MEMÓRIA / ROBERTO MARINHO
“Comissão polemiza, mas aprova homenagem a Roberto Marinho”, copyright Tela Viva News (www.telaviva.com.br), 5/11/03
“Um debate beirando o absurdo recheou a reunião da Comissão de Comunicação da Câmara dos Deputados nesta quarta, dia 5. Em pauta estava a aprovação (ou não) do projeto 1.650/03, do deputado Marcelo Ortiz (PV/SP), que institui o ano de 2004 como Ano Nacional Roberto Marinho. A primeira manifestação foi do relator, deputado Moreira Franco (PMDB/RJ): ?Se esse projeto fosse discutido há algum tempo, causaria polêmica, mas hoje ninguém contesta a importância do Dr. Roberto Marinho na formação da cultura brasileira?. Naturalmente, Moreira Franco manifestou parecer favorável ao tema. Walter Pinheiro (PT/BA) pediu então a palavra: ?Não tenho nada a me opor a uma homenagem ao Roberto Marinho. Há divergências sim, mas no campo editorial. Eventuais divergências pessoais não vêm ao caso. O que questiono é em relação às despesas para a homenagem, que pelo projeto ficam sob a responsabilidade do Ministério da Cultura. A Câmara não pode criar despesas para um órgão do Executivo. Não discordo da homenagem e reconheço o papel da Globo para a cultura brasileira, mas é preciso ver a questão das despesas?. Fala então o deputado Dr. Hélio (PDT/RJ), questionando o problema de se criar um selo comemorativo, o que oneraria os Correios. Wladimir Costa (PMDB/PA), radialista, resolve então se manifestar: ?Sou contra a homenagem. A Globo deve milhões e milhões. Homenagear o dono de uma empresa nessas condições é absurdo?. O deputado faz outros comentários, mais agressivos, mas que foram retirados da ata da reunião, a pedido da presidência da comissão. Alguém lembra que a homenagem é a uma pessoa, e que a empresa continua existindo para pagar suas dívidas. Lembram ainda que quatro presidentes da República foram ao funeral de Roberto Marinho. ?Queriam aparecer na tela da Globo?, diz Wladimir Costa. Eduardo Cunha (PMDB/RJ) se manifesta: ?O pior constrangimento que existe para essa casa é propor uma homenagem e ficar discutindo o mérito dela. Ainda mais quando a pessoa não pediu essa homenagem?.
Abre-se a votação e o projeto de criar o Ano Nacional Roberto Marinho é aprovado, por unanimidade (inclusive com o voto do deputado Wladimir Costa). Será feita apenas uma recomendação ao autor em relação aos custos da homenagem. Antes de encerrar a sessão, o presidente da comissão, Corauci Sobrinho (PFL/SP), ainda abre espaço para uma última manifestação da deputada Luiza Erundina (PSB/SP): ?Na minha opinião, é um pouco demais dar o nome de uma pessoa a um ano inteiro?.”
MEMÓRIA / NIOMAR BITTECOURT
“Niomar”, copyright Folha de S. Paulo, 8/11/03
“Na semana passada, aos 87 anos, morreu Niomar Moniz Sodré Bittencourt, a mulher que, aqui no Brasil, mais se aproximou da figura mítica da Passionária. Não chegou a ser uma guerrilheira no sentido tradicional, mas uma resistente da causa da liberdade, comumente agredida, ora pelos fanáticos da esquerda, ora pelos da direita.
Proprietária do ?Correio da Manhã?, dona atuante que ficava na Redação até a edição do dia fechar, ela fez cerrada oposição ao governo de João Goulart, responsabilizando-se pelos dois históricos editoriais -?Basta!? e ?Fora!?-, que foram a senha da sociedade civil contra o caos daquele início de ano.
Mas, no dia seguinte ao golpe militar, abriu seu jornal, cujos tópicos tinham a fama de derrubar ministros, aos cronistas e colunistas de sua redação, publicando os primeiros textos e na certa os mais veementes contra a ditadura progressiva que se instalava no país.
A consequência, a médio prazo, foi a invasão de seu jornal, quando, em dezembro de 1968, presa na própria Redação, foi levada para uma cela comum no Dops, onde passou uma longa temporada entre presas comuns, em condições subumanas de promiscuidade e de higiene.
Perdeu tudo: o jornal, os bens, os direitos políticos. Figura obrigatória da sociedade carioca, fundadora e primeira diretora do Museu de Arte Moderna do Rio, ela jamais namorou a esquerda ou a direita, não se beneficiou dos governos que, às vezes combatia, às vezes (raras) apoiava. Uma lição de independência que aprendera com Paulo Bittencourt.
Por falar em Paulo, lembro a melhor definição de seu caráter, feita por Carlos Lacerda, que então se situava em trincheira contrária: ?Paulo é insubornável. Só se vende por um almoço que ele mesmo paga?.
Ao escrever a ?História da Imprensa Brasileira?, Nelson Werneck Sodré disse: ?Niomar merecerá sempre o emocionado respeito de todos os que amam a liberdade acima de tudo?.”
PARCIALIDADE & JORNALISMO
“Onde escondo as camisas do Vasco e MST?”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 4/11/03
“José Geraldo Couto, excelente colunista esportivo da Folha, procurou se explicar diante de torcedores do Cruzeiro e acabou mexendo num tema sempre controvertido do jornalismo. ?Repito o que já disse outras vezes; não sou santista nem cruzeirense? – escreveu Couto em sua coluna de sábado, 1/11. ?Gosto de ver bom futebol, qualquer que seja a cor da camisa. Por isso, admiro tanto o Cruzeiro como o Santos?.
Verdade? Será possível que alguém consiga se interessar por futebol sem torcer por algum time? E jornalista que cobre política não deve ter opinião sobre o que é melhor para seu país?
Escapando das flechas atiradas por cruzeirenses, Couto corre até o risco de ser considerado mais um ?sampaulino hipócrita?, como me disseram dois companheiros supercorintianos. Na verdade, não conheço um só bom jornalista esportivo que não seja, mais ou menos escancaradamente, torcedor de algum clube. João Saldanha, Armando Nogueira, Juca Kfouri, Renato Maurício Prado, Fernando Calazans, Tostão, Walter Casagrande, José Trajano (incrível, é um dos últimos apaixonados pelo América carioca!), Oldemário Touguinhó, Luiz Roberto Porto, Jairo Régis, Ari Barroso, Maurício Azedo, Raul Quadros, José Antonio Gerheim, Washington Rodrigues, Jorge Cúri, Cajuru, Milton Neves, Osmar Santos – a lista não tem qualquer critério além do exercício da memória septuagenária, e a essência é que não consegui recordar um só que não tenha afirmado sua paixão clubística.
E essa paixão não tem nada a ver com a isenção que qualquer um deles sempre demonstrou na informação, na análise ou na opinião sobre os fatos de nosso futebol e do esporte em geral.
Acredito que, na política, ocorra exatamente o mesmo fenômeno, explicação lógica da proteção que Roberto Marinho, Júlio Mesquita, Adolfo Bloch e Victor Civita, entre outros donos de jornais e revistas, sempre deram a seus jornalistas perseguidos pela ditadura. Roberto Marinho sempre disse a amigos que ?comunista sabe fazer jornal?. Ou seja, ele era capaz de entender que um jornalista pode ter opinião sobre tudo, sem prejuízo de uma rigorosa honestidade em seu trabalho e ainda aceitando as regras impostas por uma relação profissional.
Algum de vocês aí acredita em jornalistas sem emoção, sem idéias próprias, sem sonhos por uma nova sociedade, por tricampeonatos e por ver Ronaldinho com a camisa de seu clube?”