FOLHA DE S. PAULO
"Histórias da violência", copyright Folha de S. Paulo, 26/10/03
"Na semana em que o secretário nacional de Segurança ?caiu?, sob a acusação de nepotismo, e em que a Câmara dos Deputados aprovou o Estatuto do Desarmamento, pelo menos cinco casos relevantes relacionados à criminalidade e à violência ocorreram ou vieram à tona.
Desses, dois receberam da Folha tratamento que me parece adequado: novas revelações do inquérito sobre a morte de Nelson Schincariol envolvendo um jovem que teria relações pessoais com membros da própria família do empresário de Itu (SP); e a insegurança de estudantes em torno das escolas de classe média e média-alta no bairro de Alto de Pinheiros, em São Paulo.
Quanto aos demais, porém, o jornal deixou bastante a desejar.
Na tarde de domingo, o sindicalista Paulo Gonçalves, diretor-conselheiro do Sindicato das Cooperativas de Transporte Alternativo do Sistema Bairro-a-Bairro de São Paulo, foi assassinado com cinco tiros à queima-roupa perto da sede da entidade.
Alguns jornais destacaram o crime nas suas capas, na segunda-feira. A Folha não só deixou de fazer isso, como reservou-lhe apenas uma nota ?Panorâmica? na parte inferior da última página de Cotidiano.
Quem tem acompanhado minimamente o noticiário dos últimos anos sobre o transporte urbano paulistano sabe o quanto o sindicalismo, nesse campo, está imbricado com a violência.
Como anotei na crítica interna, ?trata-se de um setor reconhecidamente delicado, violento e estretégico politicamente, ao qual a Folha costuma dar bastante atenção?. Dessa vez, no entanto, o jornal avaliou mal o peso da notícia.
Cominelli
O mesmo ocorreu no caso do estudante de engenharia mecânica da Universidade de São Paulo (USP) Ângelo Luís Cominelli, encontrado morto no rio Tietê na quarta-feira depois de permanecer desaparecido durante quatro dias (ele fora visto pela última vez na ?Peruada?, uma tradicional festa de estudantes de direito da USP, no centro da cidade).
A notícia de que o jovem sumira foi dada na própria quarta pelo ?Estado de S.Paulo? e pelo ?Jornal da Tarde?. A Folha só ?entrou? no caso na edição de quinta-feira, com chamada na Primeira Página e destaque na capa de Cotidiano.
No entanto, seu material era frio, apoiado basicamente nos dados da polícia e de um parente. Nada se publicou sobre o perfil do jovem, nenhuma imagem dele nem declarações de colegas.
O ?Estado?, por exemplo, editou fotos do resgate do corpo, um retrato ?3 x 4? de Cominelli e entrevista, com foto, do pai.
Com exceção de uma parte dos exemplares da edição nacional (que receberam página inteira com fotos, declarações e detalhes de como foi o enterro do rapaz na sua cidade, Cerqueira César, ao qual compareceram 3 mil dos 15 mil habitantes), a Folha manteve o assunto, sexta-feira, apenas em uma página interna, ?abaixo da dobra? (na parte inferior da página).
Tal tratamento superficial reflete, a meu ver, falta de sensibilidade para uma história cujos ingredientes e cujo mistério -ainda vivo- tocam fortemente os leitores do jornal.
Não deixa de ser irônico: enquanto o corpo de Cominelli provavelmente já boiava no rio, o alto da página C6 da Folha trazia, na segunda-feira, o seguinte título: ?Obra no Tietê reduz chances de inundação?.
Galdino
O terceiro caso teve uma constituição mais estranha.
Na terça, Luís Nassif reproduziu em sua coluna, em Dinheiro, a informação de que um dos rapazes presos pelo assassinato do índio Galdino Jesus dos Santos, em Brasília, tentou cortar o próprio pescoço na cela do presídio na tarde do último dia 15, poucos dias depois da publicação de uma série de reportagens nos principais jornais -Folha inclusive- sobre privilégios de que ele e seus cúmplices estariam gozando no regime prisional.
O tema dos tais ?privilégios? é controverso. Mas o que mais chama a atenção, aqui, é que a suposta tentativa de suicídio do rapaz não foi noticiada pela mídia, apesar do vasto espaço dedicado poucos dias antes às tais ?mordomias?.
Na quarta, o ?Globo? publicou uma nota repetindo o que Nassif divulgara. Na Folha, nem isso se viu. O jornal não retomou aquelas informações básicas nem produziu uma reportagem para complementá-las, a fim de oferecer dados ao leitor que, naturalmente, não busca notícia policial em colunas de Dinheiro.
***
Em tempo: sobre este último caso, a Secretaria de Redação informa ao ombudsman que a reportagem do jornal foi e continua indo atrás da história, em Brasília, mas que ninguém, até o momento, quis confirmá-la oficialmente."
***
"Greve ?furada?", copyright Folha de S. Paulo, 26/10/03
"Recebi na terça-feira a seguinte mensagem eletrônica de uma leitora de São Paulo:
?No domingo, li na Folha que a CPTM faria uma greve a partir da 0h de segunda-feira. Avisei, então, a minha mãe e a minha irmã, que são usuárias de trem, e elas foram trabalhar na segunda-feira de metrô.?
?Moramos perto da estação de trem José Bonifácio e, para ir até o metrô Itaquera, elas tiveram que pegar uma lotação. No metrô mesmo, elas notaram que o trem estava operando normalmente.?
?Gostaria de saber qual o motivo de a Folha ter publicado tal notícia sem ter checado antes se estava correta.?
A queixa se refere a uma notícia, publicada na página A17 do último domingo (19), segundo a qual funcionários da Companhia Paulista de Trens Metropolitanos tinham aprovado em assembléia, na sexta-feira anterior, entrar em greve a partir da segunda-feira (20).
A explicação enviada pela editoria de Cotidiano, em resumo, é a seguinte:
1) a nota foi feita a partir de registro da Folha Online (o site do jornal), colocado no ar desde a noite da sexta-feira (17);
2) a informação não pôde ser checada porque ninguém do sindicato dos ferroviários foi localizado na manhã do sábado;
3) a responsável pela redação da nota, na Folha, confundiu datas: para ela, a segunda-feira 27, a que se referia corretamente o texto original da Folha Online, era a passada (que, na realidade, foi dia 20);
4) a falha passou despercebida por quem define a ?pauta? e por outras áreas da editoria porque todos tinham na cabeça que a notícia divulgada na internet se referia a um assunto que só viria a ocorrer dias mais tarde, dentro de uma semana;
5) entre o dia 17 e a sexta 24, a paralisação foi suspensa e as negociações prosseguiam.
O jornal não comete esse tipo de erro com muita frequência na cobertura de greves. Além disso, as explicações acima, embora não anulem o transtorno provocado, têm um caráter pedagógico e, ao menos, respondem à dúvida da leitora.
Mas nem uma coisa nem a outra justificam o erro cometido ou a ausência de qualquer material sobre o caso das negociações na CPTM nas edições seguintes.
Muito menos o atraso de uma semana na publicação de um ?erramos? -afinal, tão simples- como o publicado, finalmente, hoje, na página A3."