MÍDIA SEGMENTADA
Bernardo Mello Franco (*)
Enquanto os veículos tradicionais definham e os jornalistas fazem fila buscando emprego em assessorias de imprensa, o mercado editorial brasileiro assiste ao crescimento das “revistas corporativas”, bancadas por grandes empresas para divulgar suas marcas. A maior parte dessas publicações apresenta projetos gráficos arrojados, com tiragens em torno de 100 mil exemplares. A má notícia é que o jornalismo está longe das prioridades desse filão. A caneta ? e as decisões sobre a linha editorial ? está na mão dos publicitários. Na maior parte dos casos, os interesses comerciais impõem um texto dócil, acrítico. Antijornalístico.
O fenômeno dessas revistas não é propriamente novo. A Audi Magazine, por exemplo, já existe desde 1999. Nova é a dimensão que o mercado tomou ao longo deste ano. E a mudança do perfil das revistas, cada vez mais distantes da função de vender os produtos das empresas. A publicação da Audi, por exemplo, começou focada em automóveis e rapidamente incorporou o modelo de variedades (turismo, comportamento, moda, esportes, música). Os modelos da montadora foram capa das duas primeiras edições. Depois, o espaço ficou reservado para fotos de modelos.
O produto é a marca
Representante da nova geração de publicações corporativas, a revista da Volkswagen traz a diferença já no título: um enigmático V. Sem referências à empresa, a capa da edição atual, com as cantoras Elza Soares e Fernanda Porto, se confunde com as revistas especializadas em música na banca de jornal. V traz todas as características do modelo de variedades descrito acima. As matérias principais atiram para todos os lados: esportes (“Por dentro do Real Madri”), turismo antropológico (reportagem sobre a tribo waimiri), entrevista (com a modelo Luciana Vendramini), aventura (como sobreviver numa ilha sem um dólar) etc. O único espaço editorial de relevância reservada aos automóveis é uma seção de “test-drive” dedicada ao novo Fox.
Afinal, por que uma montadora de automóveis, líder de mercado há décadas, se interessaria em criar uma revista própria para divulgar os seus carros, publicando os mesmos anúncios veiculados nas revistas tradicionais?
A resposta está na negação da pergunta. No marketing moderno, as empresas vendem logotipos e imagens antes mesmo de vender seus produtos. A ficha caiu com a publicação do livro No logo, da canadense Naomi Klein. O que está em jogo agora é a associação de um conceito, de um estilo de vida, à imagem de cada empresa. Várias fábricas podem produzir tênis de qualidade, mas só a Nike produz os tênis da Nike. Repetir a mensagem (“Just do it”) e vincular o logotipo ao atleta de sucesso (Agassi, Ronaldinho) passou a ser mais importante do que a divulgar a nova fibra das camisetas.
E o jornalismo?
Assim, parece evidente que a Revista da MTV (sigla de Music Television, nunca é demais lembrar) tem muito a tratar além da música e da vida dos artistas. A publicação é mais um meio para reforçar a identidade da emissora com os problemas e interesses do público jovem. As capas quase sempre tratam de assuntos de comportamento (algumas chamadas: “Elas só querem se divertir”, “Cybermanos”, “Garotas de programa”). Por tabela, a independência jornalística fica mortalmente prejudicada. Se a emissora vive da audiência e da promoção, qual o interesse em publicar uma resenha negativa de um disco? O resultado, claro, são matérias dóceis e desprovidas de senso crítico.
A tiragem dessas revistas costuma ser superior aos 100 mil exemplares. Para efeito de comparação, a semanal CartaCapital, que reúne alguns dos jornalistas mais conceituados do país, passou todo o ano de 2003 empacada na faixa de 56 mil exemplares. Em geral, a maioria dos leitores recebe sua publicação em casa, mas todas as empresas reservam parte da carga para a venda nas ruas. Assim, existem mais leitores da Audi Magazine do que carros da montadora circulando no país. O automóvel de luxo é privilégio de poucos, mas o “gosto da marca” pode ser provado por menos de dez reais na banca da esquina.
Outros ramos de negócios, como operadoras de telefonia e lojas de roupa, já aderiram à moda. Paga-se por uma fórmula editorial pré-concebida e por um tratamento gráfico que garanta fotos brilhantes e uma diagramação moderninha. Enquanto isso, o mercado das revistas tradicionais encolhe. A inversão de prioridades no marketing impede o surgimento de publicações que ocupem o espaço deixado pelo fim de títulos tradicionais como a Bizz, especializada em música jovem, e a Placar, que acompanhou diferentes gerações de torcedores de futebol.
(*) Estudante de jornalismo da ECO/UFRJ e editor do REATOR <http://www.reator.kit.net>, revista semanal de cultura