A imprensa do mundo todo repercutiu a imponência das solenidades de abertura e encerramento das Olimpíadas de Pequim. A cobertura dos jogos, o vaivém descontraído dos atletas, o sorriso e o choro com o perde-e-ganha das medalhas, a confraternização entre os povos e tantas outras atrações. Nada conseguiu ofuscar o brilho da festa. Nem mesmo a tentação autoritária ainda reinante na China – uma herança do Estado totalitário da era Mao Tsé-tung.
Além das cenas esportivas, a televisão transmitiu também belas imagens do país e quem se interessou teve respostas às indagações sobre a política e a economia chinesas. Aos olhos mais atentos não escaparam o resultado das mudanças iniciadas por Deng Xiaoping (sucessor de Mao) a partir de 1978, reformas que estão a transformar a China numa referência mundial, considerada hoje pelos especialistas a quarta maior economia do planeta.
Velhos clichês
O professor Jiang Shixue, um dos estudiosos da política chinesa, revelou em entrevista à revista Veja (edição nº 2015, pág. 11) que existe atualmente naquele país uma ‘economia de mercado socialista’, que vai levar a grande nação asiática a conseguir seu espaço entre as grandes potências mundiais. Confiante, ele diz acreditar que em dez anos a economia estará maior. ‘Vamos melhorar nossa tecnologia, construir satélites. O país será mais competitivo e terá um melhor posicionamento internacional. Vamos estar mais próximos das nossas metas de sociedade harmônica. A qualidade de vida dos chineses vai subir.’ Os argumentos de Shixue estão em grande parte formulados em outras análises políticas, entre elas a de Fareed Zakaria (Época edição nº 535, de 18/8/2008, pág. 83), colunista e editor-chefe da edição internacional da revista Newsweek.
Para ele, a China é um país complexo, onde convivem um sistema político fechado e uma economia aberta. Fato que, em sua opinião, em nada influenciou a sociedade de ser cada vez mais vibrante. Zakaria vai além e afirma que a China é uma nação em franco desenvolvimento militar, embora ainda não seja páreo para competir com o poder bélico dos Estados Unidos. Ele refuta a vociferação dos críticos que comparam a China de hoje à China de antigamente, e diz que esses velhos clichês são um ‘sinal de ignorância ou de enviesamento ideológico’.
Previsões fazem sentido
O jornalista David Lague, na mesma linha de raciocínio, escreveu um artigo em 2006, publicado no Herald Tribune (1/2/2006), no qual chamou a atenção para o crescimento da economia e do armamento chineses. De acordo com ele, há uma clara pretensão daquele país de construir uma força militar com a compra de porta-aviões. Essa, diz o jornalista, é a grande preocupação do mundo ocidental, que se mantém curioso quanto à possibilidade de a marinha chinesa ter uma dessas caras máquinas de guerra. O principal obstáculo a tal ambição, continua Lague, é que porta-aviões são muito caros, razão pela qual muita gente aposta que vai demorar alguns anos para isso se concretizar. Mas o articulista afirma que mais cedo ou mais tarde isso vai acontecer, até para a China manter as rotas marítimas abertas em caso de um eventual conflito internacional.
O surgimento da China como potência econômica e bélica traz de volta a expectativa de novas relações de forças no mundo. Relações que foram ameaçadas com a expansão do poderio norte-americano depois do desmanche da União Soviética, em 1990. Com o despertar do gigante asiático, as previsões do historiador inglês Eric Hobsbawm (Tempos Interessantes: uma vida no século XX, 2002, p. 455) começam a fazer sentido. De acordo com ele, ‘são poucas as chances de os Estados Unidos se manterem como único império mundial por muito tempo’…
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Jornalista, Salvador, BA