi no caso LBV, já
tentando disfarçar ser um clone. ?Não tenho procuração
do considerado Japi nem do Paiva Netto para falar em favor de nenhum
dos dois?, garantia, modesto, o ?fantasma?.
Malabarismo verbal – Na coluna seguinte, ?Sementes da fauna?, veiculada
ontem, Japiassu (alvíssaras!) voltava à velha forma
em boa parte da coluna, com casos hilários como o de um repórter
do Estadão que narrou a distribuição de ?sementes
de árvores da fauna brasileira?. No final, porém,
achou que devia uma explicação sobre o flagrante em
?Severino?. Todavia, o colunista parecia estar se candidatando a
trabalhar com Orlando Orfei, na vaga de malabarista (verbal). Embora
devamos à distração de Japiassu, em meio aos
desvãos do teclado, a revelação de que ele
era ?Severino?, o colunista atribui a confissão a seu ?excelente
arbítrio?.
O colunista-contorcionista lembra ainda que a história do
jornalismo (e também da literatura) brasileiro ?é
plena de pseudônimos? – fingindo não distinguir um
recurso estilístico da ?fabricação? de apoios
e da proteção para ataques proporcionada pelo anonimato.
Lança também a hipótese (totalmente furada)
de que o uso de pseudônimos seria a explicação
para o fato de ?grandes estrelas das redações de hoje
não aparecem nos comentários do Comunique-se nem na
lista do comunicador?. Esquece-se que é possível tanto
navegar sem aparecer no comunicador (como ele mesmo já fez)
como, obviamente, se abster de comentários. Mas o pior (para
o Comunique-se e para todos) vem no final: ?Acreditem: o pseudônimo
ainda não está proibido no Brasil. E, muito menos
neste portal?.
Não é o que se depreendia das várias mensagens
já postadas no espaço de comentários pela direção
do Comunique-se, advertindo que esta prática estava sendo
coibida – embora o site ressalvasse ter dificuldades técnicas
para impedir os ?nicks?. Hoje (sexta, 17 de outubro), em nova mensagem
?Da Redação Comunique-se?, o site volta a deixar clara
a sua posição (contestada por seu colunista): ?Caros
usuários, Em virtude do rumo que tomou a discussão
neste fórum, a direção do Comunique-se decidiu
remover todas as mensagens ofensivas e que contenham palavras de
baixo calão. Nossa equipe de Mailing também já
está verificando os cadastros de todos os nomes que são
suspeitos de se tratarem de pseudônimos, sem exceção.
Quem utilizar pseudônimos será descadastrado deste
portal?.Os usuários honestos agradecem – mas fica a dúvida:
se a medida for retroativa, o colunista (usuário confesso
do ?Severino?) será também descadastrado?
O importante, porém, é que tanto o cacoete dos pseudônimos,
quanto o de transferir debates abertos no espaço de comentários
para o compartimento das colunas, trazem importantes lições.
Lições estas a serem seguidas para que não
se estrague o inovador espaço democrático criado pelo
Comunique-se com sua área livre para comentários.
São elas: aos colunistas, sangue frio para lidar com os mais
agudos (entre os quais, às vezes me incluo) e humildade para
descer ao ?chão? dos espaços ?amarelinhos?. Ou então,
como fazem alguns neste site, que adotem o estilo olímpico
de uma vez. Aos humildes debatedores, que ajam mesmo com humildade
e cortesia (mais uma vez, em alguns casos a carapuça me serve)
e pensem que o que disserem levará junto seus nomes — como
já disse Japiassu, em artigo de fevereiro, quando exercia
plenamente sua maestria. Senão, só sobrarão
os ?Severinos?, ?Bob Woodwards? e outros menos criativos.
PS: Gostaria finalmente de me dirigir pessoalmente ao colunista
(e colega, se me permite) Moacir Japiassu: Não veja neste
arrazoado pretensioso nenhuma condenação de sua brilhante
trajetória. Quero, sinceramente, que você continue
sendo um mestre do bom-humor e da verve. Pode começar considerando
que o Chicó é muito mais inteligente do que este jornalista.
Sua criação é uma tentativa de homenagem ao
Janistraquis. Aproveito para me desculpar com o (ainda) considerado
pelos excessos que cometi durante o debate que travamos. Especialmente
os que denotam reprováveis manifestações de
preconceito contra ?cabelos brancos?. Tenho pouquíssimos
fios de cabelo, mas espero que, mesmo quando não mais os
tiver, o seu humor continue jovem.
(*) Jornalista e escreve aqui nesta condição. Foi
repórter da Folha de S.Paulo, Jornal da Tarde e Jornal do
Brasil, subeditor das revistas Veja, Istoé e Época
e editor-sênior das revistas Quatro Rodas e Placar. Há
três anos, trabalha em Comunicação Corporativa.”