JORNAL DA IMPRENÇA
“Cigarro faz mal”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 30/10/03
“Janistraquis passou uma vista d?olhos na capa do UOL, leu uma chamadinha e imaginou a gênese da dita cuja: ?Considerado, certamente o redator, cabra que se asila no banheiro para consumir uns quatro maços de cigarro por dia, resolveu se vingar e tascou: Fumante de 122 anos morre no Camboja?.
É verdade; estava lá a foto do finado Sek Yi, devastado pela idade e cego de um olho, seqüela de mais de um século desse formidável fumacê. Com a morte dele, comprova-se finalmente a tese, defendida pelas campanhas publicitárias do governo, de que cigarro faz mal à saúde.
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Bons tempos
Janistraquis encontrou em nosso arquivo recente esta cópia de gentil cartinha que nosso diretor no Distrito Federal enviou ao Correio Braziliense:
?Prezado jornalista Bernardo Scartezini, gostaria de comentar algumas afirmativas sobre Ary Barroso no seu texto de hoje (5/8) no caderno Gabarito:
Como o senhor afirma, Ary Barroso desbravou as torcidas dos clubes cariocas na primeira metade do século passado. Logo, não esticou as torcidas para além das fronteiras da Guanabara, uma vez que esse estado foi criado quando a capital federal veio para Brasília, em 1960.
E, se Ary Barroso escreveu peças para o teatro radiofônico, não foram ?partituras?, termo ligado à música. Teriam sido scripts ou textos para o radioteatro. Atenciosamente, Roldão Simas Filho.?
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Ô preguiça!…
Nosso diretor paulistano, Daniel Sottomaior, ensina que a palavra ?então? tem um significado comum no português coloquial que é um pouco diferente do ?naquele tempo? recomendado pelo uso castiço.
?Geralmente se diz ?e então? significando ?e depois?, portanto expressões como ?o presidente de então? são cada vez mais inusuais. A palavra admite os mesmos sentidos que o seu correspondente em inglês (and then ou the person who was president then), com a diferença de que nessa língua o segundo sentido também é perfeitamente corrente. Não há erro gramatical na tradução literal, mas o tom do texto se altera bastante.
Lê-se, por exemplo, no Estadão: ?O aviso não recebeu muita atenção das agências de inteligência ocidentais, então mais ocupadas com a preparação da guerra contra o Iraque?. A frase merece um sobressalto do leitor. Isso poderia ser perfeitamente evitado com a substituição por ?na época? ou outra equivalente.
A frase como saiu me parece resultado de uma combinação em doses desconhecidas de preguiça e descaso.?
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Colher de sopa
Tomo a liberdade de utilizar este nobre espaço para breve comunicação particular: o jornal literário Rascunho, único no gênero neste pouco letrado país, concedeu a capa e as duas páginas centrais do primeiro caderno a este iniciante escritor e seu recém-lançado livro Concerto Para Paixão e Desatino – Romance de uma Revolução Brasileira.
Este foca da literatura, porém veterano da imprensa, ficou tão alegre que deseja repartir o raríssimo sentimento com os amigos. Quem puder, acesse a página: http://tudoparana.globo.com/rascunho/rogerio/n-182-index.html; ou então o site do jornal: http://www.rascunho.com.br.
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Pontaria ruim
Manchete de primeira página de O Globo: Lei ficará mais dura e vai punir até tráfico de armas. Janistraquis adorou o até: ?Pois é, considerado; foi fácil aprovar o chamado Estatuto do Desarmamento, né mesmo? O que não vai ser mole é transformar título ruim em crime inafiançável…?. É mesmo, não vai ser mole.
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Filho de quem???
Despacho do nosso diretor cearense, Celso Neto, que deu uma folguinha ao Diário do Nordeste: ?Considerado Janistraquis, veja essa beleza de título de matéria publicado no UOL em 27/10: ?Kelly Key está grávida do seu segundo filho?.
Ora, e a moça poderia estar grávida do filho de outra mulher? O ?seu? deveria ter sido evitado – a gravidez, pelo visto, não foi evitada – e o título não teria esse, digamos, viés cômico.?
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Crase e castigo
Extraimos mais uma do nosso arquivo-não-tão-recente; trata-se desta, como se diz nos melhores salões, sarabanda do deputado petista Lindberg Farias, emboscada sob o título Palocci caminha para o isolamento, publicada na Folha de S. Paulo: ?As declarações e as ameaças de punição feitas pelos principais dirigentes do PT não tiveram só a intenção de intimidar e frear o nascente debate sobre os rumos da política econômica do governo. Houve uma ação articulada para ?minimizar e desqualificar? a polêmica, atribuindo o questionamento à um punhado de parlamentares radicalóides, que querem transformar o governo Lula numa aventura jacobina?.
Eu queria eliminar o texto, por antigo e insignificante, todavia Janistraquis fez questão de publicá-lo e argumentou: ?Considerado, o Ferreira Gullar disse certa vez que a crase não foi feita pra humilhar ninguém; e sua ausência ou má colocação não transforma alguém em analfabeto, recoheçamos; porém, quando um cara chatíssimo como Lindberg mete crase antes de ?um punhado?, a gente não pode perdoar, né verdade??. Tá certo, porém devemos admitir que ?radicalóide? é um neologismo de primeira!
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Coisa muito louca!
Nosso considerado Rodrigo Pinotti escreveu à coluna: ?Esta da Folha de S. Paulo já virou um clássico; título: Ação de PMs em 2 mortes é investigada; linha fina, que o pessoal chama de ?olho?: Mortos sumiram após saírem para furtar empresa, disse a irmã de um deles.?
Para Janistraquis, que tem idade, a notícia da Folha parece assunto daquele célebre (e antiqüíssimo) programa de Almirante no rádio carioca, intitulado Incrível! Fantástico! Extraordinário!
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Quem diria!!!
Deu n?O Globo Online: Homem de Saddam estaria por trás de ataque. Janistraquis refletiu longamente acerca do título e garante que o jornal sacaneou o ?guia genial? iraquiano: ?Considerado, logo agora que a ciência descobriu que homossexualidade não é opção, mas falha genética, falar em ?homem de Saddam? pega mal pra burro; afinal, apesar do bigodaço e do jeitão de caminhoneiro, o elemento não veio ao mundo tão macho como a gente pensava. Pelo menos é o que insinua o título…?.
É verdade, embora eu tenha aconselhado meu secretário a nunca mais utilizar a expressão ?falha genética?; vão chover protestos da comunidade gay, à qual, desde já, peço mil desculpas.
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Nota dez (centímetros)
O melhor e mais reconfortante texto da semana saiu na coluna do urologista Sidney Glina no Diário de S. Paulo: ?A Monica escreveu que gostou muito da coluna sobre o tamanho do pênis e que o homem mais carinhoso que conheceu tinha o pênis pequeno. Ela diz ainda que prefere os homens com o pênis nessas dimensões mas que é muito difícil de encontrar.
Esta carta me deixou muito contente, pelos elogios e pela mensagem que contém. O tamanho não é importante para a imensa maioria das mulheres e é muito difícil de se encontrar homens que tenham seu órgão sexual pequeno. Esta é a experiência que nós vemos no consultório: embora se queixem do tamanho, a quase totalidade dos homens tem pênis de tamanho normal. Portanto, é uma preocupação bastante desnecessária.?
Viva a Monica!!! Viva o doutor Sidney!!!
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Errei, sim!
?TRAGÉDIA DEMAIS – A Folha de S. Paulo, em matéria sobre o romancista Frido Mann, neto do ?jurássico? Thomas Mann: ?A família sempre foi rodeada por tragédias. As irmãs de Thomas, Julia e Carla, se suicidaram. Um de seus seis filhos, Klaus, escritor, também se matou. O marido de Monika, também filha de Thomas, perdeu o marido (…)?. Penalizado, Janistraquis suspirou: ?É… é muita tragédia, considerado. Essa de o marido da Monika também perder o marido é dose…?”
JORNALISMO CULTURAL
“Simpatia pelo diabo – II”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 28/10/03
“O diabo é o pai do rock. Na figura do anunciante, o diabo também é o pai das revistas de rock – e de cinema, cultura, moda, comportamento, estilo de vida. A mídia customizada, a revista de grife entram nesse balaio. Temo que seja uma relação que, se não veio para ficar – o que é que fica, realmente, num universo em perpétua mutação? – veio para passar um bom tempo com a gente. E ter medo dela não vai adiantar coisa alguma.
A realidade, que todos nós sentimos na carne e no bolso de um modo ou de outro, é que o velho modelo de negócios da mídia impressa não funciona mais. A base de leitores está encolhendo, ou melhor, se dispersando. O anunciante mudou de estratégia, também, porque percebeu que o ?anúncio? funciona bem menos, com esse público disperso, do que a ?ação?.
Como se equilibrar no gume dessa faca sem perder tudo a credibilidade junto ao leitor, que por sua vez alavanca o interesse do anunciante? Uma revista de marca, bem pensada, pode ser a mais sensata das soluções.
Num almoço muito interessante com uma pessoa muito inteligente que já trabalha bastante no setor, aprendo que a verdadeira arte da mídia customizada não é vender a marca – isso o anúncio faz, a ?armação? disfarçada de matéria faz, a menção ?casual? na novela faz. A verdadeira arte é estimular o consumo daquilo que beneficia a marca. Aprendo que um dos casos de maior sucesso do setor é uma revista criada para e bancada por uma empresa escocesa de energia elétrica. Suas páginas são notoriamente ausentes de plugues da empresa. Mas repletas de matérias sobre atividades e produtos que seriam impossíveis sem o consumo da energia elétrica que a companhia vende.
É um equilíbrio zen. Um malabarismo possível.
Dói?
Um lado meu, certamente o lado ex-riponga de sandália de sola de pneu que trabalhava na Rolling Stone, ainda fica ansioso com essa massa de apelos de venda, despejados universalmente, em toda parte, sobre todos nós.
Ainda sonho com um espaço em que a informação flua livre, e nada me seja vendido. Mas suspeito que isso seja um acesso lamentável de ingenuidade. O paraíso, se algum dia existiu, foi perdido.
Consideremos então as opções, e as delicadas artes alquímicas que podem nos levar a uma saída viável.
Uma revista customizada burra é, simplesmente, uma revista burra. Não serve ao leitor e não serve à marca. O leitor se sente usado, e se retrai. A marca não vende coisa alguma.
Que novos talentos são exigidos de nós, especialmente na área do jornalismo cultural, a que mais se presta às publicações de marca? Saber distinguir uma customizada de um house-organ é fundamental. Saber identificar o ponto em comum entre os interesses dos leitores e os do ?customizador? é o passo seguinte. O resto, imagino, deve vir naturalmente, se o diálogo for realmente fundamentado em clareza e respeito.
Eu já disse que não acredito em diabo?”
PROTEÇÃO A MENORES
“Longe dos olhos”, copyright O Globo, 4/11/03
“Uma menina nua, com o corpo queimado por napalm, corre numa estrada vietnamita. Um garoto iraquiano encara a câmara com ar de desafio: bombas americanas arrancaram seus braços.
Num campo de refugiados na África crianças revelam nos olhos parados e secos a resignação dos que se sabem condenados. Todas elas morrerão de fome.
Imagens como essas ajudaram muita gente a chegar a conclusões sobre problemas do nosso tempo. No Brasil, se for transformado em lei um projeto que acaba de passar pelo Senado – foi aprovado em plenário no dia 21 – imagens incômodas da realidade brasileira em que apareçam menores de 18 anos correrão o risco de nunca mais serem vistas.
A intenção do legislador é a melhor possível. Ele procura, ao alterar o artigo 140 do Estatuto da Criança e do Adolescente, criar mecanismos eficazes para o combate à monstruosidade da pedofilia via internet e aberrações similares. Mas o texto proíbe a publicação de fotos de menores em ?situações vexatórias?. Não distingue pedofilia de jornalismo.
Na atual interpretação do estatuto são proibidas imagens que identifiquem menores como vítimas ou autores de ações ilegais – mas aceita-se a imagem que denuncia o crime sem expor a vítima.
Jornais e emissoras são solidários com a restrição, mesmo que, vez por outra, errem ao proteger insuficientemente a identidade de menores. Por exemplo, registrando iniciais corretas de nome e sobrenome; ou publicando, ao lado das iniciais de crianças, os nomes completos dos pais. Em outros casos, a tarja colocada nos rostos por computadores não chega a disfarçar as feições. Se a lei coibisse e punisse esses deslizes, não estaria agredindo a liberdade de imprensa.
Mas eles são erros na execução de uma política certa. Por outro lado, dando à autoridade o direito de definir ?situação vexatória? como achar melhor, o projeto acabará sabotando a revelação pela mídia de crimes contra menores. Como o trabalho escravo, a prostituição de menores, a vida ao relento nas grandes cidades. Situações vexatórias, sem dúvida. Para a sociedade, não para a vítima.
Em 1997, uma série de reportagens de Amaury Ribeiro Jr. no GLOBO ganhou o Prêmio Esso por sua denúncia da prostituição infantil em Manaus. Grande parte do impacto que levou relutantes autoridades a botar muita gente na cadeia foi provocado por fotos das meninas – uma delas com 11 anos. Eram fotos cuidadosas, que não mostravam rostos, mas documentavam uma situação vexaminosa insuportável. Se for aprovada a mudança no estatuto, reportagens como a de Amaury perderiam os dentes.
A proibição só favorece quem abusa das crianças fora da internet e elimina um fator de desconforto para quem se sente melhor acreditando que nada é tão grave assim, a imprensa sempre exagera para vender mais jornal, não é mesmo?
É importante diferenciar aos olhos da lei a imagem que é em si uma forma de exploração sexual de crianças, e aquela que protege a identidade da criança sem perder eficácia como denúncia. Não há vergonha em sofrer sem culpa. E é extremamente vergonhoso desviar os olhos do sofrimento alheio.”
MÍDIA & VIOLÊNCIA
“Jefferson E Sander”, copyright Caros Amigos, 11/03
“Nesta semana, a mídia em geral e a escroquerie televisiva vespertina, em particular, vendiam ares de boquirrotidão com a prisão do vocalista de uma banda de quinta categoria chamada Twister. O vocalista, branco e de olhos claros, chamado Sander, caiu nas mãos da tiragem, na capital paulista, com o bolso lotado de drogas, incluindo as de última geração.
Bem, dando um salto quântico nesta narrativa, lembremos do seguinte: Melanie Klein estudou o Jack, o Estripador. Referia que ele mutilava ao osso suas vítimas por querer matar a ?dimensão simbólica? delas. Ou seja: ao desejar a noção de que um corpo inexiste, nada mais natural do que esquartejá-lo ao status de massa amorfa. Matamos o corpo enquanto corpo.
Matamos o corpo enquanto forma. Matamos a vida enquanto idéia de vida.
A mídia age como Jack, o Estripador. Sander, o vocalista, merece espaço na ?dimensão simbólica?: brancos de olhos azuis, da elite, são ruthless people, vulgo gente como a gente. Não espanta que, quando Francisco de Assis Pereira, o maníaco do parque, fazia suas vítimas, só ganhou mais espaço na mídia a família da vítima Isadora Franckel porque de olhos azuis, pele clara, e moradora da zona sul de São Paulo.
Portanto, ?gente como a gente?.
Agora vejamos quem a mídia mata, porque ignora.
O detento Jefferson Rodrigues sofria de problemas crônicos de insuficiência renal. Morreu no dia 26 de outubro em uma penitenciária de Presidente Prudente, no interior de São Paulo.
Jefferson havia sido condenado a três anos de reclusão e ao pagamento de cinqüenta dias-multa, pela eventual prática de tráfico de entorpecentes, em maio de 2001. Foi encaminhado a Presidente Prudente para o cumprimento da pena de reclusão. Em decorrência das péssimas condições de saúde em que se encontrava (sofria de problemas crônicos de insuficiência renal e necessitava de tratamento dialítico três vezes por semana, durante quatro horas), a Procuradoria de Assistência Judiciária requereu que lhe fosse concedido indulto. Mas o pedido foi indeferido pelo Poder Judiciário.
Diante da negativa dos pedidos, a mãe de Jefferson entrou em contato com o Instituto Pro Bono, que, na impossibilidade de prestar serviços jurídicos gratuitos para pessoas físicas, encaminhou o caso para o Núcleo de Prática Jurídica da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC/SP). O advogado da assistência jurídica da PUC/SP, doutor Edson Luz Knippel, pediu ao juiz responsável que transferisse o jovem para o Hospital Penitenciário da capital e este ali ficasse até que seu estado de saúde se normalizasse, juntando laudo elaborado pelo médico responsável por Jefferson (doutor Gustavo Navarro Betônico – CRM 110420) no Hospital Universitário de Presidente Prudente. O laudo produzido e juntado na petição informou que Jefferson era portador de insuficiência renal crônica terminal, doença grave, irreversível, que exige tratamento dialítico três vezes por semana, durante quatro horas. O laudo informou, ainda, que Jefferson não havia comparecido ao hospital para tratamento em 6/10/2003 por motivos institucionais (houvera uma rebelião).
Diante dessa petição, o MM Juízo pediu mais informações sobre o caso ao Hospital e, nesse ínterim, o jovem veio a falecer.
Jefferson faleceu no dia 26 de outubro de 2003, sem que outras informações chegassem para o juiz do caso. Para agravar ainda mais situação, a administração do presídio se recusou a arcar com os custos do transporte do corpo de Jefferson de Presidente Prudente para a capital, onde reside sua família. A mãe de Jefferson foi informada que o Estado nunca arca com o transporte de corpos dos detentos e, ainda, que o corpo do rapaz seria enterrado caso a família não providenciasse logo sua remoção.
Jefferson morreu duas vezes. Sander viverá ainda muito tempo nas mentes comovidas da classe média.”