COLUNISMO POLÍTICO
Marco Antonio Franzmann Schuster (*)
[Publicado originalmente na edição n? 21 (agosto de 2003) da revista Famecos ? mídia, cultura e tecnologia, do Programa de Pós-Graduação em Comunicação Social da PUC-RS; e-mail: <edipucrs@pucrs.br>]
A importância do colunismo no jornalismo atual é claramente perceptível pela sua presença na maioria dos jornais [em 2003, apenas um dos cinco diários de Porto Alegre não tem um colunista político] ? e muitas vezes, mais de um ? e também pelas constantes correspondências enviadas por líderes sociais e políticos ou leitores comuns. Além disso, a principal característica é seu estilo em tópicos. A reconstrução, mesmo que resumidamente, do processo histórico do colunismo político gaúcho ajuda a entender como ele conquistou esta importância.
O colunismo é conseqüência das mudanças ocorridas no jornalismo a partir do século 19, quando as folhas identificadas com grupos políticos, literários, sociais ou econômicos perdiam espaço para as publicações autoproclamadas independentes. Para Murilo Ramos (2002), esta nova imprensa surge com a Revolução Industrial e se caracterizaria "por sua base comercial, a fazer da publicidade a sustentação aparente da liberdade política de suas páginas editoriais" (Ramos, 2002, p. 248), este o único espaço em que o jornal abandonaria "sua objetividade declarada para manifestar claramente opiniões sobre a política e a vida em geral" (Ramos, 2002, p. 248). O jornal tornou-se uma "folha anônima", classifica Fraser Bond (1959), mas o leitor precisa identificar-se com alguém, e as colunas assinadas preencheriam esta necessidade. Por isso, já em 1872, o jornal The Republican, de Springfield, apresenta colunas de opinião, para contentar estes leitores (Bond, 1959).
Essa mudança no jornalismo foi internacional, e em Porto Alegre o Correio do Povo, fundado em 1895, é o exemplo mais antigo ainda circulando de "jornal independente", contrapondo-se a A Federação, jornal do Partido Republicano Rio-Grandense. Era o início do que Rüdiger (1993) chamou de jornal noticioso. Mas foi O Diário, que circulou em Porto Alegre entre 1911 e 1917, que apresentou os primeiros esboços de colunismo. Os estilos de espaços como Porto Alegre Elegante, sobre moda, publicada diariamente em 1911, e Vida Social, em 1917, precursora da coluna social, assemelham-se à crônica ou à narrativa, raramente assinados.
Nas décadas seguintes, os jornais de Porto Alegre (este o universo da pesquisa) adotaram colunas em suas editorias: moda, turfe, cultura, noticiário geral, esportes. O colunismo político surgiu nos anos 1950. Evidentemente, vamos encontrar com freqüência textos de militantes políticos defendendo suas idéias e criticando os adversários, mas não se caracterizam como análises de observadores eqüidistantes dos acontecimentos.
A primeira experiência iniciou-se em agosto de 1952, no standard Diário de Notícias, assinada por "Spectator", codinome não de um indivíduo, mas de toda a redação. O nome era Conta-Gotas, tinha 4,5cm de largura por 15cm de altura e era composta por três textos curtos, separados por três pontos, sem análise, nem opinião: apenas informações sobre a Assembléia Legislativa. Sem periodicidade fixa, não voltou a ser publicada após o incêndio de 24 de agosto de 1954, que deixou o Diário de Notícias sem circular até 6 de março de 1955.
Nacionalmente, também nesta época surgiram os primeiros colunistas políticos: Carlos Castello Branco (Jornal do Brasil), Rafael de Oliveira (Correio da Manhã), Murilo Mello Filho (revista Manchete), todos do Rio de janeiro. Tanto Carlos Bastos, colunista político do Jornal do Comércio, quanto o ex-presidente da ARI (Associação Rio-Grandense de Imprensa) Alberto André, creditam à censura do Estado Novo (1930-1945) o fato de não haver colunismo político antes no país: "A coluna política depende da liberdade de imprensa", diz Alberto André. Uma diferença importante já se notava: os analistas nacionais tendiam a trabalhar um único tema, texto longo; os colunistas gaúchos, se verá, optaram por textos curtos, abordando mais de um tema por coluna.
Sem taquigrafia
Quando voltou a circular, o Diário de Notícias encontrou em A Hora um novo concorrente, que tinha apresentado inovações na imprensa gaúcha, como diagramação, uso de cores e muitos colunistas (Schirmer, 2001). Mesmo assim, não tinha um colunista especificamente para a política gaúcha. Em 23 de julho de 1957, Wilson Müller, no Diário de Notícias, lançou a coluna E a taquigrafia não registrou.
O nome é revelador da intenção de publicar o que estava fora dos anais, indo além das notas taquigráficas da Assembléia e esporádicas entrevistas, como era o costume do noticiário político. Durou um ano. Em setembro de 1959, Müller (neste intervalo, assinou matérias e artigos sobre a política gaúcha) estreou a coluna Raios X (em seguida mudou para Raio X), que pode ser considerada o seguro ponto de partida do colunismo político gaúcho.
O tamanho mostra que o colunismo crescia de importância no jornalismo: 11,5cm de largura por 15cm de altura, tópicos curtos, informativos, não analíticos, sem títulos, intercalados apenas por sinais gráficos como letras (xxx) ou traços verticais. As fontes dos textos variam entre normal, negrito, e itálico. Nos exemplos abaixo estão algumas características permanentes das colunas em tópicos: informações de bastidores, agendamento e auto-referência:
"Está breve nova luta entre Perachi e o PL: pelo comando da campanha Jânio aqui no Estado. Os libertadores pretendem para seu partido a chefia do movimento janista enquanto Perachi se apresenta, pessoalmente, como maior líder político gaúcho, fora do PTB". (1? de outubro de 1959)
"A alta direção trabalhista está tentando trazer para a harmonia partidária os dissidentes dos últimos pleitos municipais, especialmente em Rio Grande, Santa Maria, Cruz Alta, Passo Fundo. Inúmeros rebelados voltaram ao aprisco…". (Müller, 24 de março de 1960).
"Como noticiei em primeira mão, Neves da Fontoura chegará esta semana a Porto Alegre para recepcionar Walter Jobim na Academia Sul-Rio-Grandense de Letras" (Müller, 21 de março de 1962).
Foi o editor-chefe do jornal, Ernesto Correa, quem propôs mudanças na cobertura política e sugeriu uma coluna: "Era muita informação. Eu vivia dentro da Assembléia e conseguia informações além das discussões em plenário", recorda Müller (1999). Era preciso encontrar um espaço para estas informações e superar o Correio do Povo, que, com seu repórter-funcionário da Assembléia conseguia alguns "furos". Ernesto Correa disse a Müller: "Quanto mais notícias fora do jornal, melhor" (Müller, 1999). Isto é, noticiar o que acontecia na política além das manifestações oficiais, como "viagens de deputados, visitas de prefeitos ao governo e a deputados, projetos, conjecturas, negociações de bastidores", relata Müller.
Também fundador do colunismo político, Jayme Keunecke, com o codinome Jotaká, iniciou sua Ponto Morto, no Diário de Notícias, em 1? de julho de 1961. Eram 14 tópicos, ocupando mais espaço que Raio X. O primeiro tópico informa:
"O sr. Marino Job Abrão, líder ?renovador? do 4? Distrito, entregou ontem ao comando central do movimento 2 mil assinaturas como contribuição do Bairro-cidade à transformação do MTR em partido político".
Tornou-se uma das colunas mais bem-informadas e importantes do jornalismo gaúcho, sendo reproduzida pelo jornal A Razão de Santa Maria, numa época em que a imprensa do interior do Estado tinha mais repercussão que atualmente. Wilson Müller passou a assinar outro espaço, chamado Apenas Três, três tópicos na página de editoriais do Diário de Notícias.
Na metade dos anos 60, todos os jornais de Porto Alegre, como exceção do Correio do Povo, tinham pelo menos um colunista político.
Para Luiz Amaral (1978), o sucesso desta "invenção norte-americana" no Brasil, entre outros motivos, deve-se ao "personalismo do brasileiro", e ao "ritmo trepidante" do país, que permitiria pouco tempo para a leitura:
"A coluna não é o resumo dos principais acontecimentos do dia, mas a ?explicação íntima desses fatos, o dado que faltou ao grande noticiário e que não chegou ao conhecimento do público, o lado pitoresco do acontecimento, o detalhe curioso, a história particular de cada decisão?. O colunista concorre com o repórter, o comentarista e o redator. Do primeiro, há que ter o gosto do furo, da notícia em primeira mão; do segundo, a sagacidade, a agudeza de espírito, a perspicácia, a finura; do terceiro, a prosa ágil e leve, a capacidade de dizer o máximo com o mínimo de palavras. E a tudo isso somar o bom-humor constante e a originalidade, a fim de tornar sua coluna um lugar sempre atraente". (Amaral, 1978, p. 156).
Dizer o máximo com o mínimo de palavras é uma norma seguida à risca no colunismo político gaúcho. O estilo de notas curtas, inaugurado por Spectator no Diário de Notícias, seguido por Wilson Müller e Jotaká, tornou-se majoritário. "Uma coluna em tópicos é mais fácil de ler", acredita Jotaká (2001) É um espaço privilegiado:
"Os políticos gostavam de sair na coluna. Me chamavam no gabinete para dar informação. Muitas vezes, passavam informação, mas diziam ?não cita meu nome, mas vai acontecer tal coisa. Põe o meu nome em outro assunto? Assim vinha muita informação. Muitos perguntavam, brincando, ?o que houve? Não saí na coluna hoje?". (Jayme Keunecke, 2001).
Outra característica iniciada nos anos 50 é a da informação exclusiva: "Muitas vezes, a coluna pautava o jornal. Porque eu noticiava que Fulano seria candidato e no dia seguinte a redação iria entrevistá-lo, para confirmar ou desmentir" (Müller, 1999). Além de pauteira, a coluna política passou a ser vista também como um espaço para balões de ensaio, dos quais Müller teve que aprender a desvencilhar-se rapidamente: "Então, tinha que cuidar, verificar se era verdadeira a notícia ou não. Aprendi a ser honesto jornalisticamente".
Também é da época de Müller a posição oficial apartidária dos colunistas: "Eu não emitia a minha opinião. Ernesto Correa me dizia: ?A coluna não é tua, é do jornal. Não podes emitir conceitos pessoais?" (Müller, 1999). Jayme Keunecke concorda: "A liberdade de opinião não existe. No regime capitalista a liberdade termina aonde começa o interesse do patrão, no regime comunista, termina aonde começa o interesse do Estado". Mas sempre há uma maneira de negociar e buscar passar a informação, relata:
"Há uma tolerância, em 90% dos casos, o jornalista consegue dar a sua opinião. No Diário de Notícias, durante muito tempo o Chateaubriand proibiu publicar os nomes de Paulo Brossard e de Cândido Norberto. O que eu fiz? Passei a utilizar Paulo Pinto, que ele é Paulo Brossard de Souza Pinto, e Cândido Santos, que é Cândido Norberto dos Santos". (Jayme Keunecke, 2001).
Consolidação
Ao contrário do Estado Novo, o regime militar de 1964, mesmo com a censura prévia, não impediu a existência do colunismo político. Algumas marcaram época no jornalismo brasileiro ? como Castello Branco ? e gaúcho, como a de Hilário Honório, na Folha da Tarde, por motivos diferentes. Em 17 de maio 1962, o jornalista Adil Borges Fortes da Silva iniciou, sob o pseudônimo de Hilário Honório, no jornal Folha da Tarde, a publicação de uma coluna com informações sobre política chamada Folha em Tópicos.
Foram 22 anos de um espaço de críticas às idéias trabalhistas e da esquerda e em defesa do regime militar. Pouco tempo depois do início, a coluna passou a ter no cabeçalho a imagem de um cão, irônica referência ao governador Leonel Brizola (1959-1962), que anunciara ter "perdigueiros" no jornal que lhe revelaram a verdadeira identidade de Hilário Honório. Os tópicos eram sem títulos, mas ele utilizava alguns bordões ("Dizem por aí…", "neste comenos", "entrementes") que marcaram seu texto e serviam como divisor de assuntos a cada novo parágrafo.
Hilário Honório teve dois precursores na Folha da Tarde. Um foi Roberto Eduardo Xavier, com Mosaicos pelo Bodoque, tópicos tratando de temas além da política; e João Bergmann, que assinava JÓTABÊ na coluna De ontem para hoje, analisando o noticiário de jornal, principalmente político.
O nome Hilário Honório é a conjunção de uma lembrança de infância ? da revolução de 1923, quando viu Honório Lemes subir a cavalo a escadaria da igreja de sua cidade ? com a sugestão de um colega de redação: "Devias usar o nome Hilário". A opção por tópicos teve influência dos leitores: "Quando eu escrevia coisa muito grande o pessoal reclamava". (Honório, 1999).
O regime militar ajudou a constituir o posicionamento político conservador da maioria dos colunistas gaúchos. Ou por não crerem na liberdade de opinião, como afirmam Müller e Jayme Keunecke, ou por se identificarem com idéias do poder, como Hilário Honório ("A coluna tinha fama de ser a favor da revolução, não é que fosse a favor da revolução. Eu precisava de informações, então, me liguei ao Exército". "Bem, fiquei sempre na minha posição de anticomunista, até que mudou tudo com a queda do Muro de Berlim, os comunistas não comiam criancinhas, era mentira"), eles acabaram por veicular notícias sempre críticas à esquerda. As exceções duraram pouco, como Flávio Tavares, que teve uma coluna de tópicos, chamada Na Hora H, de política nacional, no diário Última Hora.
A história de Última Hora, o primeiro jornal gaúcho obrigado a encerrar a circulação em força do golpe militar, está em Golpe mata jornal, de Jefferson Barros. Seu sucessor, Zero Hora, teve suas primeiras colunas políticas em 1966, Carlos Coelho e Jotaká, ambas de textos curtos, e a de Carlos Fehlberg, raro exemplo de colunismo de um tema só. Posteriormente, J.C. Terlera, jornalista funcionário da Assembléia Legislativa, tornou-se, concomitantemente, colunista político do jornal. [O duplo emprego era comum. Wilson Müller obteve emprego público, JK trabalhou com publicidade, Hilário Honório trabalhou na Prefeitura antes de se dedicar exclusivamente ao jornalismo.]
Experiência acumulada
Fehlbergh tinha experiência anterior no Jornal do Dia, matutino fundado em 25 de janeiro de 1947 pela Associação Católica de Difusão Cultural, que saudou o golpe de 1964 e fechou em 19 de setembro de 1966.
Em março de 1964, o jornal criou um novo espaço em seu noticiário político, intitulado Política Estadual, utilizando aproximadamente 1/3 vertical da página e apresentando diagramação diferenciada do resto do jornal. A matéria maior, que é a da chamada de capa do jornal, noticiava uma reunião do governador do Rio Grande do Sul, Ildo Meneghetti, do PSD, com outros governadores de oposição ao presidente da República, João Goulart. Abaixo, havia outras duas seções: Informe Especial e Destaques Políticos, cada uma delas com pequenas notícias e informações exclusivas. Além disso, mais três tópicos: Bastidores, De Primeira e Confidencialmente. Não houve coluna entre os dias 1? e 6 de abril de 1964 e no dia 19 passou a se chamar "Carlos Fehlberg informa sobre Política Estadual. Esta estrutura apresentava inovações no colunismo político, como seções e tópicos (ainda que não fossem todos) com títulos específicos.
Até o fim do jornal, quando já era um tablóide, Fehlberg manteve o estilo de um texto longo acompanhado de vários textos curtos, alguns titulados. Na última fase do Jornal do Dia, Carlos Fehlberg era responsável por toda página 4 do jornal.
Sua coluna na Zero Hora chamava-se Show da Política, ocupava uma área equivalente a 1/3 da página 6 e estava abaixo da charge diária de Ivan Jorge. Foi experiência de colunismo político gaúcho monotemático que durou pouco: em 15 de dezembro de 1966, mudou de nome para Informe Político e, embora tendo tratamento gráfico único, era composta de vários assuntos, separados por intertítulos. Em 1968, Fehlberg foi trabalhar como assessor de imprensa do governo Médici e retornou em 74, quando optou por fazer uma coluna abordando um assunto por dia.
Dois outros exemplos do colunismo político monotemático são femininos e datados dos anos 90. O primeiro foi Ana Amélia Lemos, a partir de 1993 (sua coluna anterior, desde 1979, era em tópicos), analisando a política nacional, com destaque para a bancada de deputados federais gaúcha.
O segundo exemplo iniciou em 1998, com Rosane Oliveira, editora de política de Zero Hora. Não tem página fixa e o espaço é variável, ocupando em média o equivalente a 15cm x 18cm.
Tópicos e profundidade
Os colunistas acreditam que a utilização de tópicos aumenta o índice de leitura e não prejudica a profundidade, pois "pode-se dividir um assunto e tratá-lo a fundo em vários tópicos" (Jayme Keunecke, 2001). Para o pesquisador José Luiz Braga (1999), a utilização de tópicos pode definir um estilo de texto e de abordagem: "As notas, talvez não no teor específico de cada uma, mas no conjunto, saltando de um tema para outro sem aprofundar, parecem estruturalmente condenadas a merecer esta caracterização como fofocas" (Braga, 1999). Porém, são bem mais sérias, conclui no artigo "Varejo", no qual avalia as colunas Painel, da Folha de S. Paulo, e Informe JB, do Jornal do Brasil.
Estes espaços têm duas diferenças com o colunismo político monotemático praticado nos principais jornais brasileiros: autoria e tópicos. Painel sequer tem autor identificado, e no Informe JB, embora haja identificação de autor, "não se percebe nítidas marcas de individualidade" (Braga, 1999) quando a coluna troca de autor. O histórico do colunismo porto-alegrense mostra que a troca de colunista num jornal implica a troca do nome da coluna, individualizando o espaço.
Mais que fofocas, as colunas em tópicos observadas por Braga constroem "um processo político", identificável a partir das algumas questões que permitem abordagem operacional dos textos. O trabalho de Braga chega a conclusões úteis para a análise do colunismo político gaúcho. Semelhante no estilo de tópicos, as colunas gaúchas são diferentes quanto à autoria. Mas têm muitas outras identidades com Painel e Informe JB.
Uma delas é que "o evento ou fala são tornados públicos pelo simples fato de estarem em letra impressa no jornal" (Braga, 1999), assim como acontecimentos secundários, por serem curiosos, são destacados. Afirmações, provocações, críticas são reproduzidas e as respostas às falas têm igual espaço.
A opção por tópicos obriga a utilização de frases curtas e economia de adjetivos, concentrando informações em verbos e substantivos. "É como se o pequeno fato se desse por si, quase sem intervenção do jornalista, que teria sido mera testemunha quase invisível da coisa ocorrida e colhida sem sua intervenção de repórter" (Braga, 1999). Os títulos dos tópicos também são elementos de características importantes na construção do "processo político". "Eles aparecem quase sempre como um direcionamento prévio do olhar" (Braga, 1999), e acabam por dirigir a leitura, por menor que seja o tópico. Para realizar este pré-direcionamento, dentro da necessidade de textos curtos, são utilizados diversos recursos de linguagem de fácil assimilação: bordões, frases feitas, clichês, trocadilhos, ditos populares.
Pode servir também como balão de ensaio. O estilo de tópicos exige que "o leitor seja alguém mais ou menos a par ?do que está acontecendo?, do que está em cena na realidade político-social e na Imprensa". O que significa que as colunas apresentam uma relação estreita com o noticiário. Muitas vezes, como pauta, como Wilson Müller já descobrira nos anos 50 no jornalismo gaúcho.
O trabalho de Braga sistematiza, através da análise de duas colunas de tópicos de dois jornais, características encontradas nas colunas políticas de tópicos do jornalismo gaúcho, inclusive a Página 10, de José Barrionuevo, que não só seguiu uma tradição, de estilo e de opiniões pró-hegemônicas, como o aprofundou. Todo o conjunto ? textos curtos, ironia, títulos direcionados, "leveza", potencialidade de interação ? permite também uma construção do leitor, "como alguém que reúne um certo padrão pelo menos básico de conhecimento dos fatos ?da atualidade?, e de interesse (ainda que disperso) pela factualidade da política ? ou seja, que dá ao menos tanta importância aos eventos quanto às ?grandes proposições?". (Braga, 1999).
Página 10
A atual coluna política do principal jornal gaúcho, Página 10, de Zero Hora, acumula as principais características das colunas políticas dos jornais porto-alegrenses: em tópicos, uma página inteira (como teve Fehlberg no Jornal do Dia), uso de fotos, ilustrações, ironia, informação de bastidores, balões de ensaio. É também resultado do aprendizado profissional de seu signatário, José Barrionuevo.
Seu primeiro trabalho foi na Rádio Erechim, sua cidade natal. Em Porto Alegre, começou a fazer cobertura política em 1974, na Folha da Tarde. Da mesma Companhia Jornalística Caldas Júnior, também trabalhou no Correio do Povo e na Rádio e TV Guaíba. Foi chefe do gabinete de imprensa da Assembléia Legislativa e editor da revista Parlamento. Sua estréia como colunista político foi no período em que os jornais da Caldas Junior não estavam circulando.
Entre 4 e 17 de março de 1985, o Grupo Editorial Sinos, como sede em Novo Hamburgo, manteve um diário que teve 12 edições, chamado O Estado do Rio Grande, tablóide, com 41cm de altura por 19cm de largura. A coluna se chamava José Barrionuevo e ocupava meia página vertical.
Foram seis tópicos na estréia, todos titulados, e uma foto. São poucos, se comparados com a quantidade utilizada posteriormente no Correio do Povo e na Zero Hora. Nas 12 colunas deste período (o jornal não circulava aos sábados), a do dia 10 de março foi a com maior número de tópicos, 10, e a do dia 17, a última, com maior número de fotos, 4. Este período foi, na prática, o laboratório de Barrionuevo para formatar seu estilo jornalístico.
Quando o Correio do Povo voltou a circular diariamente, em 31 de agosto de 1986, José Barrionuevo era o editor de Política. O jornal publicava a Coluna do Castello ? reprodução da coluna que Carlos Castello Branco distribuía a diversos jornais do país ? e Panorama Geral ? um espaço sem assinatura, com pequenas notas sobre política gaúcha. Aos domingos, José Barrionuevo ocupava o espaço da Coluna do Castello, no mesmo estilo, abordando um único tema. No dia 7 de abril de 1987 ele passou a assinar o espaço Panorama Geral, mantendo as informações por tópicos.
Esta coluna tinha 31cm de largura por 11cm de altura, uma área menor que a da coluna do Estado do Rio Grande, nove tópicos titulados e outros cinco sem título no espaço Apartes. Era ilustrada por uma foto e uma charge. O texto estava mais direto e mais conciso que no Estado. O primeiro tópico abre com a frase "indecisão do governador" e revela desentendimentos internos no PMDB, que governava o estado com Pedro Simon.
Em 26 de maio de 1987, o Correio do Povo tornou-se tablóide, reduziu o número de páginas para 20 e o tamanho dos textos, o preço e alterou a distribuição. No rodapé da página 2, a coluna Panorama Geral mudou o nome para José Barrionuevo, com diagramação e tamanho que manteve até a sua saída do jornal. A partir de 19 de dezembro de 1992, passou a chamar-se Panorama Político, assinada por Vítor Moraes. Meses depois, Armando Burd substituiu Moraes, e, em julho de 1999, a coluna foi para a página 4.
O principal concorrente de José Barrionuevo era J.C. Terlera, com a coluna Bastidores, na Zero Hora.
Nos anos 90, a RBS decidiu modificar a Zero Hora. Substituiu Carlos Fehlberg, diretor de redação, por Augusto Nunes, que promoveu modificações, entre elas, a contratação de José Barrionuevo, anunciada em dezembro de 1992.
A Página 10 é a formatação destas histórias. Zero Hora destacou o novo espaço, ao lançá-lo numa edição dominical ? 24 de janeiro de 1993 ? com chamada de capa. Eram 12 tópicos com títulos, outros 12 sob o título geral Mirante ? uma seção da página ?, uma foto e uma ilustração.
O tópico Nomeações, que justificou a chamada de capa, tem texto e elementos que confirmam o estilo do colunismo político gaúcho:
"Beneficiado pela condição de líder do governo, o senador Pedro Simon está empenhado na nomeação de gaúchos para o primeiro e segundo escalões do governo federal. A oficialização de alguns nomes permanece em banho-maria até a votação de ajuste fiscal em segundo turno na Câmara".
O tópico seguinte, Definidos, completava as informações, assegurando que "o presidente Itamar Franco já deu o sinal verde para as indicações feitas pelo senador Pedro Simon". São dois exemplos de como a coluna aproveitava todas as experiências anteriores e procuraria agregar novidades.
O nome escolhido por Augusto Nunes pode ter sido uma decisão casual, mas encerra importantes significados. Maurice Moulliaud (1997) estudou a importância do nome do jornal, e seu estudo pode ser adaptado para o colunismo político: "Ele se retira acima de todos os outros enunciados. A partir desta posição destacada, assegura a coerência e a continuidade dos enunciados à maneira de uma pressuposição" (Mouillaud, 1997, p. 86). O que remetia à política não era o nome da coluna, mas o colunista. Ele tinha uma página inteira para escrever sobre o tema, o que somente Fehlberg tivera anteriormente, e não era uma página qualquer. Era uma página destacada, com um nome referindo todas as ilações positivas em relação ao número 10. Além disso, acabaram as colunas Bastidores e ZH Brasília, assim como Fehlberg já tinha perdido a sua anteriormente, mostrando que só haveria uma coluna política no jornal.
O surgimento da Página 10 foi o reconhecimento da importância deste tipo de cobertura política no estado. Políticos, sindicalistas, líderes comunitários e de categorias profissionais lêem as colunas políticas e a elas escrevem. Desde 2001, Barrionuevo publica aos sábados e-mails de leitores. O PT a considera tão importante que na campanha vitoriosa de 1998 manteve um diálogo áspero com ela, publicando notas criticando-a e obtendo quatro direitos de resposta.
O colunismo político gaúcho começou tímida e anonimamente, com Spectator, teve em Wilson Müller o primeiro indivíduo e mantém traços característicos quase inalterados: ainda hoje, o colunismo político gaúcho é em pequenas notas, ou conta-gotas.
(*) Jornalista; este texto é adaptação do capítulo 2 da dissertação de mestrado "O PT e a Página 10: Jornalismo e Política na Sociedade de Comunicação", defendida e aprovada em 7 de março de 2002