Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O fato e a notícia

CAIXOTINS

Carlos Brickmann (*)

Neste Observatório da Imprensa, colegas altamente qualificados já tratam dos temas relevantes. Esta coluna pretende ficar no básico ? aqueles pequenos erros que, juntos, fazem com que a informação jornalística se torne inconfiável. Como diz um de nossos grandes jornalistas, Renato Ribeiro Pompeu, leia em vários jornais algum evento que você presenciou. Nunca mais confiará em jornalista nenhum!

O Renatão, copy de primeira, já mereceu até uma quadra do Mino Carta ("Renato Pompeu, dos Ribeiros/ senhor do texto conciso/ escreve ao deus dos pauteiros/ e pede um repórter preciso"). Mas não é preciso ser um jornalista de primeira para desconfiar que a Terra do Nunca, o famoso rancho de Michael Jackson, não tem 10 mil km? de área ? ou caberiam apenas 850 propriedades do cantor no Brasil inteiro. Em tamanho latifúndio, ele sequer conseguiria encontrar os companheirinhos de trabalho de que tanto gosta.

Tamanhos, pesos, preços ? quilo, tonelada, milhão, bilhão, tudo é a mesma coisa. Quando a União Soviética invadiu o Afeganistão, um jornal informou que os Estados Unidos, em represália, haviam bloqueado o embarque de mil quilos de trigo. Mil quilos? O redator se explicou dizendo que não sabia se trigo era leve ou pesado. Tudo bem, a gente também não sabe ? mas a represália americana aos soviéticos caberia em uma Kombi?

Empresários costumam queixar-se muito dessa imprecisão. Mas por que deveriam ser mais bem informados do que a população em geral?

Não há dúvida: o título é a parte mais lida de qualquer notícia. E, também sem dúvida, é a parte mais descuidada de qualquer notícia. Há dias, quando uma das seleções brasileiras jogou contra o Santos, estava no título que Robinho prometia humilhar Narciso, seu companheiro de clube. O texto era um pouco diferente: Robinho dizia que, embora Narciso fosse seu companheiro e amigo, tentaria driblá-lo durante o jogo. Sejamos claros: se tomar um drible fosse sinônimo de ser humilhado, todos os jogos de futebol terminariam em tiroteio.

O pior é que esses títulos saem no jornal e vão parar no rádio. Lá, em notícias curtas, o que se divulga é o título, não o texto. E com isso um secretário da Prefeitura paulistana já foi derrubado. Perguntaram-lhe se iria remover determinada favela, e ele informou que sim, porque em 95% das favelas próximas a bairros ricos, segundo pesquisa da administração anterior, há infiltração de bandidos, que expulsam os moradores habituais.

No título, saiu algo como "Secretário diz que 95% dos favelados são bandidos". O pessoal do rádio perguntava aos ouvintes se eles concordavam com o secretário, que teria dito que 95% dos favelados são bandidos. Os ouvintes ficaram indignados; uma resposta muito ouvida foi a de que bandido era ele, não os favelados. O secretário caiu.

Dois amigos se encontram na rua. "Ô, seu b…!" O outro reage: "Tua mãe não se queixa!" Houve troca de insultos ou uma conversa amigável?

Pois é: há muitos e muitos anos, numa viagem da Caravana da Cidadania, o candidato Lula se queixou do presidente, dizendo algo como "Este filho da p… do Itamar está perdendo a chance de fazer um grande governo!"

Foi o suficiente: disseram que Lula havia insultado a mãe de Sua Excelência. Itamar ficou chateado, mas depois entendeu: a imprensa havia traduzido uma frase coloquial como se fosse uma declaração formal.

Lula caiu de novo: o presidente não criticou o técnico Parreira, e no entanto foi isso que saiu na notícia. Lula fez um comentário de torcedor, num bate-papo informal, e isso se transformou em título afirmativo. Parreira, normalmente impassível, se irritou e disse que jamais daria palpite no Ministério. "Cada macaco no seu galho", acrescentou.

Ainda bem que ninguém se lembrou de dizer que Parreira tinha chamado o presidente de macaco.

Na tentativa de evitar a golpes de caneta a invasão do Iraque, nossa imprensa cansou de dizer que o custo da guerra agravaria a crise econômica dos Estados Unidos. Este colunista ficou perplexo: sempre tinha ouvido dizer que gastos militares impulsionam a economia capitalista, tanto assim que os americanos só tinham saído da crise econômica iniciada em 1929 por causa da Segunda Guerra Mundial. Mas, se nossos especialistas o dizem, devemos acreditar neles, né?

Né não: os Estados Unidos voltaram à rota do crescimento acelerado. E aí vem o mais engraçado: o presidente George Bush e o Federal Reserve fizeram exatamente aquilo que a imprensa pede a Lula e ao Banco Central que façam ? corte de impostos, redução dos juros, retirada da atual ênfase no superávit primário. A economia cresceu. E, em vez de mostrar a Lula e Henrique Meirelles que outro mundo existe, passamos a criticar os americanos ? com juros tão baixos (1% ao ano), com menos impostos (corte de 600 bilhões de dólares), com déficit fiscal, a economia americana não pode ir bem. Assim está decretado. E, se for bem, desmentindo as previsões, um dia certamente irá mal, dando enfim razão aos críticos.

A notícia que está na imprensa: empresas distribuidoras de energia elétrica devem 231 milhões de dólares a Itaipu. A notícia que não está na imprensa: se a dívida existe, é que Itaipu não quer cobrá-la. Por lei, as distribuidoras que atrasarem pagamentos às geradoras estão sujeitas, após o prazo de 15 dias, ao bloqueio de suas contas bancárias, até que o débito seja honrado.

A lei diz que nenhum veículo de comunicação pode divulgar o nome ou o retrato de menores infratores. Nada a objetar. A dúvida, entretanto, é se deve ou não haver exceções.

Xampinha, por exemplo. O adolescente, de 16 anos, chefiou adultos com o dobro de sua idade no seqüestro, tortura e assassinato dos jovens Felipe Caffé e Liana Friedenbach. Participou do crime com absoluta frieza e, quando apanhado, relatou os acontecimentos sem qualquer emoção (como se estivesse descrevendo um passeio).

É correta a proibição de publicar nome e foto deste menor? Seria defensável a tese de que é preciso poder reconhecê-lo, caso escape da Febem e se aproxime de gente indefesa? Será que a população não tem o direito de saber com quem é que estamos lidando?

(*) Jornalista; e-mail <carlos@brickmann.com.br>