Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Verdades e mentiras do jornalismo

IMAGENS DA GUERRA

Dioclécio Luz (*)

São muitas as certezas e poucas as verdades. Ou, talvez, a verdade seja a certeza de alguém… Bobagem. Quando a gente quer mentir, enganar, enrolar, a gente diz que é verdade e fim. E se o outro não tem um veículo, uma TV, um jornal, vai ter que engolir. Vai ter que me engolir.

Veja o caso Veja.

Como uma revista pode ser tão panfletária e, ainda por cima, como dizem, vender tanto? Mistérios do capital. O capital é feito de mistérios ? mas todos se movem conforme rola a grana. A Veja se institucionaliza como a revista mais direitista deste país. Ser direita não é problema, o problema é enganar o leitor, fazendo-o crer que isto é jornalismo.

Veja está dentro da nova forma de mentir no jornalismo. No seu bucho abundam matérias sem assinatura, dados precisos obtidos de fontes ectoplasmáticas, certezas absolutas do repórter-fantasma, e um deboche permanente ao que não é coca-cola e McDonalds. Viram como a Veja lidou com a questão dos transgênicos? Viram como abordou as ações dos sem-terra? Notaram como faz a defesa de Bush na sua invasão ao Iraque? Pra Veja, uma postura em Yoga é "contorcionismo"… Eu não sei se isso é ignorância no seu aspecto mais miserável (afinal a Yoga tem mais de 5 mil anos), um caso de burrice explícita, ou, simplesmente, uma grosseria com o que não lhe parece comum. De qualquer forma a Veja se insere na lista dos veículos que estão querendo reconstruir o mundo a partir dessa visão estreita, deformando o que poderia ser jornalismo.

Há também o caso Tonico Ferreira.

O repórter da Globo, não esqueçam, povos e povas do Brasil, é aquele que logo após o golpe dos militares na Venezuela, em abril de 2002, falou pra milhões que ali caía o fanfarrão, o boçal, o metido a valente, Hugo Chávez. Falou que uma "rebelião popular" tinha derrubado Chávez. E, claro, estava muito feliz com isso. A verdade é que mentiu pra milhões. Todo mundo soube depois que não foi uma "rebelião popular", mas um golpe, um golpe militar. E Tonico estava lá e não disse. Como deve ser tratada uma pessoa que mente pra milhões? Como jornalista? Ou simplesmente como mentiroso?

Lembro disso porque agora os venezuelanos estão votando a possibilidade de um referendo ao Governo Hugo Chávez. E a Globo mandou o mesmo repórter-mentiroso. Eu, se fosse Chávez, proibia sua entrada no país. Gente assim faz mal ? pra quem está lá e pra quem está aqui. (Tudo bem, manda a Miriam Leitão de novo, a estatizada.)

De lá esse Tonico mandou uma matéria contestando a crítica de Chávez a existência de fraude no processo eleitoral. Tonico, como um bom repórter (ou advogado) a serviço do pior que existe de jornalismo LÁ ou AQUI, demonstrou nessa matéria que as eleições foram isentas. Rapidinho. Agora, acreditem senhoras e senhores, o jornalismo de lá é pior do que o nosso, praticado pelas grandes (e quebradas) emissoras.

A Globo é assim mesmo. É o seu estilo. A Venezuela só existe quando tem golpe (que ela chama "rebelião"), ou quando é preciso mostrar ao mundo que um outro mundo não é possível. Não se trata aqui de defender ou ser contra o governo Chávez, mas de querer um jornalismo brasileiro que saiba da existência da América Latina.

Mas o capital… Ah, o capital não tem pátria ? o capital tem bolso. Ou bolsa. O jornalismo faz a gente festejar o fim da taxação do aço pelos norte-americanos. Oba! Vem o anúncio de que vamos exportar bilhões de dólares em aço. Oba! As bolsas sobem toda semana. Oba! A Embraer está vendendo aviões supersônicos! Oba! Mas, ô cara-pálida, o que eu ganho com isso? O que esse povo das gerais vai ganhar com isso? Vai aumentar o salário? Vai ter melhor distribuição de renda? Ah, vai ter mais emprego… Sim, é um jeito deles continuarem faturando mais e vendendo mais. Por isso, teremos mais emprego. Emprego furreca, é verdade. Subemprego, é verdade. Empreguinho chulé. O melhor da grana vai pro bolso dos mesmos… A Embraer, salvo erro matemático, é privada. A CSN, o setor siderúrgico, é privado, capital japonês… Vou comemorar o quê?

O nosso jornalismo moderno não explica como funciona esse baú da felicidade ao contrário. Quando essa elite, os ricos, ganham, somente eles ganham. Quando eles perdem, nós perdemos com eles. E a primeira coisa que fazem quando o lucro deixou de ser de 200% para ser 150% é botar nego na rua ? desemprego. A segunda é pegar dinheiro nosso ? público ? para garantir o luxo deles. É assim que funciona o capital no mundo moderno. É a nova ordem mundial. O Estado a serviço do setor privado. E com o Estado no papel de vaca leiteira o capital pode se dar ao luxo de sugar a mais-valia do trabalhador no momento que lhe for mais conveniente. Em tempo, a mais-valia do Estado é mais gostosa.

E onde fica o jornalismo nisso? Não fica. Dança. Se transforma em outra coisa. Algo transgênico ? com o perdão da expressão baixa. Vira um misto de entretenimento, novela das sete, filme de aventura, e religião. Sim, o jornalismo também é uma epifania. No passado um deus da mídia insistia: quem tem Globo tem tudo. Faltou dizer que quem tem acesso ao Estado tem tudo.

Nessa visão apocalíptica apregoada pelo capital, mentir é normal e não descredencia o criminoso. Veja George Bush. Ele mentiu pra todo mundo ? literalmente. Disse que invadiria o Iraque porque lá tinha armas de destruição em massa e havia planos de atacar os EUA. Mentira. Os jornalistas sabiam. Os que não sabiam estavam na profissão errada. Portanto mentiram pro mundo, como porta-vozes de um nazista moderno. (Alô, Marcos Uchoa, você ainda existe?) Bush falou em armas químicas e armas nucleares. E seus porta-vozes repetiram pra todo mundo. Mentiram pro mundo inteiro. Aí, depois de ocuparem o Iraque ? como mentira tem perna curta ?, verificaram que não tinha arma de destruição em massa. Bush mentiu. E o repórter que fez a gente de idiota? Ele é mentiroso também.

Tudo isso já foi falado aqui em outra oportunidade. Trago à mesa novamente porque o caso ainda não acabou. Bush continua mentindo e esses repórteres descerebrados continuam mentindo por ele. Tratar nossos colegas por descerebrados ao mentirem assim, é o mínimo. Poderia considerar aqui a possibilidade do mau caráter, ou a ausência de. Na falta de provas, tratemos por descerebrados.

Porque se tivessem cérebro fariam perguntas inocentes: como alguém pode querer desarmar o mundo se cada vez mais se arma? Como alguém pode criticar um país, acusando-o de tentar invadir outro, se se constituem na nação que mais tem bases militares espalhadas pelo mundo? Como os EUA podem criticar o terror se ela se constitui na única nação condenada oficialmente por terrorismo pelas Nações Unidas? Pergunto-me: estes repórteres modernos têm um minhocário na cabeça ou querem fazer um na minha?

Os fatos não param de acontecer. E o jornalismo de mentira continua indo atrás deles. Um dia desses G. Bush teria ido ao Iraque para comemorar o Dia de Ação de Graças com os soldados que estão lá. Vários jornais colocaram na capa a mesma foto produzida pelo Departamento de Estado norte-americano (ou uma de uma dessas agenciazinhas disponíveis). Lá está Bush, o Estúpido, com uma bandeja e um peru pronto para festa. Era uma jogada de publicidade. Uma forma de mostrar ao mundo como os EUA conseguiam qualquer coisa, até botar o presidente deles no foco da guerra para festejar com seus soldados. O Correio Braziliense colocou esta foto ocupando quase a capa inteira. Agora (dia 06/12/03) o Correio informa numa nota de 10 linhas numa coluna escondida que o peru era falso. Era mentira. E fica por isso mesmo?

Como fica por isso mesmo?! Um jornal nos faz de idiotas, nos faz acreditar que aquilo era verdade, e depois ratifica em espaço diminuto. E nem pede desculpas ao leitor? Como assim? Cadê o respeito à verdade. O jornal sabe o que é verdade? Era um espetáculo de ilusionismo e me fizeram crer que era jornalismo?

E assim caminha a humanidade no jornalismo. Mais uma mentira que se corrige. Mais uma entre tantas. Lembro do caso da soldada Lynch. Disseram que ela foi seqüestrada pelos iraquianos, e depois resgatada num ato de coragem pelos soldados norte-americanos. Mentira. Não houve nenhum ato de heroísmo dos marines.

Olha, esses editores talvez não saibam, mas mentira provoca câncer. O jornalismo da grande mídia ou morreu ou vai morrer em breve. A credibilidade só não dançou ainda porque quando o mesmo grupo domina rádio, TV, jornal, revista, internet, a informação que circula é a mesma e somente a deles. Ainda não existe democracia na comunicação. Ainda não existe democracia neste país.

Tem mais: há um olho vendo tudo isso. Eles que se cuidem. É o olho da história, e ele não é cego. Tudo bem, a justiça pode nem acontecer, mas a história um dia vai bater na porta desses caras ? esses mega-empresários da comunicação ? e indagar: por que você mentiu pra tanta gente?

Esse olho vai olhar no olho de cada um desses repórteres e perguntar: por que mentiu pra tanta gente? Por uma questão de salário ou você achava que jornalismo é assim mesmo que se faz? E aí muito mais gente vai saber que existe uma diferença entre mentira e verdade, jornalismo e espetáculo.

(*) Jornalista, membro da Comissão de Acompanhamento da Mídia, da "Campanha contra baixaria na TV", da Câmara dos Deputados