Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

A mídia eufemista

Bandidos geralmente atiram na cabeça, no peito e na barriga de suas vítimas, preferencialmente, com a clara intenção de matar. Ultimamente, pelo que leio nos jornais, eles passaram a ‘efetuar disparos’ no ‘crânio’, no ‘tórax’ e no ‘abdômen’ de suas vítimas. Que nem morrem mais: ou ‘falecem’ ou ‘entram em óbito’, segundo dizem os PMs que dão essa trágica informação aos repórteres. E tratam de passar a novidade rapidamente aos seus ávidos ouvintes, leitores e telespectadores.


Sumiram do noticiário, em questão de poucos anos, os parentes das vítimas, substituídos por alguns ‘familiares’, que devem ser pessoas de rostos conhecidos, mas não propriamente parentes, pois estes foram definitivamente sepultados no linguajar do jornalismo ‘muderno’. Ninguém mais faz nada, ‘realiza’ simplesmente. Tadinho do verbo ‘fazer’, vinha cumprindo tão bem o seu papel, mas, infelizmente, todos se cansaram dele.


Ninguém discute este ou aquele assunto, mas ‘sobre’ este ou aquele assunto. Ou ‘a respeito de’, como se diz nas dublagens dos filmes do TV, hoje assimiladas pelas novelas e irremediavelmente condenadas ao sucesso. Aliás (já substituído por ‘inclusive’), ninguém pede socorro nas situações de aflição, pede-se que alguém as ajude. Já disse aqui em casa mais de uma vez: não pretendo socorrer quem diz ‘alguém me ajude, por favor’, como se diz nos filmes dublados. Só ajudo se gritar ‘socorro’. E bem alto. Não sei como viver numa sociedade que não dá nome correto às coisas, numa sociedade em que o eufemismo prevalece sobre a informação.


Um inglês que envergonha a Inglaterra


A quantos me queixo das mudanças ouço que não devo resistir a essa tal modernidade e que a língua tem um dinamismo natural. Hoje se diz de uma forma, amanhã, de outra. Claro, eu estudei lingüística, mas não me convenci. À noite, geralmente, depois do bombardeio midiático de esquisitices, fico pensando por que a mídia eletrônica, por exemplo, que alcança 40 milhões de pessoas simultaneamente com apenas um jornal noturno, não contrata um profissional que saiba escrever em português. Em vez disso, põe lá na maquininha de fazer títulos um estagiário que, embora começando a carreira, fala inglês corretamente (o que lhe foi exigido na prova de ingresso), mas que nada lê em português.


Já veio assim da faculdade, não gosta de ler, escreve erradamente e ri quando lhe dizem que a palavra está grafada erroneamente. São esses os grandes agentes das mudanças lingüísticas no meu país, infelizmente. Numa penada, mudam a deriva da língua e a atiram na vala comum das bobagens universais, dos europantos claudicantes e do inglês ‘profissional’ que dá vergonha à Inglaterra.


Saraivada de idiotices


Pois são essas pessoas que, por exemplo, situam o protocolo das ações judiciais ‘junto a’ algum órgão, e não no próprio órgão onde deveriam entrar, ou seja, ao lado do local onde deveriam entrar. Fico atônito quando dizem que a ação vai ser impetrada (êta, juridiquês danado!) ‘junto ao’ Supremo Tribunal Federal porque não sei o que fica ao lado do STF. Seria o Itamaraty?


Dizem que o Brasil ‘possui 180 milhões’ de habitantes (como se deles tivesse a escritura de posse), que o tarado ‘violentou sexualmente’ sua vítima, que o veículo ‘colidiu contra’ o muro e que a pessoa muito ferida que está no hospital ‘não corre risco de morte’.


Enquanto isso, na página de correções, que o ouvidor impôs ao jornal com grandes dificuldades, registra-se a digitação errada de um termo verbal. Nem uma linha sobre a saraivada de idiotices que se espalha pelas páginas como se fosse um tiro de espingarda calibre 12, que, mesmo sem pontaria, é capaz de fazer um cego acertar numa mosca.

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Jornalista