Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Está na hora de mudar

LEITORES E A IMPRENSA

Deonísio da Silva

De acordo com pesquisa feita pela Toledo&Associados, a pedido da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a imprensa vence o Judiciário e o Congresso, mas perde para a Igreja e para a presidência da República.

Em percentuais deu-se o seguinte. O Congresso merece a confiança de 6,5% dos entrevistados. (Por que se escreve sempre Congresso Nacional? Em nossa estrutura política, há algum Congresso Estadual, Regional ou Municipal?)

O Judiciário ficou com 12%, em sexto lugar. O Ministério Público, em quinto, com 12,4%. A Advocacia em quarto, com 14,9%. A vice-campeã é a presidência da República, com 21,4%. E o primeiro lugar coube à Igreja, com 46,8%.

Nosso modo de escrever reflete conceitos profundamente arraigados nas almas, mentes e corações. Imagine-se como lê "Igreja" nos textos quem não é católico ou, mesmo sendo, reconhece, por democrático, que todas as religiões merecem o trato justo e a conversa clara, ao menos na imprensa. A Igreja que a pesquisa da Toledo&Associados recolheu como a instituição em que os brasileiros mas confiam é a Igreja Católica Apostólica Romana, a instituição tida por hegemônica em nosso país.

Vale a pena perder algum tempo e fósforo para acender outras luzes ou ao menos fazer com que faísquem pequenas chamas sobre algumas trevas. Com efeito, há indícios de que outras instituições religiosas avançam sobre os rebanhos católicos, de onde trazem novos conversos. Qual será, por exemplo, a taxa de confiança na Igreja Universal do Reino de Deus, cujas autoridades usam a nomenclatura da católica, denominando bispos os seus hierarcas? Que bispos são aqueles?

Na definição de bispo dada pelo dicionário Aurélio, o "bispo" Macedo não entra: "1. Padre que recebeu a plenitude do sacramento da ordem, na Igreja Católica Apostólica Romana. 2. Prelado que exerce o governo espiritual de uma diocese". Na do Houaiss, entra: "1. Na Igreja católica, eclesiástico que tem a plenitude do sacerdócio, com poderes de conferir os sacramentos da confirmação e da ordem, e que &eacuteacute; posto na direção espiritual de uma diocese, sendo, por sua função, considerado sucessor dos apóstolos de Jesus [Pode ser nomeado pelo papa ou sagrado por outro eclesiástico com poderes para tanto; hierarquicamente, só está subordinado ao papa e, eventualmente, a um arcebispo; os paramentos que o distinguem são o báculo, o anel, a cruz peitoral e a mitra.] 2. Em outras confissões cristãs, chefe espiritual de uma diocese".

É verdade que bispo designa também o uropígio de algumas aves, cujas penas do rabo semelham a mitra. Uropígio designa a sambiquira, a parte final das vértebras onde tais penas se incrustam. É desconcertante que a mitra, barrete próprio de altas autoridades eclesiásticas, tenha servido para designar certas penas das aves e a carapuça de papel em que os algozes enfiavam a cabeça do condenado pela Inquisição. Esta precisava caluniar, difamar e humilhar as vítimas, como se a fogueira onde seriam jogados vivos não fosse castigo suficiente. Tudo isso foi vencido, mas ficaram as palavras vagando nas sombras de seu misterioso reino, repleto de tantas sutis complexidades.

Vítima e cúmplice

Num país em que reclamar do governo ? e tudo atribuir a ele ? é a regra geral, ainda que menos do que celebra o hay gobierno? soy contra, a presidência da República, com tantas gafes, ficar à frente da imprensa é sintoma de que algo precisa ser feito. E que dizer das denúncias que têm infestado a Igreja (Católica Apostólica Romana) ultimamente, veiculadas na imprensa?

Marcada por denuncismos e por estampar nas primeiras páginas apenas o que vai mal, o leitor encontra outro tipo de sondagem na carta que enviou à Folha de S. Paulo (17/11/03, pág. A 3) o leitor Claudio Roberto Cernea, primo da adolescente Liana Friedenbach, barbaramente assassinada, juntamente com o namorado, Felipe Silva Caffé, nos primeiros dias deste mês, em São Paulo. Diz ele:


"(…) um aspecto que serviu para multiplicar o já imenso sofrimento de toda a família foi a forma como a mídia noticiou o ocorrido. Era necessária exposição tão crua e minuciosa dos escabrosos detalhes que envolveram essa barbárie? Será que a simples informação venderia menos jornais ou renderia menos pontos nas pesquisas de audiência do que a publicação e banalização ?ad nauseam? do número de facadas ou de estupros? (…)".


E Ramiro Alves, editor da revista IstoÉ, que deu a capa desta semana ao crime que chocou o Brasil, depois de aludir também ao recente caso de Suzane Louise von Richtofen, a quem a imprensa já tinha julgado e condenado antes de qualquer outra versão que não fosse a da polícia, escreve o seguinte:


"Se, por exemplo, os programas sensacionalistas que dominam as tardes nas tevês abertas combatessem o apartheid social com a mesma volúpia com que mostram detalhes sórdidos de crimes hediondos, talvez a sociedade não estivesse discutindo exclusivamente a aplicação de penas mais severas".


Liguemos as coisas. No Brasil, os analfabetos funcionais ? aprenderam a ler, mas não lêem nada ? são em maior número do que os analfabetos propriamente ditos. Por que os "analfabetos autodidatas", como os denominou o poeta Mário Quintana, não lêem livros? Porque o livro é muito caro, temos poucas livrarias, as bibliotecas estão com seus acervos desatualizados etc? Sim, sim, sim, as velhas desculpas de sempre, dadas como causas. Mas por que não lêem jornais e nem revistas? Estão nas bancas, estão na casa dos pais, que assinam e às vezes também não lêem, apenas dão uma olhada no jornal e na revista que assinaram.

O indicador da Toledo&Associados demanda outros olhares e novos desdobramentos. E a imprensa precisa fazer seu mea culpa, pois é vítima e cúmplice do abandono dos leitores. Não que precise ir necessariamente para o topo da classificação, mas merecer a confiança de apenas 20,1% dos leitores, "cousa é que admira e consterna", como diria Machado de Assis.