Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Faltam repórteres nessa história

CASO CELSO DANIEL

Deonísio da Silva

 O Ministério Público fez o de sempre também desta vez. Foi à imprensa e denunciou que o mandante do assassinato do prefeito Celso Daniel, de Santo André, foi seu amigo, o empresário Sérgio Gomes da Silva, agora sob o peso da acusação de homicídio triplamente qualificado.

Como será que os leitores estão digerindo esta reviravolta num caso que a Polícia Civil de São Paulo já tinha dado por resolvido e esclarecido? Afinal, identificados os culpados, um deles menor, estão todos presos, menos um que foi assassinado na prisão.

Nosso universo de leitores, embora pequeno, comparado ao de outros países, têm larga influência na formação de opinião dos que não lêem ou lêem pouco. Em todos os cantões do país, milhares de rádios, cobrindo os mais de 5.000 municípios brasileiros, quase sempre se limitam a ler recortes de jornais e revistas em seus noticiários. De outra parte, milhares de médios e pequenos jornais também ficam presos ao que receberam das agências, pois não têm estrutura e nem logística para destacar repórteres para refinar e aperfeiçoar as versões recebidas.

Entre os que têm, mais do que o hábito ? hábito de ler é coisa semelhante a outro hábito, o de escovar os dentes ?, o gosto de ler, existem milhões que incluem em sua dieta de leitura os romances policiais.

Pois as versões apresentadas pelo Ministério Público beiram uma obra de ficção, semelham um romance de Agatha Christie ou de Georges Simenon. Não se pode ir ao extremo de desqualificar a declaração de presidiários. Alguns dos grandes crimes, aqui e em outros países, já foram esclarecidos por presidiários, inclusive por cidadãos já condenados por envolvimento nos mesmos misteriosos crimes.

Mas o que desconcerta o analista das notícias e comentários é o seguinte: por que certas coisas não terminam nunca? Que interesses estão por trás, não do Ministério Público, mas daquelas instâncias e pessoas que procuram os promotores para novas denúncias?

Um outro dado insólito é uma das declarações do próprio empresário, gemendo e chorando sob o peso de tantas acusações: "Daqui a três anos a farsa é descoberta, minha vida estará acabada e nada acontecerá com as pessoas que fizeram isso. Provarei minha inocência" (grifos meus).

Explicações cabais

Mas onde estamos? Não vivemos numa democracia? Foram dispensados os ritos judiciários que pressupõem a inocência do acusado até prova em contrário? De quem é o ônus da prova? Não é mais de quem acusa? É o acusado quem tem de provar sua inocência? Se assim for, acaba de ser instituído o ônus da inocência! Ninguém mais é inocente. Todos são presumivelmente culpados de tudo. E todos poderão ser chamados, a qualquer momento, a provar sua inocência.

Os documentos anexados à denúncia, mesmo que ainda vistos por frestas, pois não foram lidos integralmente, dão conta da carta de uma senhora que acusa, entre altas figuras da República, o próprio ministro da Fazenda.

Não é o caso de a imprensa voltar aos velhos e bons tempos e destacar repórteres para investigar o que houve, o que envolve a bárbara e trágica execução do prefeito Celso Daniel?

Pois, ao que tudo indica, continuamos com a versão da polícia e dos acusadores. Fato de grande relevância ? seqüestro seguido de morte do coordenador da campanha presidencial do então candidato Luiz Inácio Lula da Silva à presidência das República, enfim vitorioso ? demanda mais empenho da imprensa. Com raras exceções, a mídia está apenas repetindo o que lhe passam a polícia e os promotores.

Lendo o corpus que constitui o acervo das versões do crime, o leitor de romances policiais, entre os quais o signatário se inclui, sente falta da personagem indispensável para esclarecer as narrativas. Ou por outra: Hercule Poirot, de Agatha Christie, e o comissário Maigret, de Georges Simenon, ainda não deram as caras no caso.

E eles haverão de ter, sim, as explicações cabais, definitivas, irretorquíveis. Quais os repórteres que se habilitam à indispensável tarefa? Se não as tiverem, farão o que se faz num casos desses, como ocorre com crimes insolúveis: confessarão que não descobriram. Mas quanto a inventar, não nos tirem nosso ofício: inventar é obra de contistas e romancistas.