FOLHA DE S. PAULO
"Ponte partida", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/03
"É fácil perceber no quadro ao lado qual seqüência de edições mais se aproximou do leitor, ao menos no que diz respeito a um problema concreto de sua cidade -no caso, São Paulo.
A notícia é a explosão de um caminhão na marginal Tietê na madrugada do sábado 8 que danificou uma ponte, gerou interdição e desvio da rota, um engarrafamento que, naquele sábado, atingiu 28 km de extensão.
Anteviam-se problemas graves e prolongados numa via crucial, afetando milhões de pessoas, inclusive moradores de cidades próximas, sem falar de ônibus e caminhões.
Na edição de domingo, a Folha deu um pequeno registro, com uma fotografia, ao pé da pág. A15 (a foto foi trocada numa edição encerrada mais tarde pela imagem do eclipse da Lua).
No mesmo dia, seu principal concorrente, ?O Estado de S.Paulo?, publicou a notícia no alto de uma página do caderno ?Cidades?. Tal destaque permaneceu nas edições seguintes -em nenhuma deixou de ser manchete em alguma página.
Na Folha, o caso não foi o primeiro destaque de nenhuma página em nenhum dia.
Na quarta-feira, quando a novidade era que a Prefeitura concluíra a construção de uma pista alternativa para escoar o trânsito (informação útil ao leitor), a notícia só ganhou uma ?Panorâmica?. Só na quinta, com duas belas fotos tiradas de cima (uma na capa e outra em página interna), o jornal mostrou ter se dado conta da relevância do tema.
Diferentemente do concorrente, a Folha é obrigada, por razões industriais, a ?fechar? o seu caderno Cotidiano de domingo na madrugada do sábado.
Qualquer notícia ?quente?, a partir daí, tem de ser editada no primeiro caderno, cujo último horário é o das 23h45, com total de páginas já delimitado.
Isso pode explicar em parte o pouco espaço dedicado ao acidente na edição do domingo. Ainda assim, parece-me evidente que faltou sensibilidade para operar eventuais remanejamentos na edição, a fim de valorizar adequadamente o ocorrido.
O mais grave, porém, é ter essa insensibilidade perdurado nos quatro dias seguintes, enquanto o caos se instalava no tráfego de veículos da região.
A Folha deveria sempre poder dizer, de boca cheia, a seu leitor: sou útil porque seleciono e ofereço com a devida hierarquização as informações e as análises de que você necessita para conhecer, formar opinião e tomar decisões nas áreas da política, economia, cultura e comportamento, mas também pelos serviços que presto ao seu dia-a-dia.
Sobre o último item, ao menos quanto aos leitores paulistanos e das cidades próximas, o jornal não pôde se sentir à vontade, na semana, para fazê-lo. A ponte, aqui, esteve partida."
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"Dor e cautela", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/03
"Dúvida não há quanto à dramaticidade do caso dos jovens Liana Friedenbach e Felipe Caffé. Eu mesmo, domingo passado, critiquei aqui a falta de dedicação a ele por parte da Folha -antes, ainda, da revelação das mortes e da prisão dos suspeitos.
Cabe, porém, uma reflexão sobre a cobertura da mídia, como um todo, inclusive a TV.
Apesar das confissões anunciadas, ainda não houve julgamento, permanecem versões díspares e incertezas quanto à participação dos cinco suspeitos, em especial do papel do menor R., 16.
Discutir a maioridade penal, a segurança e o relacionamento pais-filhos -tudo isso faz parte do trabalho da imprensa, além da apuração dos fatos propriamente ditos.
Mas muita coisa, nos fatos, ainda está por ser esclarecida. Além disso, houve exageros -e, aqui, não me refiro à Folha- na exposição do menor R. (por mais ?monstrengo? que ele seja, trata-se, gostemos ou não, de um menor, e há leis a esse respeito) e na descrição das crueldades, nem todas (incluindo o estupro) efetivamente atestadas pelo Instituto Médico Legal, a que teria sido submetida a jovem Liana.
A mídia, mais uma vez, come da mão da polícia. Mais uma vez, por isso, apesar do drama e da dor, deve ter sangue-frio, preservar-se da comoção e atuar com absoluta cautela."
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"Títulos dúbios", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/03
"O ?Manual? da Folha prega que ?os títulos devem ser, ao mesmo tempo, capazes de tornar claro, em poucas palavras e em ordem lógica, o objeto da notícia e de atrair o leitor, incitando seu interesse. O fato de dispor de pouco espaço para a formulação dos títulos não deve ser desculpa para eventual imprecisão?.
O item ?incitando seu interesse? é relativamente fácil. O restante, porém, é complicado.
No domingo, um título dizia ?Governo de Requião emprega 26 parentes?. Infere-se que os parentes são do governador do PR, Roberto Requião.
Mas a reportagem mostrava outra coisa: nove são parentes dele; os demais o são de outras autoridades do governo.
Usar no título PR em vez de Requião atenuaria o problema.
O mesmo ocorreu com ?Lula veta benefício para alunos deficientes? (quarta-feira).
A decisão diz respeito a deficientes matriculados em instituições privadas, não em geral, como o título dá a entender.
Nem uma notícia nem a outra, nesses casos, deixam de ser graves. Mas basta pensar no eventual uso de tais títulos numa campanha eleitoral de adversários de Lula ou de Requião para perceber como eles pecam, no mínimo, por imprecisão."
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"Um dia atrás", copyright Folha de S. Paulo, 16/11/03
"Leia os seguintes títulos: ?Explosões matam pelo menos 20 na Arábia Saudita? e ?Terror mata entre 20 e 30 em bairro de Riad?.
Agora, estes: ?Atentado em Riad mata 17; rede Al Qaeda é suspeita? e ?Ataque atribuído à Al Qaeda mata 17 em Riad?.
Tudo muito parecido, salvo a questão do número de mortos, certo? Mas há uma outra diferença, essencial, que pretendo ressaltar aqui.
O primeiro par de títulos saiu na edição de domingo do ?Estado de S.Paulo? (uma chamada na capa e uma manchete de página interna, com reprodução de uma imagem de TV).
O segundo par de títulos saiu na Folha, mas apenas na edição da segunda-feira -um dia depois do concorrente.
E o que fizera a Folha no domingo? Uma nota de 12 linhas, ?escondida? na página A 28.
A notícia do atentado foi ao ar, na CNN, no começo da noite de sábado. Os jornalistas que estavam de plantão na editoria de Mundo, conforme relato da Redação, souberam das primeiras informações por volta das 19h50. O último fechamento do jornal de domingo foi às 23h45.
O que, então, aconteceu?
Enquanto a equipe que fazia plantão no ?Estado? demonstrou ter captado a relevância da informação, dando-lhe de imediato o merecido destaque, a Folha, parece, ?dormiu no ponto?.
Tratou o assunto como algo menor (segundo informação que tive, a Primeira Página do jornal não foi nem sequer avisada sobre o que estava acontecendo), quando o mínimo que se pode dizer é que o Oriente Médio vive uma fase explosiva.
Esse erro de avaliação (na edição do domingo) levou a Folha a um outro erro (na edição da segunda): dar como sendo de ontem uma notícia que é, na verdade, de anteontem. Nada regozijante para um jornal diário."