ASPAS
"Posso falar?", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 4/12/03
"Minha coluna diária, lançada pela Folha de S.Paulo, em 7 de janeiro de 1970, é reproduzida por dezenas de jornais brasileiros. A fatura não é minha. Era da Agência Folha até 19 de agosto de 1991. Desde então, os direitos são da Agência Estado.
Minha relação com cada um dos jornais não é de empregado. É de fornecedor de um produto isolado. Produto tido de boa qualidade, limpo e isento. Não tenho por contrato seguir normas de redação ou de conduta de nenhum dos jornais signatários. Não misturo o produto que me compram com minhas atividades profissionais de palestrante e de consultor. Nada me impede de fazer publicidade comercial, propaganda política ou passeata de protesto.
A publicidade comercial responde pela plataforma da cadeia de valor do jornalismo. São os anunciantes que pagam todas as contas, custos e ganhos das empresas de comunicação. O equivalente a dizer que são os publicitários que garantem o emprego e o salário dos jornalistas. Sempre devotei respeito profissional à competência e à seriedade da publicidade comercial brasileira, mercado de notícia do consumidor. Ela multiplica negócios, empregos e salários.
Se o jornalismo se envergonha da publicidade ? que trate de sobreviver sem ela. Não me parece nada ético cuspir no prato em que se come. Quem mistura jornalismo com publicidade, sem distinguir uma coisa da outra, são precisamente os que aprovam acriticamente o banimento de minha coluna de O Globo e de O Estado ? com a claque dos que tomam por ética da profissão o que não passa de estética do jornalismo.
Fico no meu canto de 5 anos de jornalismo esportivo, 42 anos de jornalismo econômico e 60 anos corridos de estudo e trabalho, 15 horas por dia ? comecei como bóia-fria aos 7 anos de idade. A decisão de fazer publicidade comercial, a meu estrito juízo, está servida por três décadas de reflexão e não por três minutos de manual pasteurizado.
Pois o que não me tem faltado é justamente o questionamento ético do jornalismo aqui dentro e lá fora. Ou como escreve Sebastião Salgado, o fotógrafo: ?Se o jornalismo fosse um pouco mais sério, o mundo seria igualmente mais sério.?
O que dizer de um certo jornalismo econômico que se deixou ficar refém de cenaristas recorrentes e tendenciosos, em cumplicidade com burocratas enrustidos e equivocados? E o que não tem sido entre nós um certo telejornalismo que não um rio de sangue que atravessa as noites do Brasil? Pois ele capricha, em nome da lógica aética da audiência, em glamourizar a bandidagem, banalizar a violência e distressar a população.
Quanto à reação estrepitosa, a favor e contra, ao meu primeiro contrato de publicidade comercial, já estou de há muito eticamente blindado. Quando quebrei as regras do economês no jornalismo econômico (1967), foi um espanto. Concederam-me o crachá de ?Chacrinha da Economia? na FGV, na USP e na Fiesp. Quando introduzi na editoria econômica da Folha (1969) a informação de empresas e de negócios, foi um escândalo. Até o Sindicato dos Jornalistas (do qual mais à frente seria eleito vice-presidente em chapa da CUT) questionou o jornal e o editor por ?tamanha picaretagem?.
Fui o primeiro a furar o bloqueio da informação econômica em rádio e televisão (1970) e também fui o primeiro a quebrar o tabu da mídia complementar de palestras remuneradas em empresas, simpósios, congressos, seminários e convenções. Mas não sou o pioneiro do jornalismo na publicidade comercial explícita e transparente.
Transparência, eis a questão. Anunciar fundo mútuo, carro zero ou creme dental não faz mal à população. O que, no jornalismo, coloca o povo brasileiro em perigo (e a ética da profissão, na sarjeta) é o antigo e até festejado merchandising jornalístico de caráter político, partidário, ideológico, cultural, religioso, militante. Isso não é informação. É manipulação. Ou desinformação. De tal gravidade que não está sequer em discussão no jornalismo, o agente; e, muito menos, na sociedade, o paciente.
(*) Jornalista"
"Posso falar, também?", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 5/12/03
"Não são os jornalistas que se envergonham da publicidade. A falta de capacidade e criatividade dos publicitários é que quer se ancorar nas pilastras do jornalismo sério, competente e de qualidade.
Pela argumentação apresentada em seu artigo, a decisão do consagrado Joelmir Beting em se enveredar pelo mercado publicitário não esconde sua decepção e descrença no jornalismo praticado hoje em dia. Depois de três décadas de reflexão, o notável colunista chegou a conclusão de que não faz mal a ninguém anunciar fundo mútuo, carro zero ou creme dental à população. Pode se fazer isso, sim, desde que seja transparente, defende ele.
O jornalista também foi fundo em defesa da publicidade comercial. Diz, entre outras coisas, que são os publicitários que dão emprego e pagam os salários dos jornalistas. Por fim, resume toda a discussão com uma bela frase de efeito, especialidade que o notabilizou em sua coluna publicada havia anos em diversos veículos de imprensa: ?Se o jornalismo se envergonha da publicidade ? que trate de sobreviver sem ela.?
Joelmir Beting tem todo direito de tomar qualquer decisão sobre sua carreira profissional. Afinal, o assunto em pauta é economia e isso ele entende como ninguém, ainda mais de ordem pessoal. E quem somos nós para questionar sua decisão? É ele quem trabalha 15 horas por dia!
E foi graças a esse sacrifício, talento e competência que Beting se transformou em um ícone dentro de jornalismo econômico. Trata-se, incontestavelmente, de uma carreira gloriosa, que deu origem a uma marca. Isso mesmo. Joelmir Beting é um produto que passou a ser comercializado (como ele mesmo lembrou) por vários veículos de comunicação, que o publicavam pelo Brasil inteiro.
Ocorre que, agora, ele resolveu negociar o seu próprio produto.
Há, pelo menos, duas mudanças significativas nessa transação: sumiu a figura do atravessador (agência Estado) e mudou o perfil do comprador, que antes eram veículos de comunicação e agora passa a ser uma instituição bancária, o Bradesco. Conseqüentemente, mudou, também os objetivos de utilização do que podemos chamar de ?Produto Beting?. A marca que antes representava qualidade de informação, passará a ?avalizar? um segundo produto, o Bradesco, cujos interesses e padrão de conduta têm ?n? motivos para serem questionados, discutidos e criticados.
Percebe-se, assim, que a conta não é tão simples. Não se trata aqui de um duelo entre Jornalismo e Publicidade, assunto de calouros das universidades. A discussão sobre a nocividade do sistema bancário brasileiro, não pode ser reduzida a uma simples conduta de ?transparência?, como quer se justificar o colunista.
Beting não foi contratado porque é um economista renomado, nem porque foi um garoto bóia-fria que virou um homem de sucesso. Beting foi contratado porque é um Jornalista em caixa alta. A publicidade no Brasil é boa sim, com defende Beting, mas ainda precisa recorrer a jornalista que tem credibilidade, como no seu caso e em vários outros.
Fica claro, então, que não são os jornalistas que se envergonham da publicidade. A falta de capacidade e criatividade dos publicitários é que quer se ancorar nas pilastras do jornalismo sério, competente e de qualidade.
Ao contrário do jornalismo de qualidade, construído com responsabilidade, isenção e ética, a publicidade é, muitas vezes, oportunista e inconseqüente. É fácil vender produtos a um público de baixa instrução usando a imagem de credibilidade de um notável jornalista. Sem dúvida, um caminho muito mais curto do que criar campanhas que evidenciem a qualidade do produto, em vez da do seu vendedor. Ou seja, a publicidade prefere os atalhos a abrir seus próprios caminhos.
Por todo o respeito que o senhor Joelmir Beting conquistou em sua carreira, permita-nos lamentar sua decisão. Não é nada fácil vê-lo jogar a toalha.
Não duvidamos que se trata de um profissional eticamente blindado. Mas o mercado não é assim. Há um time de aproveitadores utilizando o rótulo de jornalista para vender produtos de baixa qualidade. Não por acaso, alguns desses são publicitários, mantêm agência e tudo mais. Um dia vendem Schincariol, no outro, Brahma. Um verdadeiro porre contra a verdadeira informação!
Também concordamos com o Sebastião Salgado: ?se o jornalismo fosse um pouco mais sério, o mundo seria igualmente mais sério?. Mas se não dá para mudar o mundo, façamos pelo menos a nossa parte. Afinal, somos apenas jornalistas.
(*) Jornalista"
"Joelmir, o mito quebrado", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 4/12/03
"O XIS DA QUESTÃO ? Além de nome, a expressão ?Joelmir Beting?, quando dita ou ouvida, tem o peso de discurso itinerante, representando simbolicamente uma concepção de jornalismo confiável. Coisa de mito. E o mito foi quebrado. Daí, a comoção criada com o anúncio em que ele colou a sua imagem aos interesses do Bradesco.
1. Coisas da cultura
O jornalismo brasileiro vive um bom momento, graças a esse episódio do anúncio feito para o Bradesco, pelo Joelmir Beting. As decisões dos jornais O Globo e O Estado de S. Paulo, de romperem o contrato que mantinham com o jornalista, criam um parâmetro novo para a discussão sobre a importância e a natureza do jornalismo. Convém frisar, entretanto, que coube a Joelmir Beting a iniciativa de sair da TV Globo, cinco meses antes de o anúncio ir ao ar. No que se refere à TV, pode-se dizer, portanto, que a quarentena teve tempo suficiente.
Mas o fato de a coluna ter permanecido nos jornais transformou o ingresso de Joelmir na publicidade em crise de larga repercussão. Se assim é, por que, então, considero este um bom momento para o jornalismo brasileiro? Pelo simples motivo de ter entrado em causa e discussão a defesa da confiabilidade do jornalismo, enquanto linguagem e processo.
Jornalismo em que não se pode acreditar, não é jornalismo. Por isso se exige, como pressuposto, a independência do jornalista. E isso não pertence ao universo das leis da Ética ou da Moral. Faz parte, isso sim, das convicções criadas pelos mecanismos da cultura, ao longo dos tempos. São convicções desse tipo que organizam os usos da linguagem, quando nos inserimos no mundo, nos exercícios do ?Eu?.
Enraizadas no universo das ?verdades estabelecidas? (aquelas que se referem a coisas em que todos acreditamos, como o dever do amor &agagrave; pátria), tais convicções organizam também as nossas expectativas e escolhas de cidadãos e de entes político-culturais, em relação a uma porção de coisas. Uma delas, o jornal ou o colunista que preferimos ler, assim como o telejornal a que preferimos assistir.
O predicado da confiabilidade é de tal forma decisivo na concepção do jornalismo, que nem os anunciantes gastam seu dinheiro em jornais que não mereçam fé. Porque o fracasso ronda, inevitavelmente, o jornalismo sob suspeita.
2. As ?leis? transgredidas
Ao aceitar a proposta do Bradesco, Joelmir Beting fez a sua escolha e não cometeu crime algum. Até por ser a publicidade atividade tão digna e respeitável quanto o jornalismo. Trata-se, apenas, de linguagem de outra natureza, para interações diferentes, com características, normas e lógica que a distanciam do jornalismo.
Nas artes da interlocução, porém (e jornalismo é uma interlocução para lá de complicada), há leis, as tais criadas pelos mecanismos culturais, como aquela de exigir que certas coisas ditas sejam ditas no lugar adequado. Exemplo: qualquer juiz o é, fora ou dentro dos tribunais. Mas, ao dizer ?absolvo? ou ?condeno?, tais palavras só têm efeito (real ou simbólico) se ditas no lugar certo e nas circunstâncias adequadas, ou seja, no Tribunal, com os devidos rituais.
São leis a que poderíamos chamar ?leis do sucesso?. E há que respeitá-las, nas ações que praticamos, quando falamos ou escrevemos, ao interargirmos com os outros.
Pois foram essas as ?leis? transgredidas por Joelmir Beting, na escolha feita, de ganhar dinheiro com publicidade.
No caso dele, a decisão adquiriu proporções de escândalo, por ser ele quem é. O país se habituou a confiar nos comentários de Joelmir, por ser ele quem os assina. Construir tal prestígio exige muito trabalho e tempo, em costuras de coerência. E só com trabalho, tempo e coerência colunistas como Joelmir Beting conseguem o lastro de uma credibilidade que supera a credibilidade dos próprios jornais e programas de TV em que escrevem ou falam.
Isso diferencia Joelmir Beting de profissionais de outro naipe, como o Faustão e Marília Gabriela, com quais, imprudentemente, alguns o compararam, a propósito da crise gerada pelo famigerado anúncio.
3. Discurso itinerante
Mais do que um ícone, Joelmir se transformou em um mito do jornalismo brasileiro. E a crise resulta, na verdade, da comoção criada pela destruição do mito.
No sentido em que uso a palavra (e me desculpem a complicação teórica), mito é a significação simbólica de certos ?relatos? representados por seres pessoais. Significa isso que o nome ?Joelmir Beting? não serve apenas para identificar uma pessoa, mas carrega, simbolicamente, uma significação que amarra o nome a uma concepção qualitativa de jornalismo ? aquela em que acreditamos como ?boa?. Ou seja: além de nome, a expressão ?Joelmir Beting?, quando dita ou ouvida, tem o peso de discurso itinerante. Discurso de jornalismo confiável.
Pois o mito foi quebrado. Daí, a comoção.
***
Embora raramente nos encontremos, sou amigo e admirador de Joelmir Beting há quase 40 anos. Tentei, sem sucesso, falar com ele até o momento de encerrar o texto. Mas, pelo que conheço do Joelmir, e porque o conheço, estou convencido de que, ao aceitar fazer a ?colagem? de sua imagem a um anúncio do Bradesco, Joelmir escolheu dar rumos novos à vida. E como, no seu caso, o sucesso sempre foi construído pela determinação de, com qualidade e honestidade, aproveitar as oportunidades e a elas se entregar profissionalmente, estou convencido de que também se dará bem no novo rumo.
Convenhamos: o começo não foi nada mau…"
"Anúncio da discórdia", copyright Veja, 10/12/03
O jornalista Joelmir Beting, 66 anos, deixou de ocupar, na semana passada, dois dos espaços mais prestigiados da imprensa brasileira. Os jornais O Globo e O Estado de S. Paulo anunciaram, em breves comunicados, o fim da coluna diária que ele mantinha em suas páginas de economia. A atitude causou surpresa, por se tratar de um profissional de primeiro time e, seguramente, o mais conhecido jornalista econômico do país. O que motivou a decisão foi a campanha publicitária que Beting passou a estrelar para um fundo de investimentos do Bradesco. Os anúncios serão veiculados em jornais, revistas e televisão durante noventa dias. As duas empresas mantêm códigos de conduta que proíbem a participação de seus profissionais em publicidade e campanhas políticas. Estas são consideradas por esses jornais atividades incompatíveis com a imagem de credibilidade e imparcialidade que os jornalistas têm o dever de manter.
Em comunicado interno, o diretor de redação de O Globo, Rodolfo Fernandes, destacou que a inadequação, nesse caso, era ainda maior por se tratar de um comentarista de economia fazendo propaganda de um banco. ?Continuo respeitando muito o Joelmir, mas o caminho que ele escolheu é inconciliável com a coluna, pelas normas do jornal?, reiterou Fernandes a VEJA. Beting mantém sua coluna nos principais jornais brasileiros desde 1970, quando estreou na Folha de S.Paulo. Em 1991, os direitos de publicação passaram à Agência Estado, que distribui ? e continuará distribuindo ? o texto para dezenas de veículos. Foi também, durante anos, comentarista do Jornal Nacional. Com 47 anos de carreira, Beting tem um currículo cravejado por belas contribuições ao jornalismo. A mais célebre foi seu pioneirismo em conferir clareza e simplicidade aos textos jornalísticos sobre economia, até então mera reprodução do economês, o impenetrável linguajar técnico dos profissionais da área. Beting foi ainda o primeiro jornalista a fazer comentários diários sobre economia na televisão. Com ele longe dos grandes jornais, a análise econômica brasileira perde em conteúdo e, também, em estilo. Beting introduziu rima e métrica na seção costumeiramente mais árida do noticiário.
Na semana passada, Beting explicou a VEJA sua posição. ?Discordo do pensamento único sobre o assunto. Se a propaganda é nobre, o produto é nobre e a empresa é nobre, como foi o caso, não considero que seja temerário à minha credibilidade?, disse. Esta não é a primeira vez que um jornalista empresta sua imagem à publicidade. O mesmo foi feito pela apresentadora Marília Gabriela, do SBT, e pela colunista Márcia Peltier, do Jornal do Brasil, para citar apenas os casos mais recentes. Mas ambas fazem parte de uma minoria. A participação de jornalistas em propaganda é proibida pela maioria das grandes empresas brasileiras de comunicação.
"AE continua com coluna de Joelmir Beting", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 5/12/03
"Ao contrário do que disseram fontes ao Comunique-se, a coluna de Joelmir Beting continua sendo comercializada. A informação é de Eduardo Matos, editor-chefe do serviço de noticiário da Agência Estado. ?Ontem mais um jornal assinou a coluna, o Diário de Campos, do Rio de Janeiro?, disse Matos."
"Além do Joelmir", copyright Comunique-se (www.comunique-se.com.br), 8/12/03
"Creio que depois da coluna de meu vizinho de portal Carlos Chaparro não há mais dúvidas de que Joelmir Beting avaliou mal os riscos de fazer propaganda do Bradesco e assim avalizar, com o seu prestígio de jornalista econômico, um banco em detrimento dos outros. Isso apesar da tentativa ? algo desajeitada, diga-se de passagem ? do ex-colunista de mudar o foco da questão de sua atitude para a função da publicidade no mundo da mídia. No entanto, fazer publicidade não é a única maneira, a meu ver, de um profissional ver comprometida a sempre propalada isenção jornalística. Para evitar longas digressões, vamos a um exemplo hipótético.
Joãozinho é colunista de economia (só para ficar na editoria em que isso mais ocorre, mas vale para todas as outras, ok?). Muito respeitado, suas palavras e análises são consideradas por muitos como algo muito próximo às Tábuas da Lei. Por todo este prestígio, ele é contatado por uma assessoria de imprensa de grande porte (que chamarei de X), com muitos clientes importantes na área, para ministrar palestra num ?media training?. Este, é claro, poderia ser ministrado apenas pelos jornalistas da própria assessoria, mas esta ? para mostrar prestígio diante do cliente e também para ganhar um por fora ? propõe convidar Joãozinho, idéia aprovada com entusiasmo pela direção da empresa. Afinal, o colunista é famoso por sua capacidade e seria muito bom aprender com um dos melhores.
O nosso hipotético colunista nem sequer fica muito envaidecido com o convite, já que para ele é mesmo natural que todos se curvem diante de sua realeza jornalística, e pede o ?cachê? (esta é mesmo a palavra usada) de R$ 10 mil para realizar a palestra (o valor também não é chute. O cachê da maior parte das estrelas do jornalismo varia entre R$ 8 mil e R$ 15 mil, dependendo de algumas variáveis, que explico em outro tópico). A assessoria de imprensa regateia um pouco, mas não muito: afinal já calculava mais ou menos o quanto Joãozinho iria pedir e botara uns 20% em cima para se garantir ? e ainda morder um pouquinho mais o cliente. O colunista é contratado e dá uma boa palestra, ao fim da qual troca cartões e gentilezas com os diretores da empresa cliente de X.
Por ter ido bem na palestra ? e também por preservar o emprego no veículo de grande circulação/audiência em que trabalha ? Joãozinho começa a ser chamado com regularidade pela assessoria X para outros ?media trainings? ? vamos dizer, um ou dois por mês. Obviamente, ele também é chamado por outras assessorias (Y, Z, etc…) e por isso, em pouco tempo, a sua principal fonte de renda não é mais o que ganha no jornal e/ou televisão e/ou rádio em que milita. O grosso passa a vir das palestras. Assim tornam-se essenciais duas coisas: 1. manter o emprego no(s) veículo(s) de grande penetração em que ele se encontra para não abalar o seu prestígio e visibilidade; 2. manter um bom relacionamento com a assessoria que lhe arranja as palestras.
Você está me acompanhando até aqui? Beleza. Então viu que nada do que descrevi é ilegal, perfeito? Também não tem nada de imoral, certo? Pois bem, continuemos.
Bem, aí acontece um problema entre um dos clientes de X com uma empresa ou pessoa ? chamadas aqui de A ? que não tem assessoria, ou é cliente da assessoria B, que nunca chamou Joãozinho para palestras ou o fez poucas vezes. A assessoria X contata o colunista, que a atende com presteza (afinal, o bom relacionamento etc…) e ouve as queixas ? muitas vezes apresentadas pelo próprio dono da assessoria ? do cliente de X contra A.
Agora, preste atenção que aqui entra a parte sutil da questão. Como o assessor de X conhece as regras, ele não pede ? nem mesmo sugere ? que Joãozinho escreva contra A, mas apresenta a coisa de maneira ?jornalística?, geralmente baseando-se no ?interesse público?. O colunista, que está longe de ser bobo, percebe a jogada e embarca nela para não perder tão bom amigo. O resultado é mais uma coluna embasada nos mais altos preceitos do jornalismo como defensor do interesse dos cidadãos… Para em sua confecção, porém, Joãozinho ?esquece? de ouvir o ?outro lado?, surto de amnésia este que, no entanto, dificilmente ocorreria se A fosse cliente de Y, outra das assessorias que regularmente chamam Joãozinho para palestras. Neste caso, o ?outro lado? seria ouvido e as aparências estariam salvas completamente.
Pois bem. O que descrevi é legal? Sim. É imoral? Não. É tudo deontologicamente correto, então? Bem, essa é a discussão, não é mesmo?
Os critérios ? Para ser Joãozinho ? e não Pedrinho ou Mariazinha ? o escolhido pelas assessorias para desempenhar o papel de palestrante, estas levam em conta principalmente o fato visibilidade do veículo em que Joãozinho está empregado em relação aos que pagam os salários de seus ?concorrentes?. Qualidade das colunas e programas propriamente ditos não chega a ser um critério dos mais relevantes: se estão sendo publicadas num jornal ou revista de grande circulação ou vão ao ar numa tevê ou rádio de grande audiência é que devem ser bons e fim de papo.
Pelo mesmo motivo palestrante oriundo de tevê normalmente consegue cachê mais alto (mais para os lados de R$ 15 mil) do que os de jornal e revista. Ser multimídia não muda muito este quadro: aparecer em jornal e tevê paga não ganha de aparecer só em tevê aberta, por exemplo. E ser colunista ou âncora é muito mais ?tchan? do que ser repórter, mesmo aparecendo muito no vídeo em programas de grande audiência.
US$ 1 milhão ? O dono da assessoria chega no colunista de uma publicação de grande visibilidade nacional e propõe que ele dê uma palestra no ?media training? que prepara para um cliente. Pergunta de quanto seria o cachê.
– Um milhão de dólares ? manda o colunista.
– O quê?! ? espanta-se o assessor.
– Um milhão de dólares ? repete o jornalista, imperturbável.
– Pára de brincadeira, rapaz…
– Não estou brincando. É que se eu aceitar tua proposta, vou ter que largar o jornalismo, pois vou perder minha isenção. Portanto, quero US$ 1 milhão para começar bem em outra profissão.
Gincana ? Que tal dar um pulo neste sítio? Chegando lá, clique na aba jornalistas. Vamos ver quantos você reconhece de primeira.
Chorando (mas subindo) na rampa ? Mudando de assunto: parece que o bom professor
Carlos Lessa cansou de levar cachações editoriais e ameaça
jogar a toalha. Semana passada acenou com a possibilidade de o BNDES liberar
algum (muito) do meu, do seu, do nosso para as empresas de comunicação.
Não se falou em garantias."
"A execução de Joelmir Beting",
copyright Direto da Redação in Comunique-se
(www.comunique-se.com.br)
, 8/12/03
"Conheci Joelmir Beting pessoalmente no final dos anos 80 quando iríamos apresentar juntos um programa sobre eleições na TV Globo. Mas Joelmir teve um problema gástrico e ficou fora de combate por uns tempos. Achei Joelmir divertido. Sempre com uma tirada engraçada na ponta da língua e histórias interessantes para contar sobre a sua vasta experiência em jornalismo, descobri porque Joelmir era tão respeitado pela imprensa que o considerava um gênio do jornalismo econômico. Aliás, na própria Globo ele chegou a ser quase um consultor, tamanha a sua participação nos eventos econômicos da empresa, dentro e fora do vídeo.
A Joelmir deve-se a introdução na TV de uma nova linguagem no noticiário econômico. Uma forma de explicar os fenômenos da economia de um jeito simples e direto, ensinando o telespectador a cuidar do bolso, e condenando ao fracasso o chamado ?economês?, explicações tecnocratas que, em vez de ajudar, complicavam ainda mais a vida do consumidor brasileiro. Por tudo isso é fácil entender porque Joelmir era considerado um ícone na sua especialidade.
Joelmir provou que era possível transferir para a TV a qualidade da informação que o consagrou no jornalismo impresso, adaptando-se com perfeição à linguagem televisiva. Naquela época, Joelmir era a bola da vez, no bom sentido, no telejornalismo global e era escalado para cobrir e opinar sobre outros assuntos fora de sua especialidade, como política, por exemplo. Era a grande estrela da emissora do Jardim Botânico, uma paixão avalassadora pelo faturamento que sua credibilidade representava para os patrões. Ganhou sempre bons salários, para que não caísse na tentação de propostas das redes concorrentes ou do mercado publicitário. Traduzindo em miúdos, a imagem de Joelmir trazia para a Globo um respeitável faturamento comercial.
Mas, como dezenas de casos na história do jornalismo global, a onda passou e Joelmir acabou encostado nos canais a cabo da rede. Alguém já disse que a TV é uma máquina de moer carne, devorando mitos que ela própria criou. Com Joelmir foi diferente. Ele não se deixou devorar pela máquina, pois sabia que poderia sobreviver sem precisar estar no ?spot light? principal. Seu nome já era uma marca e seu prestígio com os anunciantes não dependia do logotipo da emissora. E Joelmir virou um dos mais requisitados palestrantes e consultores de grandes empresas nacionais e multinacionais.
Isso jamais pesou em sua independência de opinião. Tanto que as colunas de Joelmir continuaram sendo publicadas anos e anos na Folha e, mais tarde, no Globo e no Estadão. Com certeza absoluta, essas empresas sabiam da atividade paralela do jornalista, que eram públicas e notórias, e jamais questionaram sua credibilidade. Ao contrário, Joelmir nunca precisou abrir mão de sua independência para fazer conchavos com grupos políticos ou corporações empresariais para manutenção ou conquista de privilégios como as redes de comunicação fazem com frequência. Quem trabalhou nas redações de TV conhece bem o apelido das matérias ?rec?, aquelas que não podem deixar de entrar porque são recomendadas pelo patrão.
Penso que Joelmir, depois de décadas de estudo e dedicação profissional, cansou-se dessas fofocas mesquinhas e interesseiras de que o jornalismo e os jornalistas (a maioria) se alimentam. Joelmir conhece os meandros desse jogo de interesses e dessa fogueira de vaidades e decidiu dar uma grande guinada em sua vida: aceitou fazer um anúncio para o Bradesco. Globo e Estadão, os jornais para os quais trabalhava, posando de donos da ética e do bom jornalismo, resolveram afastá-lo sumariamente, deixando de publicar sua coluna.
Com a experiência acumulada ao longo dos anos, Joelmir deve ter pesado as consequências do seu ?atrevimento?. O certo é que o fato virou tema de discussão entre jornalistas e dividiu opiniões. Mais uma vez Joelmir inovou e mostrou que é independente, nem que para isso tenha que enfrentar uma verdadeira execução profissional cheia de preconceitos e patrulhamentos corporativistas."
(*) Começou como repórter na TV Aratu, em Salvador. Trabalhou depois nas TVs Globo, Manchete, SBT e na CBS Telenotícias Brasil, como repórter e âncora. É também artista plástica, tem dois livros publicados e é colunista do site Direto da Redação."