Thursday, 28 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Chaparro

PT NO PODER

“Estranha dependência da propaganda”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/10/03

“O XIS DA QUESTÃO – Por que tanto depende de Duda Mendonça, e tanto dele precisa, um governo e uma Secretaria da Comunicação que têm em seus quadros teóricos e profissionais do porte de Bernardo Kucinscky, André Singer, Ricardo Kotscho, Maurício Lara e Armando Medeiros? – todos jornalistas. Uma coisa me parece evidente: quando se precisa mais da propaganda do que do jornalismo para fazer desaparecer as ?agendas negativas? do debate público, isso se deve à falta de fatos positivos noticiáveis.

1. Estranha tristeza

E o Duda Mendonça, hein?! Descobriu que não está feliz. Para nos dizer isso, e outras coisas bastante engraçadas, ocupou as páginas amarelas da Veja. E a que se deve a infelicidade do vitorioso Duda? Ora, por estar a sua função ?sendo desvirtuada? pela imprensa. E porque não está habituado ?a levar paulada pela imprensa?.

Duda queria o quê? Afinal, e pouco importa se formal ou informalmente, foi publicamente indicado para conselheiro especial do ministro Luiz Gushinken, que vem a ser nada mais nada menos, o ministro que tem a responsabilidade de cuidar da comunicação e das estratégias do governo, para isso dispondo de verbas ?que giram em torno de um bilhão e meio de reais ao ano? – cifra que a Veja enxertou numa das perguntas feitas a Duda, sem contestação.

A indicação para ser conselheiro especial de tão poderoso ministro nada teria demais. Afinal, Duda é um dos mais conceituados profissionais de publicidade e marketing político do país. O diabo é o detalhe de ser ele, também, o dono e principal criador de uma das três agências que vão tomar conta da campanha onde será gasto a dinheirama destinada à propaganda oficial, em operações comandadas pelo ministro do qual o publicitário seria conselheiro.

Claro que todos os envolvidos são pessoas honestas e honradas. De modo particular, tenho as melhores referências sobre o ministro Luiz Gushinken, no que toca às qualidades de caráter. Mas o que está em jogo não é a honestidade nem as qualidades de caráter das pessoas, mas o zelo ético e a prudência política com que as coisas do dinheiro público devem ser tratadas. Por essa perspectiva, trata-se de um despropósito essa assessoria particular de Duda ao ministro que tem a chave do cofre para o qual o publicitário também olha, com apetites legitimados na licitação vencida.

Para um ministério que se diz da Comunicação e das Estratégias do governo, esse convite público a Duda foi imprudência das graúdas. Com pesados danos na imagem da Secom e desnecessária queima de energias.

2. Proximidade inconveniente

Será que, com a entrevista concedida, ou melhor, conseguida na Veja, Duda conseguiu consertar o estrago?

Talvez, porque Duda Mendonça tenta pôr um ponto final à polêmica, saindo do palco político em que, segundo ele, o colocaram na discussão pública. ?Fui contratado a vida inteira para criar soluções. Se viro problema, só tem uma solução, adeus.? Mas, em alguns momentos, a entrevista se torna peça problemática, recheada de afirmações que acabam trazendo de novo à ribalta uma questão que havia sido superada, graças a outros ?descuidos do governo?, em especial os relativos a diárias indevidas recebidas por alguns ministros, devolvidas depois do escândalo gerado pela divulgação dos fatos.

O anúncio da renúncia da agência de Duda à conta do PT, por exemplo, tem potencial para gerar novos incômodos nas hostes governistas. Aliás os gerou de imediato, num momento em que o partido e o governo são instados a elucidar a denúncia de, nas eleições presidenciais, ter sido montado uma ?brigada? de terrorismo moral, para, com a produção e a divulgação de dossiês provavelmente difamadores, semear atritos entre os adversários de Lula.

Para sorte ou azar de Duda Mendonça, o caso veio a público na principal reportagem da edição que publicou a sua entrevista.

Além disso, algumas das declarações são, no mínimo, engraçadas. Por exemplo:

* ?Meu trabalho no governo é exclusivamente técnico (…) Minha empresa vai ser consultora do verbo, não da verba. Não tenho nada a ver com dinheiro nem com poder político.? E mais adiante: ?Estou comprometido com este governo, aposto nele e corro os riscos.? Ou seja: a argumentação destrói o argumento principal.

* ?Entrei em todas? (…) e ?vou entrar em todas as concorrências do governo e quero concorrer em pé da igualdade. Quero duas, três, quatro contas do governo: as contas que eu merecer ganhar da concorrência. Durante o governo passado, ganhei três. Por que não posso ganhar agora??

Claro que Duda tem todo o direito de concorrer às licitações onde houver propaganda ou publicidade em jogo. Mas, diante de tal apetite, quanto mais distante o publicitário estiver do gabinete do ministro e das conversinhas de pé de ouvido com o ministro, melhor – para o governo e para a empresa do próprio Duda.

3. Paixão por Duda – por quê?

Mas parece que, diante daquilo que nos gabinetes do poder está sendo chamado de ?agenda negativa?, com repercussões nos índices de popularidade do presidente Lula, o governo não se sente seguro longe de Duda Mendonça. Os jornais desta quinta-feira (30/10) dão conta de que o publicitário foi convocado para conversas de emergência. Primeiro almoçou com o ministro Luiz Gushinken; mais tarde, teve uma reunião a portas fechadas com o ministro da Casa Civil, José Dirceu.

Pode ser que o mentor propagandístico do governo tenha levado um ou outro puxão de orelhas, por ter tornado públicas, e logo pela Veja, queixas que antes poderiam e deveriam ter sido digeridas internamente. Mas, de acordo com os jornais, o objetivo principal das reuniões foi o de encontrar formas de ?reverter a agenda negativa?.

Sabem os estudiosos da comunicação que, quando se precisa da propaganda para fazer desaparecer as ?agendas negativas? do debate público, algo de essencial está faltando. Mas, enveredar por essa questão nos afastariam da questão final do texto, que é a seguinte:

Por que tanto depende de Duda Mendonça, e tanto dele precisa, um governo e uma Secretaria da Comunicação que têm em seus quadros especialistas teóricos do porte de Bernardo Kucinscky e André Singer? – ambos com percursos brilhantes tanto na carreira acadêmica quanto na experiência profissional de jornalistas. Por que tanto depende de Duda Mendonça, e tanto dele precisa, um governo que tem, em seu ?staff? de comunicação, profissionais com a vivência, o saber e a lucidez de Ricardo Kotcho, Maurício Lara e Armando Medeiros?

Alguma razão muito forte deve existir para tal paixão pelos brilhos de Duda Mendonça. Eu confesso que não atino com ela. Mas uma coisa me parece evidente: quando se precisa mais da propaganda do que do jornalismo para fazer desaparecer as ?agendas negativas? do debate público, isso se deve à falta de fatos positivos noticiáveis.”

 

“Duda tem papel central no governo, reafirma Gushiken”, copyright Folha de S. Paulo, 29/10/03

“O ministro Luiz Gushiken (Comunicação de Governo) recebeu ontem a carta que o publicitário Duda Mendonça anunciou ter enviado no fim de semana, na qual reage às acusações de que teria superpoderes no governo.

Por meio de sua assessoria, Gushiken disse ter considerado bons os esclarecimentos do marqueteiro, mas que continuam valendo as instruções de uma nota da Secom (Secretaria de Comunicação de Governo) de 23 de setembro. A nota tinha dois pontos principais:

1) ?Duda Mendonça […] atuará como interlocutor da Secom na definição da estratégia de comunicação, no sentido de garantir unidade no discurso publicitário e evitar pulverização de ações?;

2) ?Chamamos a atenção para a seguinte declaração do ministro Luiz Gushiken constante da entrevista publicada pelo jornal Folha de S.Paulo em 21 de setembro de 2003: ?Eu vou dizer aos ministérios que a Secom, por intermédio da agência do Duda Mendonça, eventualmente pode se relacionar, se reunir para discutir e saber como é que cada área deve atuar. Para que tudo fique em consonância com a linha do governo. Não é intromissão para ele fazer, mas para trocar idéias?.

Na prática, portanto, nada muda em relação ao que o Planalto espera de Duda Mendonça. Ele será o principal interlocutor de Gushiken com os órgãos federais para unificar e debater a linha de propagada dos ministérios.

O publicitário decidiu escrever a carta porque se sentia incomodado desde a publicação daquela entrevista de Gushiken à Folha. ?Seguiu-se uma onda de interpretações e mal-entendidos que serviram apenas para desvirtuar a essência de sua mensagem. Eis que repentinamente ganhei até um apelido: o de ?ministro da Propaganda?, escreveu ele a Gushiken.

Na carta, Duda diz ?renunciar? ao cargo. ?Diante do absurdo dessa situação, invoco a vossa compreensão, pois me sinto obrigado a reagir à altura, ?renunciando? a um cargo para o qual nunca fui nomeado e para o qual Vossa Excelência jamais me cogitou: o do tal do ?ministro da Propaganda?.

No final da carta, porém, Duda também reafirma que desempenhará o papel que lhe foi reservado: ?Continuarei atendendo à Secom e ao governo, dentro dos limites estritos definidos pela legislação em vigor, sem expandir o escopo de meu atendimento para além das fronteiras previstas?.

Duda ganhou, com duas outras agências, a conta da Secom. O valor previsto para o contrato é de um gasto de R$ 150 milhões em 12 meses. As agências ficam com cerca de 15% do que for investido.

A lei não impede Gushiken de repassar a Duda a função de verificar como são todas as campanhas dos órgãos federais e, eventualmente, sugerir como a linguagem deve ser unificada. É isso o que vai ser feito.”

 

“Julgamento público”, copyright O Globo, 4/11/03

“Desde que saiu da Secretaria Nacional de Segurança, o sociólogo Luiz Eduardo Soares vem empreendendo uma campanha pública para se defender das acusações que o fizeram pedir demissão do cargo. Em programas de televisão, como na semana passada no ?Observatório da imprensa?, e ontem, no ?Roda viva?, e em palestras em universidades de vários estados, ele vem se expondo ao julgamento público, coisa que se recusou a fazer no exercício do cargo ?para não politizar a questão e prejudicar o governo?.

Para Luiz Eduardo, as perguntas mais importantes são três: qual a diferença entre nepotismo e parceria legítima? Quais as fronteiras entre o poder da mídia e a autoridade do governo? Quais as diferenças entre chantagem política, calúnia e liberdade de informação?

Segundo ele, a Secretaria Nacional de Segurança Pública, sob sua gestão, contratou, ?de forma transparente e pública, os serviços de duas profissionais para a elaboração de produtos específicos, os quais seriam avaliados por agência internacional vinculada à ONU?.

Uma delas, Barbara Soares, ?era minha esposa quando fui subsecretário e depois coordenador de Segurança, Justiça e Cidadania do Estado do Rio de Janeiro, em 1999-2000. Durante o período em que estive no governo do Rio, ela foi subsecretária-adjunta. Nossos cargos e atuação conjunta eram públicos. Fomos objeto de inúmeras matérias jornalísticas que justamente focalizavam a parceria. Barbara não era a mulher do Luiz Eduardo. Era e é uma profissional respeitada, doutora, com luz própria?.

Nesse período, Miriam Guindani, que se tornaria esposa de Luiz Eduardo, já era consultora do Ministério da Justiça e diretora do Centro de Observação Criminológica da Secretaria de Justiça e Segurança do Estado do Rio Grande do Sul.

Luiz Eduardo afirma que ?mesmo que a prova ilegal não seja judicialmente aceitável, do ponto de vista político a mera calúnia pode ser suficiente para promover desgaste irreversível na imagem pública?.

Segundo ele, ?um governo eventualmente regido por lógica plebiscitária e pautado pela mídia pode render-se à força da mídia e buscar proteger-se do escândalo, independentemente da qualidade ética e técnica do gestor em causa?.

Ele lamenta que enquanto na Justiça, ?o tempo da dúvida protege o acusado, beneficiado pela presunção da inocência, na política o tempo da dúvida corre contra o acusado, desgasta-o e termina por confundir-se com a própria sentença, convertendo-se em condenação?.

Luiz Eduardo responde às acusações do dossiê apócrifo que levou a sua demissão:

1) Tráfico de pesquisa com a Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais). Ele diz que o contrato com a Associação Nacional de Pós-Graduação em Ciências Sociais ?visava justamente a mobilizar a comunidade acadêmica e a constituir uma comissão de seleção de pesquisas absolutamente isenta e autônoma?.

2) Vários salários supostamente acumulados pela esposa do secretário. Segundo ele, ao contrário, ela ?vem dedicando o melhor de seu tempo a ajudar o PT, desde a elaboração do plano, voluntariamente – e, para isso, renunciou ao próprio salário, licenciando-se da PUC-RS. Rescindiu, para não permitir abordagem política do fato, o único contrato que assinou, voltado para a realização de um produto específico, ao qual vem se dedicando de forma pioneira no país: a formação de guardas municipais?.

3) Viagem ?de lua-de-mel? à Rússia: ele diz que viajou sozinho, para participar de um seminário sobre metodologia de avaliação de performance policial. Quanto a diárias inadequadas concedidas a auxiliares, ele desqualifica a acusação lembrando que ?geria R$ 400 milhões e o escândalo denuncia ‘desvio’ de R$ 3 mil?.

Com relação à suposta concessão de privilégio ao município de Canoas, com o fim de beneficiar, de novo, a esposa do secretário, ele diz que Canoas não apresentou nenhum projeto, nenhuma demanda à secretaria e, portanto, não recebeu nenhum centavo. A secretaria também ?jamais comprou carros em toda sua história? e não poderia tê-los superfaturado.

O dossiê afirma ainda que ?a política petista para os municípios?, em ano eleitoral, está em risco, sob a administração do secretário. Luiz Eduardo admite que sempre se negou ?a aparelhar a secretaria ou a operar distribuição de recursos segundo critérios políticos?.

As respostas à acusação são tão fáceis de serem comprovadas que não se entende que Luiz Eduardo Soares tenha desistido tão rapidamente de lutar contra as intrigas que o minavam internamente.

Há quem diga que ele caiu em desgraça com o chefe da Casa Civil, José Dirceu, e por isso não havia como lutar dentro do governo. O ministro teria, inclusive, manifestado à Firjan seu descontentamento com a possibilidade de Luiz Eduardo vir a ser contratado para representar a federação no plano de segurança para o Rio.

Se levasse ao Conselho de Ética sua questão, Luiz Eduardo teria possibilidade de discuti-la publicamente à luz da legislação. A acusação de nepotismo seria facilmente rebatida, dadas as qualificações das duas envolvidas. No entanto, os regimentos do funcionalismo público proíbem que se tenha parentes sob chefia direta.

O Código de Conduta da Alta Administração Pública só tem um ponto, mesmo assim muito subjetivo, que poderia inviabilizar a permanência de Luiz Eduardo Soares no governo federal: está no artigo 3, onde se lê que ?no exercício de suas funções, as autoridades públicas deverão pautar-se pelos padrões da ética, sobretudo no que diz respeito à integridade, à moralidade, à clareza de posições e ao decoro, com vistas a motivar o respeito e a confiança do público em geral?.

De qualquer maneira, é lamentável que, por ingenuidade política, um servidor público do nível de Luiz Eduardo tenha dado margem a que intrigas inviabilizassem o trabalho que vinha fazendo à frente da Secretaria Nacional de Segurança. E que o governo petista tenha sido tão rápido nesse caso e seja tão condescendente em outros.”

“O Prestígio De Lula”, Editorial, copyright Folha de S. Paulo, 2/11/03

“Pesquisa Datafolha publicada hoje por esta Folha mostra que a administração do presidente Luiz Inácio Lula da Silva permanece gozando da aprovação dos brasileiros. Embora o percentual daqueles que consideram o governo ótimo ou bom tenha caído de 45% em agosto para os atuais 42%, a oscilação está dentro da margem de erro prevista.

Não é incomum que presidentes obtenham bons índices de popularidade no primeiro ano de mandato. Chama a atenção, porém, no caso de Lula, o fato de que seu governo transcorra num clima de forte restrição econômica -o que é percebido pela população. Não é casual que tenha havido uma elevação de cinco pontos percentuais entre os que acreditam que o desemprego vá aumentar.

As apreensões quanto ao desempenho da economia, no entanto, não têm ainda repercutido de forma significativa no julgamento do governo. É preciso considerar quanto a isso que o forte aperto monetário, com todas as suas consequências deletérias, acabou por superar a crise de confiança que cercou o país no início do ano. A inflação recuou e, com auxílio da conjuntura internacional, houve queda da cotação do dólar e do risco-país, indicadores abundantemente comemorados por setores da mídia e pela propaganda oficial.

Espécie de ?última esperança? do eleitorado, Lula parece estar obtendo a paciência que tem solicitado para mostrar resultados. É legítimo crer que seu poder de comunicação com as classes de baixa renda esteja sendo eficaz, apesar de alguns lamentáveis destemperos. É sintomático que a maior queda na aprovação tenha ocorrido exatamente na faixa de renda acima de 10 salários mínimos.

A pesquisa não deixa dúvida de que a imagem de Lula é um trunfo do governo. O desempenho pessoal do presidente é aprovado por 60%, contra os 45% que aprovam sua administração. Num país tão sujeito a surpresas, prognósticos de longo prazo não são recomendáveis. Parece razoável acreditar, porém, que, se a reação da economia tiver efeitos sobre o emprego, Lula ainda poderá manter por mais tempo a boa cotação que seu governo tem alcançado.”