Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alberto Dines

PACIFISMO & TERRORISMO

"As seduções do terror", copyright Jornal do Brasil, 22/11/2003

"Como classificar ideologicamente os 150 mil ingleses que se reuniram em Londres para protestar contra a visita de George W. Bush? Podem ser esquerdistas ou direitistas, trotsquistas, bolcheviques ou trabalhistas autênticos, nacionalistas extremados ou internacionalistas sinceros, fanáticos religiosos ou agnósticos, ambientalistas radicais ou vegetarianos convictos.

Antes de tudo, consideram-se pacifistas. Esse é o teor explícito e implícito das manifestações, mensagens e encenações contra o detestado hóspede americano e seu complacente anfitrião britânico. Como pacifistas, revoltam-se contra a invasão do Iraque, reclamam contra soluções bélicas como forma de resolver conflitos, recusam o uso da morte como instrumento de ação política.

São humanitários e humanistas. E, no entanto, silenciaram diante do segundo ataque terrorista em Istambul em menos de uma semana. Não se comovem com a liquidação em massa de inocentes, esse sangue derramado é de outra cor, plasma diferente, não toca suas sensibilidades. Os quase 100 mortos e quase mil feridos na Turquia ou na Arábia Saudita são islâmicos que não contam, não entram na sua fria contabilidade. Também são desprezíveis os cadáveres estilhaçados em Bagdá, Bali, Bogotá ou Jerusalém nas semanas e meses anteriores. A guerra que se espalha pelo mundo — regular, metódica, crescente, consistente — não lhes causa horror.

Os pacifistas de hoje sofisticaram-se: são contra algumas guerras e a favor de outras. Seguem a tendência contemporânea da segmentação: assinam manifestos contra determinadas sangueiras e, levados por santas iras, endossam outras. Revanche e vingança não lhes são abjetas porque capitularam ao relativismo; imaginam-se herdeiros do racionalismo e do conhecimento. Têm sutis interpretações para as maiores brutalidades porque precisam delas para alimentar o jurássico raciocínio de que os fins justificam os meios. Politicamente corretos? Não: rigorosamente imorais. Revolucionários e reacionários, iluministas e obscurantistas — essa a tragédia do nosso tempo.

Para opor-se a Bush e Blair não é preciso acumpliciar-se a Bin Laden ou Saddam Hussein. Para enfrentar a política suicida de Sharon basta apoiar o Acordo Simbólico que será assinado nos próximos dias em Genebra entre a esquerda israelense e palestina, extraordinária façanha de verdadeiros pacifistas, legítimos idealistas. A repulsa ao muro e ao gueto que estão sendo construídos na antiga Palestina não pode justificar os esgares antijudaicos do déspota malásio Mahathir Mohamad e do grego Mikis Theodorakis, veterano antifascista agora nazificado.

Para combater o unilateralismo dos neoconservadores americanos é preciso fortalecer a ONU e todos os organismos internacionais, em vez de justificar o bárbaro atentado que encerrou a ação das Nações Unidas no Iraque e tirou a vida de um estadista do porte de Sérgio Vieira de Mello.

Essa complacência com a crueldade infiltra-se insidiosamente em nossa forma de pensar e agir. Em dosagens nada homeopáticas, estamos sendo imunizados para aceitar as diferentes violências que se instalam no corpo e na alma da famigerada sociedade cordial.

A desumanidade do burocrata da Previdência que soprou nos ouvidos do ministro Ricardo Berzoini a insana idéia de obrigar os nonagenários a receber pessoalmente os benefícios para acabar com a máfia das aposentadorias foi minimizada pelo presidente da República com a metáfora inocente do ?gol contra?.

Embora revogado, foi um clamoroso e inominável abuso que não pode ser subestimado, sob pena de gerar outros tantos nos férteis laboratórios do Olimpo brasiliense, acostumado, há décadas, a atropelar os que não dispõem de lobbies nem de corporações para defendê-los.

Em boa hora, o ministro Márcio Thomaz Bastos arrependeu-se da reação insensível e arrogante à dor do pai de Liana Friedenbach (a jovem assassinada por um menor) e anunciou que vai recebê-lo para explicar por que é contra a redução da maioridade penal.

Como essas, há centenas de armadilhas espalhadas numa sociedade que continua empurrada por palavras de ordem nem sempre justas e simplificações quase sempre incorretas. São pequenas amostras de outras, gigantescas, que empurram o mundo, 70 anos depois da ascensão de Hitler, a submeter-se ao terror e suas fascinantes ambigüidades."

ECOS DA GUERRA

"Guerra de notícias", copyright Folha de S. Paulo, 25/11/03

"Em janeiro de 2002, o jornalista norte-americano Daniel Pearl foi morto por radicais islâmicos no Paquistão. Fazia uma reportagem sobre extremistas para o diário econômico ?The Wall Street Journal?. Teve a garganta cortada em frente a uma câmera, filme que depois rodou o mundo via web.

Nas últimas semanas, chegaram às livrarias brasileiras dois livros que tratam do assunto. ?Quem Matou Daniel Pearl??, de Bernard-Henri Lévy, em que o filósofo francês discute as relações dos EUA com o Paquistão, e ?Cidadão do Mundo?, de Helene Cooper, jornalista amiga de Pearl que faz uma compilação de seus textos.

Sua morte causou comoção e tocou o mundo, e os dois livros tentam explicá-la (no primeiro caso) ou relembrá-la (no segundo), mas fogem do principal: todos os anos, dezenas de jornalistas são mortos em conflitos ou em ação em zonas de perigo, como foi o caso de Daniel Pearl.

Nos 43 dias de duração oficial da Guerra do Iraque, 16 jornalistas morreram ou desapareceram. Para efeito de comparação, na Guerra do Vietnã (1964-75), 50 profissionais foram mortos. Proporcionalmente, morrem muito mais repórteres hoje em dia.

E devem morrer mais ainda, muito por culpa da própria imprensa. Da imprensa norte-americana, que influencia o resto do mundo e faz com que a categoria como um todo leve a fama. É que cada vez menos as partes envolvidas nos conflitos enxergam o repórter como uma força imparcial.

Tudo começou na Guerra do Vietnã, um marco nesse tipo de cobertura. Os correspondentes gozavam então de uma liberdade sem precedentes, por diversos motivos, entre eles o fato dos EUA serem então um país ?convidado? pelo Vietnã do Sul, que tomou para si a tarefa de organizar e vigiar os jornalistas estrangeiros.

Foi muito por influência das imagens que os norte-americanos assistiam em suas casas nos telejornais das 18h que a sociedade civil se mobilizou e exigiu que o país se retirasse de um conflito que não era seu e no qual sofria baixas terríveis e cometia atrocidades.

O Pentágono ?aprendeu a lição?. Desde então, em todos os conflitos nos quais os EUA se envolveram (e foram dezenas), intensificaram o controle sobre a imprensa norte-americana -que passou a fazer um trabalho mais comprometido, principalmente as emissoras de televisão.

Com o passar do tempo, os povos dos países agredidos ou agressores que se envolveram em pinimbas com os EUA passaram a identificar como defensores dos interesses do governo norte-americano, pela ordem: os jornalistas televisivos norte-americanos; os jornalistas norte-americanos; todos os jornalistas ocidentais.

De observadores, jornalistas passaram a inimigos. Nos Bálcãs, por exemplo, um repórter morto valia US$ 500. A consequência é que o assassinato de Pearl pode ser simbólico, mas não foi o primeiro nem será o último, infelizmente."

 


"?Quem Matou Daniel Pearl?? é contrário à paixão do ódio", copyright Folha de S. Paulo, 25/11/03

"A capa do original francês é preta. Como uma mortalha estendida sobre os restos de Daniel Pearl, sequestrado e degolado em 2002, em Karachi. Por ser ele jornalista, judeu e americano? Da perspectiva dos assassinos, espião, inimigo israelita e portador dos pecados do mundo.

Cem vezes, nos dias de cativeiro, o sequestrado disse uma mesma verdade. Que, se existisse um só americano e um só judeu para lhes estender a mão, que, se houvesse um só homem para recusar a guerra de civilizações e insistir na paz com o Islã, o homem era ele, Daniel Pearl, americano hostil ao que a América tem de arrogante, judeu de esquerda, progressista, amigo dos deserdados.

O repórter do ?Wall Street Journal? foi morto por querer descobrir se Bin Laden tinha ou não armas capazes de alterar radicalmente as relações de força entre Oriente e Ocidente. Por saber demais sobre uma organização que, a qualquer momento, podia acionar o fanatismo islâmico.

Antes de chegar a essas conclusões, Bernard Henri-Lévy ousou entrar num mundo de paixões sangrentas, manipulações perigosas e mentiras de Estado. Arriscou a vida para responder a duas questões: Quem matou Daniel Pearl? Que segredo ia ele revelar quando foi degolado?

Para ir além da versão oficial, Henri-Lévy passou meses escutando pessoas e visitando diferentes lugares nos EUA, Inglaterra, Paquistão e Índia.

A obra expõe o assassinato como a expressão da tragédia da guerra de civilizações, criticando o antiamericanismo, o anti-semitismo e a islamofobia.

?Quem Matou Daniel Pearl?? é um livro contrário à paixão do ódio, que levará os americanos a se perguntarem porque são odiados e o que devem fazer para reconquistar a confiança dos outros povos e do próprio.

Quem quiser saber ?como funciona o demoníaco hoje?, por que ?a abjeção se tornou desejo e destino?, precisa ler este texto, que analisa a vontade planetária de vingança e dá sentido à expressão direitos humanos. Tanto mostra a importância do papel do jornalista quanto do filósofo, que faz da atualidade o seu tema e do movimento a condição da sua filosofia. O filósofo que, na grande tradição de Montaigne, sai da torre de marfim para o mundo."

 


"Polícia fecha escritórios da TV Al Arabiya", copyright Folha de S. Paulo, 25/11/03

"A polícia iraquiana fechou ontem os escritórios da rede de TV Al Arabiya em Bagdá. O Conselho de Governo Iraquiano acusa a rede de incitar a violência por ter colocado no ar uma fita com a voz do ex-ditador Saddam Hussein pedindo que os iraquianos resistam à ocupação.

A rede de TV, cuja sede é nos Emirados Árabes Unidos, negou que tenha violado a lei. E defendeu que haja mais liberdade de imprensa no país. As autoridades iraquianas afirmam que a Al Arabiya precisará enviar uma carta se comprometendo a não incentivar mais o terrorismo.

A Al Arabiya rejeitou o pedido, afirmando que não fez apologia ao terrorismo."