JORNALISMO DE ALCOVA
A história do jornalista do Daily Mirror que "invadiu" pela porta da frente o Palácio de Buckingham já se espalhou pela imprensa de todo o mundo. Embora tenha o componente jornalístico de detectar o nível de segurança da família real e reportá-lo, a história também põe em dúvida a conduta do jornalista que, com certas omissões e invenções curriculares, foi contratado como lacaio e afirmou não ter sido revistado nem na entrada nem na saída do palácio.
Ryan Parry se infiltrou na morada real por dois meses como membro da equipe que prepararia a visita de Estado do presidente George W. Bush ? saiu no dia 18/11, quando Bush chegou. "Se fosse um terrorista que planejasse o assassinato de membros da realeza ou de Bush, nada poderia tê-lo impedido", disse Jane Kerr em artigo ao próprio Daily Mirror [19/11/03]. Parry ajudaria a servir o café da manhã aos principais assessores de Bush, inclusive a conselheira de segurança Condoleezza Rice e o secretário de Estado, Colin Powell.
O que mais choca, segundo o artigo do Mirror, é o fato de as referências de Parry, que tem 26 anos, nunca terem sido devidamente conferidas. Uma simples busca na internet entregaria facilmente o jornalista.
Parry pôde circular livremente nas dependências do palácio, carregando malas e equipamento elétrico. Durante o serviço, tinha uma microcâmera no bolso, mas nunca foi revistado. Horas antes de o presidente dos EUA chegar, Parry foi designado para distribuir chocolates e frutas a Bush e sua equipe.
A falha na segurança que permitiu o ingresso de Parry em Buckingham está sendo investigada.
Escândalo de 15 páginas
O Mirror dedicou 15 páginas, cheias de fotos (quarta, 19/11) para falar sobre o "achado". O editor Piers Morgan disse que o jornal agiu em nome do interesse público de expor uma falha "escandalosa" de segurança no palácio.
De acordo com Ciar Byrne [The Guardian, 19/11/03], Morgan explicou que seu repórter abandonou o cargo de lacaio quando Bush chegou, de forma a não comprometer os sistemas de segurança que o circundavam. Em entrevista ao programa Today, da BBC Radio 4, o editor disse que, ao ser indicado para deixar frutas e chocolates à visita americana, o repórter poderia perfeitamente ter "feito qualquer coisa".
Parry se inscreveu para o trabalho de lacaio em agosto, quando o Palácio
de Buckingham anunciou a vaga em seu sítio.
No dia 20/11, a rainha britânica conseguiu uma injunção temporária no tribunal superior impedindo que o Daily Mirror publique quaisquer novas revelações sobre seu palácio. Nos dias anteriores, o jornal publicara detalhes embaraçosos da observação de Ryan Parry, de acordo com reportagem de The Times [20/11].
O mandado judicial vale para toda a mídia. A rainha alega que Parry
rompeu com o contrato que assinou ao entrar para o corpo de funcionários
do Palácio de Buckingham ao não cumprir os termos de confidencialidade.
O advogado David Pannick QC, em defesa da rainha, disse que a quebra de contrato
de Parry resultou em "intrusões óbvias e injustificadas"
na vida privada da rainha e outros membros do palácio.
Na segunda-feira (24/11), após muito bafafá, a rainha e o Daily Mirror chegaram a um acordo legal sobre as revelações do repórter Ryan Parry. O jornal não publicará mais nada.
No tribunal superior, o Mirror e Parry concordaram em entregar todos os documentos e fotos que não foram publicados e em não sindicalizar nenhum outro material já publicado. O jornal pagará, também, 25 mil libras pelas despesas legais da rainha.
Em troca, o palácio desistiu da acusação de invasão de privacidade e concordou que o Mirror poderá ficar com o dinheiro ganho ao sindicalizar a reportagem mundo afora ? valor na casa dos milhões, segundo o editor Piers Morgan.
Segundo informações de Owen Gibson [The Guardian, 24/11], o Mirror também pode repetir qualquer material das reportagens originais que apareceram nas edições de 19 e 20/11.