Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A desconstrução do lorde Conrad Black

Edição: Beatriz Singer (com Dennis Barbosa)

HOLLINGER INTERNATIONAL

"Ainda sou o presidente, ainda sou o presidente da principal companhia, ainda sou o principal acionista e sou presidente do Daily Telegraph". Foi assim, soando ligeiramente desesperado, que um dos mais tradicionais e poderosos barões da mídia, o lorde canadense Conrad Black, tentou amenizar a derrocada de seu império.

Após meses negando acusações de má governança e irregularidades financeiras da Hollinger International, de que era executivo-chefe, as críticas ficaram mais ácidas na semana passada, quando a própria empresa disse que ele, sua companhia e seus colegas retiveram 32,2 milhões de d&ooacute;lares em pagamentos não-autorizados.

Lorde Black disse não ter havido fraude. No entanto, a investigação que desvendou os pagamentos não-autorizados, liderada por Richard Breeden, ex-chefe da Comissão de Valores Mobiliários dos EUA (SEC, na sigla em inglês), continua. A própria SEC lançou um inquérito. É bem possível que Black e alguns de seus colegas enfrentem ações na justiça, sob acusações de infrações administrativas, civis e até criminais, de acordo com reportagem da revista The Economist [20/11/03]. A diretoria da empresa não escapou ao imbróglio: será acusada de não proteger os acionistas minoritários.

A confusão da "taxa de não-competição"

A revelação dos problemas da Hollinger International foi uma vitória à Tweedy Browne, administradora financeira americana. Em maio, ordenou que a diretoria atentasse para taxas de não-competição ("non-compete fees", em inglês, ou seja, valor pago a uma empresa concorrente para que não lance determinado produto competitivo), que valiam 73,7 milhões de dólares no total, feitas ao lorde, à Ravelston ? firma privada de Black que controla a Holliger Inc., maior acionista da Hollinger International ? e a outros três executivos-sênior. Nenhuma centavo desse dinheiro chegou à empresa e a seus acionistas, afirmou a Tweedy Browne particularmente a Black e seus executivos.

Pagar dinheiro para não-competição a um acionista majoritário de uma firma pública é algo bem incomum e soa a self dealing (autocontratação), segundo o advogado Philip Stamatakos, do escritório Baker & McKenzie.

Outro pedido da Tweedy Browne foi que a diretoria examinasse a forma como a Hollinger International pagou taxas administrativas à Ravelston. Também perguntou, segundo a Economist, por que a Hollinger International vendeu jornais a duas empresas controladas por pessoas da própria diretoria e financiou parte das aquisições. Quando a Hollinger International vendeu seus jornais canadenses, inclusive metade do National Post, à CanWest, em 2000, esta concordou em pagar uma taxa administrativa à Ravelston. Mais uma vez, Black e seus comparsas foram beneficiados, e não a empresas ou os acionistas como um todo.

Por enquanto, a empresa retirou Black do cargo executivo e insistiu que o dinheiro não-autorizado seja devolvido até junho de 2004, quando se encerra o contrato administrativo entre a Hollinger International e a Ravelston. Laura Jereski, da Tweedy Browne, disse que a Hollinger International ainda não respondeu suas perguntas e que lorde Black não deveria continuar como presidente.

Analistas financeiros esperam que, após a venda a algum banco, a Hollinger seja desmembrada. Concorrentes de Black mal podem se conter. A queda do magnata significa também um abalo nos principais veículos da empresa: Daily Telegraph, Sunday Telegraph, Chicago Sun-Times, The Spectator e The Jerusalem Post. A Hollinger é também dona de mais de 100 jornais locais na região de Chicago. Aparentemente, a estratégia será vender a empresa aos poucos.

A menina dos olhos é o Daily Telegraph, jornal de formato broadsheet mais vendido na Grã-Bretanha, com 150 anos de vida e circulação diária de cerca de 600 mil cópias. Quando Black assumiu o jornal, em 1985, a circulação era de 1,2 milhão de exemplares. De acordo com Heather Timmons [The New York Times, 20/11/03], o número de leitores caiu para pouco mais de 900 mil quando jornais da News Corp., de Rupert Murdoch, ganharam circulação por conta de preços atraentes, marketing agressivo e um jornalismo mais sensacionalista.

Como principal jornal conservador do país, o Daily Telegraph tem apelo particular a possíveis compradores que desejam influenciar na política e na sociedade britânica. "Se você é dono do Telegraph e quer jantar com Tony Blair, basta dar uma ligada", exagera o analista da Numis Securities, Paul Richards.

Há muitos interessados confessos. Entre eles a Daily Mail and General Trust (DMGT), grupo de jornais britânicos; Tony O?Reilly, dono da Independent News & Media; e, até, companhias de jornais americanas como a Gannett. O executivo-chefe do grupo do Telegraph, Daniel Colson, está sondando empresas de consultoria especializadas em vendas administrativas. A empresa deve ser vendida a alguma instituição financeira, segundo informações de Patrick McGeehan [The New York Times, 18/11/03].