Tuesday, 26 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Moacir Japiassu

JORNAL DA IMPRENÇA

"Deteriorizações online", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br) 20/11/2003

"Nosso considerado leitor Rafael Silvestre, estudante de jornalismo, leu no site BBC Brasil, abaixo do título ?Recém-empossada?, mulher mais velha do mundo morre aos 114:

?A pessoa considerada mais velha do mundo morreu nesta quinta-feira, no Japão, aos 114 anos de idade. Mitoyo Kawate morava em Hiroshima, oeste do Japão. Segundo Masatoshi Yamada, porta-voz da prefeitura da cidade, ela morreu de pneumonia em um hospital local. Mitoyo estava vivendo em um asilo na cidade, mas teve que ser internada devido à deteriorização de seu estado de saúde.

O Guinness dos Recordes reconheceu Mitoyo como a pessoa mais velha do mundo depois da morte de outra japonesa, de 116 anos, no dia 31 de outubro.?

Também levei um susto com a ?deteriorização?, Rafael; afinal, deterioração já era palavra por demais impiedosa para se descrever o estado da velhinha, quando o idioma nos oferece agravamento ou piora, né mesmo?

Todavia, a preocupação de Janistraquis tem, digamos, mais consistência social: ?Considerado Rafael, a notícia do BBC Brasil esclarecia se dona Mitoyo era ou não fumante? Pergunto porque, há pouco tempo (releia coluna de 30/10), o cambojano Sek Yi, de 122 anos, morreu de tanto fumar, segundo revelou o UOL?.

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Dureza braba

Mais alerta que ?Lobinho?, como é chamado o escoteiro-mirim, nosso considerado Carlos Marchi passa os olhos por O Globo e não perdoa:

?Veja esta pérola, capturada na coluna ?Buenos Aires?, assinada por Janaína Figueiredo:

?Em Buenos Aires, existem dezenas de hotéis, mas nem todos são iguais.?

Já pensou se todos fossem exatamente iguais, um cópia do outro? O que seria dos turistas??.

É mesmo, Marchi, nem mesmo a evangélica Benedita iria suportar, principalmente se todos fossem idênticos ao pior hotel da Boca, por exemplo.

?Seriam todos ruins mas, pelo menos, a gente poderia pagar numa boa, sem gastar um tostão do governo…?, lembra Janistraquis, que anda mais duro do que turista argentino ou jogador do Ceará.

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Dá-lhe, Aluizio!

Esta coluna cumprimenta o jornalista Aluizio Maranhão, de O Globo, que deu uma lição de inteligência e coragem no programa Observatório da Imprensa desta terça-feira. Ao analisar o papel da mídia diante dos crimes hediondos, Maranhão, brilhante companheiro da Istoé dos primeiros tempos, encarou de frente a burrice e a má-fé que se esfregam pelas Redações afora, cavalgadas pela estupidez do comportamento ?politicamente correto?.

Janistraquis aplaudiu: ?É isso aí, considerado; enquanto existirem profissionais como Aluizio Maranhão a debilidade mental não há de prosperar no jornalismo brasileiro.?

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O fim da picada

O escritor Antonio Carlos Olivieri, autor, dentre tantos livros excelentes, do recém-lançado O Sexo dos Deuses (Editora Nova Alexandria), anda disposto a trocar a mitologia grega pelo mundo animal propriamente dito. Eis o seu relato:

?Sucede que o caderno Cotidiano, da Folha, estampou este belíssimo título: Acupuntura pode livrar animais da morte. Nem li o texto, saí às ruas à procura de um acupunturista que me livrasse da ?indesejada das gentes?, já que – mesmo não perpetrando esse tipo de títulos – também faço parte do reino animal.

O que me espanta é que tão importante descoberta da ciência oriental saísse assim, escondidinha, no caderno Cotidiano. Afinal, qualquer método que possa nos livrar da morte mereceria no mínimo a primeira página. Vocês não acham??.

Claro que achamos, Tonico; claro que achamos.

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Pagamento atrasado

Diretor de nossa sucursal cearense, Celso Neto espantou-se com o que leu num jornal de sua terra. Escreve ele:

?A ?liseira?, também conhecida como ?pindaíba? e ?miserê?, é um fantasma que assusta a maioria dos brasileiros, mas daí a transformar dinheiro em avantesma ou ?assombração?,como chamamos aqui no Ceará, já é um exagero.

Veja o que publicou nosso incansável Diário do Nordeste: ?Na próxima quarta-feira, a diretoria do Ceará estará efetuando o pagamento de parte da dívida que tem com os jogadores que atuaram pelo time no segundo semestre de 2003. O diretor financeiro Hildebrando Malveira espera que possa aparecer dinheiro antes disso, pois, do contrário, o clube recorrerá a um empréstimo bancário.?

Dinheiro, pelo que sei, não nasce em árvore nem ?aparece?, como se fosse uma assombração.?

Celsinho, Janistraquis garante que você diz isso porque não tem ido a Brasília ultimamente…

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Volta à raiz

Janistraquis jura que se não fosse o item ?assunto?, preenchido no cabeçalho da mensagem, ele jamais entenderia esta queixa do nosso considerado leitor Joel Olivera:

?Ainda sobre a morte da querida Rachel de Queiroz, vi um texto publicado no Caderno 2, do Estadão, cujo título deve estar fazendo o Mesquita bisavô se revolver no túmulo.

A matéria, muito bem escrita pelo editorialista José Nêumanne, é uma retrospectiva graciosa da vida da escritora, mas peca ao cometer uma pérola em seu título garrafal: Uma alma sertaneja, de volta à raiz.

Se a idéia era fazer uma blague ou trocadilho da situação, seria, no mínimo, infeliz e inoportuno, inclusive em função do jornal (apesar que eu acho que até para o pessoal do Casseta e Planeta seria uma indelicadeza de mamute).

Quero crer que o título não teve a intenção de zombar da situação, o que seria um pecado mortal, digno de mandar seus autores direta e inapelavelmente para o mais profundo dos infernos, tal o seu cinismo.

Quero crer que foi apenas uma cochilada múltipla do jornalista, do revisor e do editor, e que o reino dos céus ainda não está totalmente fechado pra eles…?.

Janistraquis leu, releu, não entendeu, leu novamente. Então, deu uma esguelhada no assunto, lá no cabeçalho da mensagem. Estava escrito: Comendo capim pela raiz.

Pode acreditar, considerado Joel, que Nêumanne jamais zombaria de tão ilustre e vascaína personalidade, embora ele seja um empedernido torcedor do Flamengo.

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É muito ouro!

O diretor de nossa sucursal no DF leu no Correio Braziliense, prudentemente acocorado sob o título Roubo de ouro com fuzis AR-15, o seguinte texto:

?Bandidos armados com fuzis AR-15 roubaram ontem 140 quilos de ouro (…) da Mineração Serra Grande, em Crixás, no meio-oeste de Goiás. (…). A Serra Grande produz 10% de todo o minério do país e é a maior exportadora de ouro do Brasil.?

Roldão escreveu à Direção do jornal: ?O minério está na Natureza. A empresa pode pro-ces-sar 10% do minério de ouro do país mas não o produz.?

Nosso diretor tem razão. E aproveito para esclarecer que quem estava prudentemente acocorado sob o título era o texto e não o consideradíssimo Roldão, que é homem sério.

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Segurança Máxima

Estava lá, na Ilustrada da Folha Online, o mais indignado desabafo da semana, capaz de fazer os ministros Márcio Thomaz Bastos e Christovam Buarque enfiarem de vez a cabeça no areal do cerrado:

?Hebe diz que, se entrevistar Champinha, ele ?não sai vivo?.

A apresentadora Hebe Camargo, do SBT, disse ontem em seu programa ter vontade de matar o menor R.A.A.C., 16, o Champinha, acusado de ser o mentor do assassinato dos namorados Felipe Silva Caffé, 19, e

Liana Friedenbach, 16.

?Eu vou fazer uma entrevista com você [Champinha]. Vou mesmo. Se me deixarem eu vou. Mas eu vou armada. Eu saio de lá e vou para a cadeia. Mas ele não fica vivo?, afirmou.?

No dia seguinte, deu no UOL: Promotoria quer analisar declaração de Hebe sobre Champinha, o que provocou esta breve manifestação de Janistraquis: ?Considerado, o Brasil meteu de tal forma os pés pelas mãos que Hebe ainda fará companhia a Fernandinho Beira Mar na penitenciária de Presidente Bernardes e Champinha vai sair dessa convocado pra Seleção Sub-17.?

É possível; afinal, na idade dele poucos são tão perigosos no ataque.

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Nota dez

O melhor texto da semana é do jornalista, poeta e crítico literário Nei Duclós, que escreve artigo intitulado O Iluminista Quântico, especialmente para a editoria Em Pauta, deste portal. No texto, Nei recorda os bons tempos que passou na revista Senhor, sob os eflúvios deste jornalista precioso que é Mino Carta. Eis um trechinho:

?Mino quer um capitalismo esclarecido para o Brasil, uma elite brilhante e responsável, um povo incluído na economia, na política e na cultura. Seu encanto com Lula foi a constatação de que o Brasil poderia ter uma chance de ser diferente, de não cair sempre nas mesmas armadilhas, de superar-se. Mino mesmo é um exemplo de auto-superação. Conseguiu dar a volta por cima com a Senhor e, quando ela foi anexada à Istoé e depois sumiu como por encanto, teve ainda que passar um tempo sem seu veículo próprio. Voltou com Carta Capital quinzenal, como aconteceu no início da Senhor, e como esta, passou para semanal num salto quântico que também marcou época. Hoje, Carta Capital é o mais importante veículo de comunicação do País.?

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Errei, sim!

?OBSCENIDADE – Manchete de página do Portal, jornal nipo-brasileiro: A virgem de pau pranteia. Janistraquis imaginou que fosse alguma obscenidade. Não era.? (abril de 1989)"

 

JORNALISMO CULTURAL

"Medo do pop?", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br) 18/11/2003

"Quem conta a historia é Arthur Gelb, veteraníssimo repórter e editor da área de cultura e cidade do New York Times, em sua recém lançada autobiografia, City Room.

Corria o ano de 1972, dezembro mais precisamente, e a cúpula do New York Times debatia-se há dias com um terrível dilema – o que fazer com aquele filme pornô que, desafiando todas as previsões e, principalmente, a esnobada completa do Times , insistia em quebrar todos os recordes de bilheteria? O tal de Garganta Profunda, que os poderosos chefões do jornal haviam decidido não ser apropriado para as excelsas páginas do diário?

Gelb, então um jovem editor ardendo de vontade de atualizar a cobertura de cultura do Times, decidiu que não agüentava mais de curiosidade – arrebanhou os sete integrantes de sua equipe e marchou, o mais discretamente possível, para o cinema do então suspeitíssimo Times Square que exibia Garganta.

Durante uma boa meia hora Gelb e sua equipe se deleitaram com os feitos de Linda Lovelace. Até que uma voz se fez ouvir pelo sistema de alto-falante do cinema ?Senhor Arthur Gelb do New York Times e sua equipe, favor retornar imediatamente à redação!?.

O sentido da anedota, como aparece em City Room, é revelar não tanto o controle exercido pelo Times sobre suas equipes (algo que, como vimos pelos recentes incidentes de ?jornalismo criativo?, mudou bastante ao longo das últimas tres décadas) mas a fobia que nele imperava por qualquer coisa que cheirasse a rua, a pop, a vulgar, a massa. Mesmo que fosse um fato incontornável – como Garganta Profunda, que define tanto a década de 70 quanto os filmes de Scorsese e Coppola, o rock de David Bowie e Sex Pistols, a cocaína e o Studio 54. Todos, aliás, elementos para os quais não apenas o New York Times, mas quase toda a chamada ?grande imprensa? prestou atenção tardia, rarefeita e quase sempre equivicada.

O jornalismão cultural tem medo do pop?

Nos 70, tinha – parte dessa santa ignorância era o que servia de combustível para nanicos e alternativos de toda nacionalidade.

Hoje, curiosamente, vejo o fenômeno se repetir em outra escala, com a internet fazendo o papel outrora representado por nanicos e alternativos.

Lembro-me vivamente, por exemplo, de, ali pela metade da década de 90, ouvir, a cada visita ao Rio, quantidades industriais de funk carioca nas rádios comunitárias e detectar sinais óbvios de uma maciça cultura de bailes, sem que houvesse o mais pífio registro na grande imprensa do que, claramente, era uma vital tendência de culura popular.

Lembro-me de ficar deleitada com o charme Motown-naif da dupla Claudinho & Buchecha e, ao abordar o assunto com o editor de um caderno de cultura de um grande jornal, ouvir uma sonora gargalhada. ?Os caras eram pedreiros na Baixada Fluminense! Imagine só!?, foi a resposta.

E Garganta Profunda? Saiu no Times, numa matéria tardia e meio envergonhada. Do mesmo modo como o Los Angeles Times ?descobriu? os Osbournes quando o reality-show deles já estava na segunda temporada e não era mais tão divertido. Ou como o funk carioca passou a ?existir? oficialmente em 2000, graças ao ?Bonde do Tigrão?."

 

JORNALISMO IDEALISTA

"Precisamos, sim, do jornalismo idealista", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br) 21/11/2003

"O XIS DA QUESTÃO – Comparado com o de antigamente, o jornalismo de hoje tem problemas novos, que reclamam novas competências, que exigem, por sua vez, ferramentas conceituais e habilidades mais sofisticadas. Até por isso, precisamos, sim, de profissionais (de todas as idades) que busquem e continuem a acreditar no idealismo que vincula o jornalismo à elaboração de um mundo ético.

1. Maturidade (?) arrogante

Já se passaram dois anos, mas relembro episódio sempre que me parece oportuno. Como agora. Corria o mês de novembro de 2001 e estava eu em Coimbra, no lançamento de um livro que editara por lá (Linguagem dos Conflitos, Minerva Coimbra, 2001), obra dedicada ?aos jovens que escolheram o rumo do jornalismo?. Talvez por isso, e também porque o público presente era formado quase só por professores e estudantes de jornalismo, o evento ganhou características acadêmicas. Virou um pequeno seminário, tendo o livro como pretexto e mote.

Na hora dos debates, pediu a palavra um senhor alto, de cabelos brancos, certamente de enorme sabedoria, professor da histórica Faculdade de Letras da velha Universidade de Coimbra, à qual o curso local de Jornalismo estava vinculado. Com discreta pompa retórica, elogiou a proposta do livro, de um conceito ético do jornalismo, e o mérito do rumo apontado, de práticas orientadas por compromissos vinculados a valores humanistas. Daí, em oratória hábil, transitou para o desencanto sedutor do ceticismo, dizendo aos jovens ali presentes que, lá fora, depois da Universidade, os esperava um mundo materialista, competitivo, perverso, que lhes destruiria o idealismo cultivado nos bancos acadêmicos. Em resumo, eis a idéia que ele tentou passar aos jovens estudantes ali presentes: ?Não valerá a pena lutar por ideais?.

Saltei-lhe nas goelas – em sentido figurado claro: ?O senhor, como professor, não tem o direito de dizer uma coisa dessas aos jovens que a universidade está formando?.

Lembro-me bem do argumento que usei, na polêmica que decidi provocar. E ainda o uso por aí, nesses eventos que as faculdades de jornalismo organizam, para debater questões que supostamente interessam aos seus alunos. Nas mesas, mesclam profissionais e professores de bom nome, a fim de que no debatem aflorem, e se contraponham, a visão acadêmica e a visão prática.

Com freqüência que me incomoda, encontro nesses debates profissionais bem sucedidos que fazem questão de, ao mesmo tempo em que exaltam os próprios sucessos, se empenham em destruir o idealismo dos jovens. Com estudada e cética indiferença, fazem a pregação do ?não vale a pena?, porque ?vocês vão ter pela frente editores testas de ferro de patrões que só pensam no lucro. E não há saída: vocês têm de fazer o que os chefes querem, ou vão para o olho da rua?.

Certa vez, na Unisantos, topei com dois desses sujeitos. O tema em debate era criatividade na edição, ou algo assemelhado. Falei depois deles e abandonei o que havia planejado dizer, para cuidar dos disparates que os dois haviam dito.

E comecei com uma pergunta, bem direta: ?Com vocês, no início das vossas carreiras, aconteceu isso que estão vaticinando para esses jovens prestes a ingressar na profissão? Vocês desistiram dos ideais??.

A resposta foi a previsível, um praticamente repetindo o outro: ?Não, comigo não. Lutei pelas minhas idéias e resisti às pressões com o meu próprio trabalho?. Fiz, então, a segunda pergunta: ?Então, se vocês puderam resistir e realizar o vosso ideal profissional, por que estes jovens a quem falamos não podem, também eles, construir o próprio sucesso? Em quê vocês eram ou são melhores que eles?? – e nem esperei pela resposta, até porque não lhes restava o que dizer. O que havia a dizer devia ser dito aos cerca de 300 alunos que enchiam o auditório. E foi o que eu fiz:

?Não acreditem nesse ?não vale a pena?, nem o aceitem. Esse é o argumento dos fracos, dos que desistem antes de lutar, dos que não acreditam em si próprios. Pensem nos bons jornalistas que vos servem de referência: Clóvis Rossi, Ricardo Kotscho, Dines, Dimenstein, Antonio Carlos Fon e tantos outros a quem hoje ninguém tem coragem de dizer o quê e como escrever. Eles também tiveram sonhos, foram focas, sofreram pressões, em alguns momentos certamente amargaram o desemprego. Mas escolheram um caminho próprio, coerente com uma base de ideais. E se eles puderam, por que vocês não podem?? – e por aí fui.

2. Sim ao idealismo

Vem isso a propósito da rejeição à palavra ?idealismo?, rejeição que se espalha por aí, normalmente a partir dos mais velhos. Sei lá por quê, quando se entra nos 40 (e eu estou chegando aos 70), passamos a ser perseguidos pela tentação (e a aceitamos) de acreditar que tudo do antigamente – inclusive as pessoas – era melhor que as coisas e as pessoas do hoje. Esquecemo-nos, inclusive, que nós próprios fomos vítimas desse mesmo preconceito cretino – no primeiro emprego, como no ingresso em grupos e conversas de adultos.

Nas redações – e isso aparece nos debates do Comunique-se – persiste essa convicção tola de que os focas de hoje nem se comparam aos focas de antigamente. Na avaliação preconceituosa, os focas das antigas gerações escreviam melhor, pensavam melhor, investigavam melhor.

A comparação simplória é uma coisa sem sentido, porque lhe falta a sustentação dos contextos. O mundo é outro, e as relações do jornalismo com esse mundo tornaram-se bem mais complexas. A sociedade de hoje é muito mais crítica e exigente em relação ao jornalismo e aos jornalistas. E ainda que nada tivesse mudado a não ser o elenco dos ingressantes na carreira, não se sustenta essa descrença nos jovens de hoje.

Os interessados em comparações poderiam falar com os revisores, os copidesques e os linotipistas da década de 60, para se informar das ?pérolas? que saíam de redações e que eles tinham de ?lapidar?, ou seja, corrigir.

Claro, havia grandes nomes nas redações, penas brilhantes que vinham da literatura, da poesia, e que davam grandeza à crônica de sabor brasileiro. Aqui e ali, brotavam na reportagem talentos refulgentes. Mas, sob o brilho admirável das estrelas, flutuava nas redações a poeira de uma mediocridade estimulada por um dos muitos mitos que organizavam as crenças culturais em torno do jornalismo – aquele segundo o qual repórter não precisa saber escrever. E acreditava-se nisso como verdade.

Quanto ao estilo, à clareza, à precisão, à significação político-social dos conteúdos e à densidade informativa, os jornais de hoje são indiscutivelmente melhores que os de trinta, quarenta anos atrás.

Existem, é certo, problemas graves, complicações das quais o jornalismo de hoje tem dificuldade em dar conta. Mas não porque os jornalistas ou os jornais sejam piores ou melhores que os de antigamente, e sim porque os conflitos, e as circunstâncias em que eles ocorrem e se desenvolvem, têm as complexidades de causa e efeito de um mundo globalizado em estratégias e táticas da informação jornalística. Além do mais, um mundo muito mais crítico e mobilizado.

Chegamos, assim, ao xis da questão. Temos problemas novos, que reclamam novas competências, que exigem, por sua vez, ferramentas conceituais e habilidades mais sofisticadas. Até por isso, precisamos, sim, de jornalistas (de todas as idades) que continuem a acreditar na essencialidade do idealismo. Um idealismo vinculado à elaboração de um mundo ético – que pouco ou nada tem a ver com o mundo moral, o tal do bem e do mal, há séculos tão bem estruturado."

 

INFORMAÇÃO INDESEJADA

"Do direito de não informar", copyright Folha de S. Paulo, 23/11/2003

"Evidente, é o progresso. Os meios de comunicação, com os recursos tecnológicos de hoje, colocam os personagens da comédia humana em exposição quase total. Acompanhamos o cotidiano, invadimos a privacidade alheia com as câmaras, os vídeos, as escutas telefônicas, as tomografias computadorizadas dos doentes, o estado terminal dos moribundos.

Desde o pé enfaixado do presidente, as tíbias esquálidas do delegado suspeito de mutretas graves, o aparelho urinário do governador que estava morrendo de câncer generalizado, tudo fica escancarado na TV, nas revistas e nos jornais em nome do sagrado direito que tem o povo de estar informado.

Pessoalmente, não considero sagrado esse direito, duvido até mesmo de que tenhamos o direito de saber tudo de todos. Trabalhei durante anos com um repórter -dos melhores que conheci- que foi entrevistar um deputado recém-eleito, na faixa da meia-idade, e quis saber se ele tomava Viagra.

Certa vez, o fotógrafo de uma revista foi à minha casa e queria fotografar os meus sapatos. O pauteiro da matéria garantira que eu possuía uma esplêndida coleção de sapatos italianos, eu seria uma espécie de Imelda Marcos, a mulher do ditador filipino, que tinha mais de mil pares de sapatos.

Quem estaria interessado nos meus tênis esmolambados, nas vias urinárias do governador já morto, em quem toma ou não toma viagra? Vi, na semana passada, a foto do pé enfaixado de Lula. Recebi uma informação que não me interessava.

Como vingança, darei uma informação que não deve interessar a ninguém: estarei fora do país por uma semana. Pessoas mal informadas, em Paris e em Lyon, querem saber como vai a literatura brasileira. Talvez aproveite a oportunidade e fale sobre a coleção de sapatos italianos que não tenho."