Monday, 25 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Estrela Serrano

DIÁRIO DE NOTÍCIAS

"Sinais de deriva", copyright Diário de Notícias, 16/11/03

"A análise do DN feita pelos seus jornalistas, tornada pública a propósito da nomeação do novo director, constitui um acontecimento importante na vida do jornal, independentemente do momento e das condições em que foi tornada pública e da concordância ou discordância que possa merecer.

De facto, raramente discussões desta natureza ultrapassam os círculos internos, sucedendo, pelo contrário, que em momentos de crise as empresas se fecham sobre si próprias. Os leitores que ao longo dos últimos meses vêm tornando públicas as suas críticas ao jornal ter-se-ão, pois, sentido reconciliados com a redacção do jornal.

Merecem, por isso, ponderação as referências à ?governamentalização? e ?tabloidização? do jornal, à sua ?descaracterização? e ?perda de credibilidade junto dos leitores?, feitas por um órgão com a autoridade do Conselho de Redacção (CR) e apoiadas pela grande maioria da redacção, e, por outro lado, a intenção manifestada pelo novo director, de pretender ?recolocar? o DN numa ?linha da credibilidade?.

Vejamos, então. Essas referências sugerem uma visão comum, do CR e do novo director, que aponta para uma deriva do DN face ao modelo de ?jornal de referência?. A sintonia desaparece, contudo, quando o CR afirma não ser o nome do director o ?indicado para os desafios que se colocam diariamente ao jornal?, que ?deve ser uma instituição acima de qualquer suspeita de instrumentalização partidária?, sob pena de a sua imagem ficar irremediavelmente comprometida?.

A preocupação com a defesa da credibilidade do jornal é legítima e desejável, dado essa ser uma condição de sobrevivência de qualquer projecto editorial de referência. Contudo, o processo de ?governamentalização?, ?tabloidização?, ?descaracterização? e ?perda de credibilidade? não ocorre de um dia para o outro, sendo, pelo contrário, lento (às vezes irreversível), pelo, que a ter-se verificado, não nasceu agora ? o que não significa que o perfil do director não seja determinante na credibilidade de um jornal.

Acresce que a análise do CR sobre o jornal parece contrariar a ideia, também vinda a público e atribuída à ?administração?, de que ?a independência, a isenção e o rigor do DN dependem fundamentalmente da consciência e do profissionalismo de cada jornalista individualmente e da redacção no seu conjunto?. Ora, ou a análise do CR não é correcta e o DN não se desviou do modelo de ?jornal de referência? (como decorre da ?consciência? e do ?profissionalismo? individual e colectivo a que alude a administração), ou o desvio existe (como refere o CR) e, nesse caso, as suas causas terão de ser encontradas noutros factores que não a ?consciência? e o ?profissionalismo? da redacção. Não teria, aliás, sentido que a redacção se auto-acusasse da deriva ?governamental? e tablóide que, em seu entender, o jornal sofreu.

Só uma análise prolongada no tempo ao conteúdo do DN permitiria afirmar, com rigor, que existe governamentalização. Contudo, sinais como a frequência, o destaque, o enquadramento de notícias oriundas de fontes governamentais, o peso de canais oficiais e oficiosos, a frequência de ?exclusivos? provenientes de gabinetes ministeriais, a desvalorização de temas e figuras da oposição e a valorização dos seus ?críticos?, a ?orientação? e o ?tom? assumidos em alguns editoriais, a escolha de certos temas de primeira página, o perfil dos colaboradores, permitem identificar uma certa deriva do jornal nesse sentido, apesar de uma conclusão rigorosa se tornar difícil, dado o hibridismo da linha editorial, visível, sobretudo, na escolha dos temas de capa e no tom de alguns editoriais.

Dir-se-ia, por vezes, que cada membro da direcção tem a sua própria concepção do jornal e que, além disso, há um jornal da primeira página e outro jornal das páginas interiores.

Já a deriva tablóide é mais f&aacaacute;cil de identificar. Desde logo, a compressão dos textos, a valorização do espectacular e do emocional nos títulos de primeira página, a fragmentação e o primado da imagem, são elementos que apontam para um perfil próximo do modelo tablóide.

Mas uma vez mais a generalização se mostra simplificadora. De facto, a par de uma linguagem-choque usada nas manchetes, de que são exemplos recentes títulos como ?Explosivo? (6/11), ?Varíola? (2/11), ?Acusados? (30/10) ? que ilustram uma variante sensacionalista e aproximam o DN do modelo ?popular-tablóide? ? estão presentes ?marcas? do modelo ?de referência? que podem ser identificadas na importância concedida ao noticiário internacional, ao tratamento de temas sociais, à cobertura da actividade política (embora, muitas vezes, esta surja impregnada de ?cinismo?), à qualidade de alguns textos de opinião.

Ora, a ?duplicidade? editorial e a hesitação entre o modelo de um jornal de referência e o modelo popular/tablóide tem perturbado os leitores, levando alguns a procurar alternativas.
Daí a importância do ?sinal? dado pela redacção, ao dar a conhecer publicamente a sua posição sobre o conteúdo do jornal.

Bloco-Notas

Um leitor crítico ? ?Muito já se disse a propósito da nomeação (…) do novo director do DN mas muito ainda haverá para dizer. Como em muitas coisas na vida, não é só preciso ?ser?, mas também é preciso ?parecer?. Não quero pôr em causa a (sua) honestidade intelectual (…), mas que não é muito abonatório para ele e para o DN esta ?transferência? dos corredores do poder para director do DN, lá isso não é (…). Se o CR, os jornalistas e os leitores do DN nada contam para este jogo de interesses, então o que é que conta (…)? Já não há pudor ou esta decisão é mesmo para clarificar, para quem ainda tinha dúvidas, que o DN não é mais um jornal de referência mas apenas mais um jornal ao serviço do poder instituído (político e económico)? (…) Os leitores do DN têm o direito de saber o que é que há por detrás do ?seu jornal? para acreditarem no que lêem. (…) Penso que a V. Exa. cabe uma palavra de esclarecimento. Que pensa desta ?oficialização/governamentalização? do DN? Vai continuar a ser a Provedora dos Leitores?? (Nelson Henriques)

Domínio do português ? ?Escrevo-lhe a propósito da sua coluna ?Os saberes do jornalista?, onde cita algumas observações da leitora Margarida Pereira-Muller, que (?) afirma que a expressão ?centenas de milhares? está incorrecta, devendo ser substituída pela expressão ?centenas de milhar?. Ora, nada mais errado. (?) Também eu já tive essa dúvida, o que me levou a consultar o site Ciberdúvidas da Língua Portuguesa, que me esclareceu (?) que a primeira é a expressão correcta. (?) Já agora, gostaria de dizer que também (?) encontro repetidamente algumas ?agressões? à língua portuguesa nas páginas do DN. Por exemplo, muitos jornalistas (?) empregam a expressão ?ir de encontro a? quando querem dizer precisamente o contrário: ?ir ao encontro de?. Outro exemplo de um erro muito frequente (?): em vez de dizerem ?mais bem estruturado?, muitos jornalistas e até colaboradores do jornal dizem ?melhor estruturado?.? (Carla Silva).

Qualidade do português ? ?A má qualidade do ?português? dos jornalistas deve-se, em grande parte, à sua completa ausência de formação intelectual. Toda a gente sabe que só quem tem cunhas tem acesso à profissão de jornalista. (…) Licenciado em Estudos Europeus, (…) encontro-me actualmente a frequentar o mestrado em Estudos Anglísticos, Programa Cultura e Sociedade. (…) Considero que possuo os requisitos mais do que necessários para escrever num jornal. Apesar disso, nenhum dos jornais a que enviei o meu currículo com vista a fazer um estágio (mesmo que não remunerado) se dignou responder-me. (…) Quando se discute a questão do ?português? dos jornalistas, que penso que devia ser o mínimo dos mínimos exigido a qualquer profissional, apenas se revela como a fasquia está e continuará a estar cada vez mais baixa.? (Nuno Carvalho)"