Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Novas opções na imprensa mexicana

ENTREVISTA / RAYMUNDO RIVA PALACIO

Wladir Dupont (*), da Cidade do México

Foi uma façanha inédita na história do jornalismo mundial: em novembro de 1993, o pessoal de redação e administração de um novo jornal mexicano, o Reforma, saía as ruas, em quatro pontos da Cidade do México, para, uniformizados com um avental verde e um bonezinho da mesma cor, entre carros atravancados e transeuntes surpreendidos, vocear (gritar) e vender exemplares do seu diário.

Não era nenhuma jogada promocional. Aos dez meses de vida, a empresa acabava de romper relações com o mafioso sindicato dos jornaleiros e essa improvisação era a única forma viável de não parar, insistia o autor da idéia, o prestigiado colunista político Miguel Angel Granados Chapa.

Os jornalistas, entre eles outras penas famosas, entraram até no edifício do Congresso, no Centro Histórico da Cidade do México, para vender o jornal, num espécie de batismo político de enorme importância para o Reforma, àquela altura amargando escassos oito mil exemplares diários de tiragem. Em poucas semanas, passou a vender 20 mil exemplares por dia e todo mundo queria conhecer o novo jornal.

Agora, ao completar dez anos de circulação, o Reforma continua sendo vendido assim, só que pelas mãos de um exército de jornaleiros independentes, também uniformizados, equilibrando-se sobre guias e ilhas, pois as bancas controladas pelo sindicato dos jornaleiros não vendem o jornal. É comprar nas ruas, em supermercados e lojas de conveniência, ou assinar o diário, hoje com uma tiragem de 70 mil exemplares.

Enfoque reflexivo

Em meio as ruidosas e ácidas discussões da classe intelectual com os burocratas do Ministério da Fazenda do governo Vicente Fox, que querem taxar com um imposto de consumo de 10% livros, jornais e revistas, o aniversário do Reforma, se não passou em branco, foi discretamente assinalado pelo próprio jornal por meio de seus colunistas estrelas: nenhum editorial de primeira página assinado pelos proprietários, nenhum anúncio de página inteira louvando os feitos da casa.

O Reforma e seus donos e fundadores ? a família Junco de la Vega, da cidade de Monterrey, poderoso centro industrial no norte do México, onde editam um jornal tradicional, El Norte ?, navegam com a tranqüilidade de quem, bem municiado, atreveu-se a invadir a maior cidade do mundo e crescer continuamente, sob a égide de um slogan não tão pretensioso como parece ? "Corazón de México".

Um fen?meno de mercado, num mercado em crise no qual os grandes e antigos jornal?es
declinam ou come?am a desaparecer (Exc?lsior, Novedades, El Heraldo,
por exemplo) e se d? a prolifera??o paralela dos tabl?ides. Dos 15
di?rios da capital mexicana, pelo menos 10 t?m esse formato: La
Cr?nica de Hoy, El D?a, La Jornada, El Financiero, El Economista,
Milenio, El Universal Gr?fico, Ovaciones, La Prensa e Unom?suno.

Precisamente nesse campo, o dos tablóides, também sem nenhuma fanfarra, só uma sóbria campanha publicitária na TV e em outdoors, há seis meses entrou em circulação um novo jornal, El Independiente, que se apresenta como nova opção de leitura: "Periodismo que el país necesita". Ou seja, um enfoque editorial mais reflexivo, estilo gráfico orgânico parecido ao do espanhol El País, para quem se diz insatisfeito com a receita do Reforma, de linha informativa mais ligeira e visual modernoso, cadernizado. De propriedade de um empresário do setor da construção, Carlos Ahumada, El Independiente, em seu meio ano de vida, orgulha-se de uma tiragem de 35 mil exemplares/dia.

"Meio dono"

Tanto o crescente sucesso do Reforma, movido a uma feroz agressividade comercial espertamente estimulada pelas grandes agências de propaganda multinacionais, como o surgimento de um novo e modesto tablóide num território já saturado, os dois fatos são explicados pelo jornalista Raymundo Riva Palacio, que teve o privilégio de participar da fundação do primeiro e agora é o diretor do segundo. Com 31 anos de experiência na imprensa mexicana, Riva Palacio tem, nos últimos 15 anos, se dedicado a estudar e analisar o comportamento dos meios de comunicação do país ? tiragens, circulação, mercados, tendências.

Outro aspecto curioso da questão é que Riva Palacio, que tinha na cabeça um projeto de jornal, acabou vendendo-o a um empresário e agora, como empregado registrado, de certa maneira realiza, à frente do El Independiente, o sonho de todo jornalista: ser pelo menos "meio dono" do jornal.

A seguir, sua entrevista ao Observatório da Imprensa:

***

Como o senhor vê o fenômeno Reforma numa imprensa em fase crítica como a mexicana hoje?

Riva Palácio ? É justamente por aí, num meio esgotado e viciado em práticas corruptas, que o Reforma entrou com tudo, dando uma enorme sacudida nos jornalões voltados para a classe média, nenhum deles com uma sólida estrutura comercial ? eram negócios pequenos, de família ou de grupos políticos. Para começar, o Reforma é um negócio amplo, sério, produto de uma mentalidade empresarial moderna e ágil. Seu modelo básico é o texano The Houston Chronicle, jornal de grande êxito no sul dos Estados Unidos. Apresenta páginas de visual atraente, todo cadernizado, com grandes espaços para a cobertura do show business, e vários suplementos semanais muito bem-feitos ? gastronomia, informática, carros, moda e estilo.

A julgar pelos anúncios de página inteira, de anunciantes poderosos como a indústria automobilística, o jornal é dirigido a uma classe média alta da Cidade do México. É isso mesmo?

R.P. ? Sem dúvida, está desenhado para isso. É um projeto sócio-econômico bem idealizado, um jornal de natureza quase municipal, circulando em áreas bem determinadas da cidade, nenhuma vocação cosmopolita. A primeira página, sempre chamativa, determina os pontos de maior penetração onde, na madrugada, o jornal deve ser redistribuído. Eles têm na empresa um grupo de feras nessas áreas ? a de circulação, a do comercial, a de finanças. Com tudo isso, nos últimos cinco anos perderam pelo menos 30 mil exemplares diários de circulação.

Mas têm também prestigio editorial.

R.P. ? Tem. Conta com colunistas importantes e respeitados, é um ponto de referência no jornalismo mexicano atuasl. O conjunto do jornal é muito competente. Contudo, não é um jornal com maior inclinação informativa, não faz jornalismo investigativo, por exemplo. Claro, sempre procura apresentar alguma novidade, algum furo, como foi o caso do militar argentino Miguel Ricardo Cavallo, torturador procurado, quando denunciou seu paradeiro no México, onde vivia como um próspero e pacífico empresário. Matéria de primeira página, com grande repercussão internacional. O jornal, porém, funciona quase como que por inércia: pegou e vai em frente. Mas, página por página, outro jornal de tradição, o El Universal, é melhor que o Reforma, pena que sem o mesmo charme, embora tenha dado uma boa mexida no seu visual.

Nesse contexto onde existe um veículo tão forte como o Reforma, que chances de sobrevivência tem a longo prazo um tablóide como El Independiente?

R.P. ? Em primeiro lugar, se observa hoje uma alta fragmentação do mercado jornalístico e isso propicia o surgimento de muitos outros nichos Acontece agora uma espécie de recomposição dos veículos em circulação, aparecem jornais não por oportunismo político, mas sim por brechas de mercado. Depois, nós, no El Independiente, nos consideramos como uma antítese do Reforma. Enquanto um leitor médio deles leva 5 minutos para ler o jornal, o nosso, com um formato prático e limpo, ocupa 30 minutos. Trabalhamos com baixos custos de produção ? fazer o jornal nos custa 450 mil dólares mensais ?, pagamos bem nosso pessoal de redação, gente jovem e versátil. Já no primeiro trimestre tivemos 20% de lucro, o que é insólito neste negócio. Conseguimos, nestes seis primeiros meses, mil e quinhentas assinaturas.

Qual é o público-alvo do jornal?

R.P. ? É o das universidades, onde estamos crescendo, e nele queremos criar o hábito da leitura de jornal, um jornal bem pensado, bem escrito. Por isso, damos todos os dias de cinco a seis páginas de noticiário internacional, fazemos matérias locais com um sentido mais investigativo. Pretendemos ser cosmopolitas, não municipais como o Reforma. Mais: queremos ser o número 1 na hora da tomada de decisões por parte dos leitores.

O senhor fala de uma recomposição dos veículos. Como o El Independiente luta para se ajustar a esse mercado em processo de mudança?

R.P. ? O nível de vulnerabilidade num setor tão fragmentado também pode ser perigoso. Se não crescermos rápido, o nosso projeto corre riscos. Por essa razão, estamos em fase de criar subprodutos no jornal, como suplementos semanais de vários tipos.

O senhor vendeu um projeto editorial a um empresário e agora o executa. Que garantias tem de que o acordo seja sempre respeitado?

R.P. ? Temos um contrato, com todas as cláusulas pertinentes. Em caso de que ele não respeite as condições estipuladas, independência editorial sobretudo, meu projeto não mais teria sentido. Mas, na verdade, não acredito que isso aconteça.

(*) Jornalista e escritor brasileiro radicado no México