Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Alberto Dines

GOVERNO LULA

“Em favor das incertezas”, copyright Jornal do Brasil, 20/12/03

“O problema dos balanços de fim de ano é que são preparados muito antes, em meados de novembro, e as últimas semanas são, em geral, avaliadas quando o novo calendário já está avançado. Recorte arbitrário, os retrospectos valem apenas para as medições compreendidas dentro do ?ano fiscal?. No caso brasileiro, beneficiados pela coincidência cronológica – o mandato presidencial começou junto com o ano.

O resto é relativo e subjetivo, puro artifício. Inclusive as notas que os ministros foram obrigados a dar ao próprio desempenho, disfarçadas numa pontuação do governo. Ou a peroração do chefe da nação, que se estendeu ao longo de 87 minutos onde, entre as proclamações, reclamou da incontinência verbal dos auxiliares, esquecido da sua (?se falarmos menos e apenas o necessário, ficaremos mais felizes quando na manhã seguinte abrirmos os jornais ou revistas?).

O presidente Lula da Silva pode achar que ?o Congresso fez em sete meses o que em poucos momentos na história da instituição foi feito? mas os observadores sabem que nunca houve tantos conchavos e trocas de favores envolvendo parlamentares como agora. José Sarney, chefe do Legislativo, livre dos antigos pudores udenistas, hoje manda mais do que quando foi presidente da República. E não apenas no Amapá (convertido a toque de caixa num paraíso fiscal) mas em empresas públicas dos diferentes ministérios. Sobre isso, até mesmo os rebeldes recém-degolados são obrigados a calar-se, presos a uma constrangida omertà corporativa.

O governo tem obrigação de orgulhar-se da política externa, afinal ela está sendo engendrada no Palácio do Planalto com conexões que remontam à campanha eleitoral. Mas os salamaleques ao ditador líbio Muamar Kadafi não honram as tradições, a compostura e o profissionalismo do Itamaraty.

A esta altura, uma oposição competente já deveria estar imersa no balanço do balanço e destrinchando a fala presidencial de ponta a ponta. A verdade é que não temos uma oposição competente e o governo aproveita-se disso. Recolhe o apoio daqueles que se sentem na mesma canoa e não querem emborcá-la, em troca oferece uma desanimada festinha de fim de ano na qual nem os seus trunfos em matéria macroeconômica podem ser devidamente aprofundados, sob pena de serem abiscoitados pelos antecessores.

O tempo da incerteza não passou, ao contrário do que afiança o chefe da nação no seu papel de Grande Narrador. A marca e os benefícios de nosso tempo relacionam-se justamente com o fim das certezas. Indispensável duvidar, disputar, desconfiar, debater.

Ceticismo é o remédio do momento. A propaganda e as simplificações dissipam um dos atributos fundamentais do ser humano – sua capacidade de cogitar. Uma cidadania questionadora será mais eficaz e mais responsável se conseguir desvencilhar-se do ?espírito da bolha?, dos embalos marqueteiros e das fugazes euforias.

Ficou para trás definitivamente a era dos dogmas, unanimidades, utopias fechadas, fanatismos, fundamentalismos, sistemas controlados, integrismos. O debate que ora se trava na França entre o secularismo e a simbologia religiosa deve ser apreciado na sua verdadeira dimensão, como uma brecha nas facções monolíticas. A proibição, nas escolas públicas, do xador, da quipá ou do crucifixo não definirá o grau da democracia francesa. A descrença é um direito e não uma obrigação, o laicismo deve estar comprometido com a liberdade.

Este prenúncio do fim das intransigências não deve sinalizar para uma vitória do pragmatismo, tão perigoso quanto o messianismo. Os verdadeiramente sábios recusam a onisciência. Se o Lula salvacionista que ganhou as eleições for substituído por um Lula mais sensível e mais perplexo, ganha o Lula e ganhamos nós.”

 

“Jogo empatado”, copyright Folha de S. Paulo, 19/12/03

“Bem fez o PFL, que anunciou seu balanço do primeiro ano de Lula anteontem, quase sozinho.

Não alcançou grande repercussão, nada de manchete nos telejornais, mas a concorrência foi mínima -e foi possível pelo menos ouvir o que os pefelistas tinham a dizer.

Ontem, de Lula aos tucanos, foi como se o elenco inteiro de Brasília entrasse em cena com balanço, num ruído sem fim na TV e no rádio.

Falaram ministros, empresários, líderes de situação e oposição, economistas diversos, um bispo. Poucos esconderam que 2003 não foi bem.

Com exceções. A ministra Benedita da Silva reapareceu para dizer que ela foi bem, sim, e que não está nada preocupada em perder o cargo.

Ela e mais um ou dois transpiravam ansiedade. Já outros ministros se mostravam cruéis consigo e com o governo -e pareciam garantidos.

Também fizeram balanços os comentaristas de TV. Franklin Martins, na Globo, abriu com elogios rasgados:

– O governo conseguiu tirar o país da beira do abismo. Fez o que tinha que fazer e manteve os nervos no lugar. O resultado é que a situação está sob controle e a economia deve voltar a crescer em 2004.

Lula não falaria melhor, nem Duda Mendonça. O que eles não diriam, pelo menos não com as mesmas palavras, e que Martins sublinhou:

– Em compensação, na área social o governo não disse a que veio. Emprego, que é bom, até agora nada.

Míriam Leitão, também na Globo, foi em linha semelhante. Reclamou bastante do ?estilo conta-gotas? no corte dos juros, que levou ao crescimento ?perto de zero?, mas destacou:

– O consumidor não sente as mudanças, mas elas são importantes. Há um ano, os investidores tinham medo de aplicar em títulos públicos, o que poderia levar o governo ao calote e desmontaria a economia como um castelo de cartas.

Boris Casoy, por fim, também falou bem e mal:

– A política econômica foi extremamente responsável e recuperou realmente a confiança. Mas a política social, marca do PT, deixou a desejar.

Resumo do âncora do Jornal da Record:

– Como todos os governos, o de Lula tem aspectos positivos e negativos.

Resumo de Franklin Martins, falando da vitória da esperança sobre o medo, propalada na eleição de Lula:

– Após um ano, o jogo está empatado.

Soa pouco. E é mesmo.”

“PT monta rede digital para proteger Lula em 2004”, copyright O Estado de S. Paulo, 21/12/03

“O PT preparou uma superestrutura para evitar ataques ao governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva e dar munição aos candidatos do partido durante as eleições do ano que vem. O projeto petista prevê a instalação de uma rede de 5 mil computadores por todo o País, além da criação de 450 entrepostos de informação, localizados em cidades-chave.

O custo total para a informatização da campanha – considerada estratégica pela cúpula da legenda para manter os diretórios municipais municiados de informação contra ações de oposição federal – deve ?ultrapassar bastante? os R$ 5 milhões do orçamento previsto pelo partido para sua informatização, segundo o secretário de Finanças do PT, Delúbio Soares.

Se alguém criticar o governo federal em qualquer município, os candidatos a prefeito e vereador petistas terão, online, a argumentação para tentar rebater a informação, recorrendo aos entrepostos e à central do Grupo de Trabalho Eleitoral (GTE) do partido, com base em São Paulo.

O Fome Zero, principal bandeira social do governo Lula e também um dos projetos que recebem mais críticas da oposição, ganhará o ?Protótipo Fome Zero?, uma página na internet que só poderá ser acessada por dirigentes que tenham senha. Nela, os petistas encontrarão dados sobre as cidades atendidas pelo programa, além de metas e estatísticas do governo Lula.

?Nada ficará sem resposta na campanha do ano que vem?, afirma o secretário nacional de Organização e de Comunicação do PT, Silvio Pereira. ?Com a informatização, acompanharemos o pulso da campanha, num processo de monitoramento nacional inédito.?

A rede de informações tem o objetivo não só de fornecer dados contra ataques ao presidente Lula, mas também de dar munição ?com fundamento? aos candidatos do partido que são oposição em suas cidades. ?Quando o PT não era governo federal, podíamos criticar, mas agora haverá uma comparação natural com o governo Lula, então as críticas tem de estar bem embasadas?, diz Edivaldo Assis, coordenador do GTE.

Mudança – A mudança do foco de atuação petista em eleições municipais e a necessidade de criar uma superestrutura está no documento que dá as atribuições ao GTE. Em 2000, a orientação era a seguinte: ?Fazer com que as eleições municipais de 2002 assumam um papel de plebiscito sobre o governo (Fernando Henrique) e sua política.? O documento de 2004, com Lula no Planalto, mudou o tom: ?Embora não seja exatamente a vontade do PT, muito provavelmente as eleições municipais vão assumir esse papel, transformando-se no primeiro teste eleitoral do governo Lula.? A orientação petista é ?adotar a estratégia correta e operar com método, preparando o partido em todo o território nacional?.

Foi por essa razão que a cúpula do partido não titubeou em superar o orçamento de R$ 5 milhões para a compra de computadores para os diretórios municipais, entrepostos de informação e diretórios estaduais. Os postos regionais também darão dinheiro para a informatização da campanha de 2004.

Segundo o secretário de Finanças do PT, os 5 mil computadores serão de ?última geração?. Pelo menos 500 máquinas terão, entre outros acessórios, monitores com telas de cristal líquido.

Exército – Além de montar a rede, o PT dedicou grande parte de seus esforços neste ano para organizar-se pelo País. Hoje, o partido tem diretórios municipais ou comitês provisórios em 96% dos municípios brasileiros, o que lhe dará base para lançar 50 mil candidatos a vereador e 3 mil candidatos a prefeito.

O processo de filiação em massa deflagrado neste ano pelo PT também integra o rol estratégico para a formação de um exército petista. Dados do GTE indicam crescimento de quase 10% do número de militantes com carteirinha entre os dias 30 de setembro e 30 de novembro.

Atualmente, o partido tem registrados 589.461 filiados em todo País. De acordo com o coordenador do GTE, esse número pode ser bem maior, já que os diretórios regionais ?estocam? filiações para mandá-las de uma vez só ao diretório nacional.

Os Estados onde o PT tem maior número de filiados por eleitores são Mato Grosso do Sul (19,44 por mil eleitores), Amapá (14,54 por mil eleitores) e Rio Grande do Sul (8,95 por mil eleitores). Já aqueles onde a penetração do partido ainda é vista como tímida pela cúpula são Maranhão (2,05 por mil eleitores), Rio Grande do Norte (2,78 por mil eleitores) e Alagoas (2,78 por mil eleitores).”

“Lula, notícias e ato falho”, copyright Folha de S. Paulo, 20/12/03

“Dois trechos do discurso de Lula sobre seu primeiro ano chamaram a atenção e contêm alguma novidade, pelo menos do ponto de vista público. Primeiro, as referências à imprensa. Segundo, a descrição do serviço de José Dirceu. No geral, as 153 páginas do discurso são uma sucessão de obviedades -elogios a Palocci, promessa de um 2004 melhor do que 2003 e por aí vai. Só ao falar da imprensa e de José Dirceu o presidente foi além. No caso do ministro da Casa Civil, a frase é uma mistura de brincadeira com ato falho. O ato falho, ensinou Freud, ocorre quando o indivíduo revela de maneira involuntária algo bem guardado na memória. Eis o que disse o presidente sobre Dirceu: ?Eu não sei todos os acordos que ele faz no Congresso Nacional?. Não sabe, como? Lula poderia estar brincando. O ministro interpretou a fala presidencial para jornalistas. Foi ?modo de falar?. É, pode ser. Já sobre a imprensa, Lula repetiu um raciocínio usado outras vezes. Agora, mais elaborado: ?Eu aprendi uma coisa: notícia é aquilo que nós não queremos que seja publicado, o resto é publicidade?. Axioma apresentado, propôs uma solução aos ministros: ?Se nós falarmos menos e falarmos apenas o necessário, certamente ficaremos mais felizes a cada manhã, quando abrirmos as páginas dos jornais ou as páginas da revista?. Pode ter sido apenas uma ?boutade? de Lula. Mas a proposta está aí, clara: é melhor falar menos com a imprensa. Por que falar quando se tem uma máquina de propaganda e marketing como ninguém teve na República até hoje? Faz todo o sentido a sugestão presidencial.

Freud teria um prato cheio com Lula. Ontem o petista usou 15 vezes as palavras ?feliz?, ?felicidade? e ?alegria? em cerca de meia hora.”