NÚMERO-NOTÍCIA
Antonio Fernando Beraldo (*)
A professora pediu a meu primo, então no auge da graça dos seus cinco aninhos: "Zezinho, cite três animais selvagens". Zezinho, na hora (hoje se diz top of mind), respondeu: "Tigre, leão e … marimbondo!" Tigres e leões, é claro, dos filmes de Tarzã que emocionavam a meninada nas matinês do Cine Palace. Quanto aos marimbondos, dolorosa e recente recordação de quando fora atacado, ao bulir numa caixa dos referidos himenópteros vespídeos.
Pesquisa de opinião pública é assim mesmo. Tem gente que vai ao cinema da vida e vê os tigres e os leões e os elefantes e os jacarés e os políticos e os juízes de futebol e outros animais selvagens e forma a opinião a partir do enredo da película ? ou do que a mídia se encarrega de falar. Pouquíssima gente sabe o que é a dor de uma picada de marimbondo, daqueles bitelos, africanos, que grudam o ferrão no pescoço e aquele calombo fica uma semana ardendo, e mais a febre, e as chineladas da mamãe, e as gozações dos amiguinhos…
Depois vão dizer que é implicância, mas olha só a manchete da Folha Online da terç-feira (10/11): "Congresso e Judiciário são instituições menos confiáveis, diz pesquisa". Segue-se o texto:
"O Congresso e o Judiciário são as instituições menos confiáveis do país, segundo uma pesquisa realizada pela Toledo & Associados a pedido da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil). A Igreja, a Presidência da República e a imprensa estão entre as de maior confiança, diz ainda a pesquisa. De acordo com a sondagem, apenas 7% das pessoas disseram confiar totalmente no Congresso e somente 12% afirmaram ter a mesma opinião sobre o Judiciário. (…) A pesquisa foi feita com 1.700 pessoas das classes A, B, C e D em 16 capitais das cinco regiões do país entre os dias 10 e 26 de setembro deste ano. Os entrevistados responderam questões sobre a imagem do Poder Judiciário, incluindo os advogados, o Ministério Público e os juízes".
E por aí vai. Quem tiver curiosidade sobre os detalhes da pesquisa, procure em <http://www1.folha.uol.com.br/folha/brasil/20031110-pesquisa_nacional_oab.pdf>.
"Votos válidos"
A pesquisa foi bem-feita, a mídia é que avacalha. Para começar, em lugar nenhum foi dito que a amostra não é representativa da população brasileira (e nem era para ser), mas, do jeito que é colocado, parece que a "pesquisa revela o que pensa sociedade sobre instituições", como se engana, entre todos, a revista eletrônica Consultor Jurídico. A não ser que se pretenda que não exista mais a classe socioeconômica E no país ? deve ser porque os pobres já estão todos devidamente na cadeia e não receberam os entrevistadores.
Outra coisa: como é que se avalia a imprensa com analfabetos (8% dos entrevistados)? Só se for pelas fotografias. Bom, depois de ultrapassarmos estes insignificantes detalhes, nos maravilhamos com as outras revelações:
** Segundo a pesquisa, a metade dos respondentes não sabia a diferença entre tigres e leões, isto é, entre advogado e promotor público. Dos que achavam que sabiam, 82% responderam errado. Quase 40% não sabem a diferença entre advogado e juiz! E 57% não sabiam a diferença entre juiz de Direito e promotor público… isto é que é conhecimento de causa para dar pitaco!
** Só 17% dos entrevistados contrataram advogados nos últimos 2 anos, com 25% em causas trabalhistas e 11% com relação a pensões alimentícias (isto é que ferroada!). Destes, 60% estavam satisfeitos ? 31% por terem ganho a ação, 18% por acharem que seus constituídos estavam trabalhando bem. Está bom, não?
** Só 14% das famílias dos entrevistados (afora eles mesmos) contrataram um advogado (para dar ferroadas ou se prevenir contra elas) e, destes, 58% estavam satisfeitos.
** Quanto à imagem do Ministério Público, a pergunta foi: "A Constituição de 1988 fortaleceu o papel do Ministério Público (procuradores federais e estaduais) no combate a corrupção, mas há quem pense que muitos procuradores têm extrapolado em suas funções e usado a imprensa para promoção pessoal. O(a) Sr(a) concorda ou discorda da opinião destas pessoas?"
Sacaram a maldade da perguntinha? Que tal "muitos procuradores", hein? Será que não dava para colocar "alguns procuradores"? Quantos procuradores existem? Mil? Cinco mil? No Brasil, segundo o Censo 2000, existem 10 mil juízes e 271 mil advogados. Vamos supor que sejam cinco mil procuradores federais e estaduais. Se 30 procuradores estão "extrapolando" e querendo virar superstars, estes são, para ser modesto, 0,6% do total. Muito pouco para serem "muitos", não? Ou, então, juntando com os Lalaus dos últimos tempos, a gente distorce aquela frase do Churchill, "nunca tão poucos fizeram tanto barulho para queimar tanto o filme de tão muitos".
** Vamos ao principal: a tal da "confiabilidade". Trinta e sete vírgula seis por cento dos entrevistados (e não da sociedade) desconfiam em parte ou totalmente do Poder Judiciário ? seja lá o que for isso; 38,7% confiam em parte ou totalmente. A margem de erro é de 2,4%, logo… empatou! Se retiramos da amostra os que "não sabem, ou não responderam", ou seja, se ficarem apenas os "votos válidos", o novo placar é: 46% confiam, totalmente ou em parte, contra 44% que desconfiam, totalmente ou em parte. Outro empatezinho.
** Quanto ao Ministério Público, que 27% dos entrevistados admitiram não saber do que se trata, os "confiantes" ganham dos "desconfiados" ? de 36,7% a 28,3%. Meno male.
De esguelha
Assim não dá, assim não é possível, como diz o ex-presidente FHC. Quem já esteve em qualquer um dos lados de uma ação nos tribunais sabe o inferno que é. Os processos demoram, os advogados falam uma língua que lembra o português, só que do tempo do Pero Vaz de Caminha. "Cabeça de juiz, barriga de vaca prenha e urna eleitoral, só abrindo para ver o que tem dentro", já dizia um provérbio mineiro.
E há juízes e advogados "do mal", é claro, aqui e na Suíça, vendendo sentenças, corrompendo e sendo corrompidos, principalmente nesta guerra civil do tráfico que as "autoridades" fingem não ver ? até que aparece um marimbondo, faz um estrago danado, vai o presidente (qualquer presidente) na TV e diz que libera X milhões para combater o crime. Dias depois, tudo esquecido, em nome do superávit primário. Prossigamos:
** No caso da imprensa, que ficou num honroso 3? lugar, ninguém perguntou "qual imprensa?". E assumiu-se que a imprensa é a mesma, em qualquer das 16 cidades pesquisadas. O mesmo no item Igreja ? veja, a propósito, o artigo "Está na hora de mudar", de Deonísio da Silva, publicado na edição passada deste Observatório [remissão abaixo].
** Curiosamente, não se colocou no ranking ou não se perguntou a opinião dos prezados respondentes sobre outras instituições muito ligadas à Justiça, como são as polícias (civil e militar) ou as penitenciárias. Faltou um bom número de animais selvagens nesta lista, mas, por curiosidade, transcrevo aqui o resultado de outra pesquisa, bem mais abrangente, do Ipson-Marplan, publicada na Seleções do Reader?s Digest (que todo mundo conhece por simplesmente Seleções, porque falar "ríders dáijest" é dose, e "digesto dos leitores" pior ainda). É a "Trusted Brands", com 7.500 leitores da revista, no Brasil (novamente a classe E não aparece ? que fim levou a classe E?):
Profissões
1) Bombeiros ? 96%
2) Pilotos de Avião ? 89%
3) Dentistas ? 78%
4) Professores ? 77%
5) Médicos ? 75%
6) Engenheiros ? 67%
7) Enfermeiros ? 66%
8) Farmacêuticos ? 52%
9) Jornalistas ? 51%
10) Psicólogos ? 50%
11) Motoristas de táxi ? 37%
12) Policiais ? 18%
13) Advogados ? 12%
14) Agentes imobiliários -11%
15) Políticos ? 1%
Instituições/Organiza&cccedil;ões
1) Correios ? 87%
2) Jornais ? 64%
3) Rádio ? 61%
4) Casamento ? 60%
5) Revistas ? 58%
6) Igreja ? 57%
7) Forças Armadas ? 55%
8) Televisão ? 46%
9) Sindicatos ? 45%
10) Empresas Multinacionais ? 38%
11) Governo ? 23%
12) Transporte Público ? 21%
Então, senhoras e senhores, o que lhes parece? Quanto a mim, acho que a classe "políticos" ? que não é profissão, ou é? ? está um tanto superestimada. No caso dos bombeiros e dos pilotos de avião, por precaução, está mais que correto. Idem no caso dos dentistas, mais por temor do que precaução. Quanto ao casamento, confio 100%, uma vez que minha mulher me espia de lado enquanto escrevo, e não se deve bulir com caixas de marimbondos.
(*) Engenheiro, professor do Departamento de Estatística da Universidade Federal de Juiz de Fora
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