A cada ciclo olímpico a situação se repete. Apagada a tocha olímpica, os esportes chamados amadores caem no esquecimento. Sem incentivo do governo, sem patrocínio da iniciativa privada e sem a atenção do público, voltam ao ostracismo. O Observatório da Imprensa exibido na terça-feira (26/8), pela TV Brasil e pela TV Cultura, discutiu como reverter esse quadro para que daqui a quatro anos os atletas brasileiros tenham mais chances de medalhas.
Participaram do debate ao vivo, em São Paulo, o jornalista Juca Kfouri e o dirigente esportivo José Carlos Brunoro. O convidado do Rio de Janeiro foi o jornalista Antonio Maria Filho. O ministro do Esporte, Orlando Silva, foi convidado a participar do programa, em entrevista gravada ou ao vivo, mas declinou do convite em função de compromissos assumidos anteriormente.
Juca Kfouri, jornalista, tem mais de 38 anos de profissão. Escreve para o caderno ‘Esporte’ da Folha de S.Paulo, participa do programa Linha de Passe e apresenta o Juca Entrevista, ambos na ESPN. Também apresenta o CBN Esporte Clube na Rádio CBN e mantém um blog no portal UOL.
José Carlos Brunoro é dirigente esportivo. Começou a carreira de atleta aos 14 anos. Foi preparador físico, conquistou inúmeros campeonatos internacionais como técnico da seleção brasileira masculina de vôlei. Hoje tem uma empresa de que cuida de negócios na área esportiva.
Antonio Maria Filho é colunista de Esportes do jornal O Globo e do Jornal das 10, da Globonews. Participou da cobertura de nove Copas do Mundo e duas Olimpíadas. Como atleta, remou pelo Botafogo e Flamengo. Conquistou quatro títulos brasileiros e uma Copa do Brasil. Disputou os Jogos Pan-Americanos de Winnipeg, em 1967.
Na coluna ‘A Mídia na Semana’ [ver tópicos abaixo], no primeiro bloco do programa, o jornalista Alberto Dines criticou o uso inapropriado da publicidade nas páginas dos jornais. Para ele, a imprensa deixou de ser um serviço público e transformou-se em uma indústria. Um exemplo foi a campanha de um lançamento imobiliário em São Paulo, que espalhou bolas verdes pelas páginas dos jornais. Outro assunto da seção foi a relação do cantor João Gilberto com os meios de comunicação. Sempre avesso aos holofotes da mídia, o artista não se apresentava em palcos cariocas havia 14 anos. ‘A mídia não perdoava suas manias, seus atrasos e excentricidades. Mas João Gilberto nunca submeteu-se à mídia, sempre a esnobou’, comentou Dines.
Ainda antes do debate ao vivo, no editorial do programa [íntegra abaixo], Dines avaliou o papel da mídia como incentivadora dos esportes olímpicos. Após o fraco desempenho da delegação brasileira na Olimpíada recém-encerrada em Pequim, o esporte amador sairá do foco da cobertura esportiva até a próxima grande competição. ‘Estamos diante de outra versão da história do ovo e da galinha: a mídia não dá atenção ao esporte amador porque nada acontece nesta área, ou nada acontece justamente porque a mídia não vai acompanhar?’, questionou. Dines chamou a atenção para o fato de que o crescimento do esporte olímpico precisa de soluções integradas.
Na reportagem exibida antes do debate ao vivo, o coordenador de Esportes da Universidade Gama Filho (UGF), Sebastião Ramos, explicou que nos Estados Unidos o preparo dos atletas para competições começa mais cedo que no Brasil, o que possibilita ao esportista participar de competições durante mais tempo. Jussara Guedes, coordenadora de marketing do Banco do Brasil, disse que já existe um número grande de empresas que patrocinam atividades esportivas no Brasil, mas que é preciso um projeto para um ciclo olímpico que inclua o apoio às categorias de base.
Muita expectativa, pouco investimento
No debate ao vivo, o jornalista Juca Kfouri critcou o Comitê Olímpico Brasileiro (COB). Kfouri apelidou o comitê de ‘cobre’, porque ‘só sabe cobrar’, e disse discordar da afirmação do COB de que o Brasil cresceu nos jogos de Pequim em relação aos de Atenas, realizados em 2004. Kfouri ressaltou que o COB alega precisar de mais recursos, mas não quer ser avaliado. Também censurou o ministro do Esporte, a quem chamou de ‘enganador das multidões’.
Em entrevista recente ao jornal O Globo, o ministro Orlando Silva afirmou que o Brasil precisa investir em esportes individuais, como lutas e halterofilismo, para alcançar mais medalhas. Na opinião de Kfouri, esse objetivo é contrário à visão do esporte como fator de inclusão social e melhoria da saúde pública. Kfouri acredita que atualmente a imprensa cobre os esportes olímpicos mais do que no passado, e relembrou que quando a revista Placar abriu espaço para esses esportes as vendas caíram.
Antonio Maria Filho afirmou que não existe no Brasil uma política de iniciação ao esporte nas escolas. Para ele, o incentivo seria essencial para o Brasil obter melhores resultados, descobrir novos atletas e grandes campeões. Mas o jornalista não acredita que essa situação possa ser resolvida a curto prazo. ‘Como é que você vai fazer a iniciação esportiva nesses colégios se você não tem professor para ensinar o be-a-bá para essas crianças?’, perguntou.
José Carlos Brunoro comentou que o Brasil de hoje ainda tem o mesmo problema de quando iniciou sua carreira de esportista, aos 14 anos: os recursos não chegam ao atleta. Para Brunoro, que foi professor de Educação Física em escolas públicas, o país precisa de uma política desportiva que englobe as escolas, universidades e ligas, como ocorre nos Estados Unidos. Brunoro disse que os demais esportes não devem competir com o futebol porque este último faz parte da cultura nacional. ‘Um país com 180 milhões de habitantes tem que ter espaço para todos os esportes’, afirmou.
A pressão da imprensa
Um telespectador perguntou a Juca Kfouri o porquê de o desempenho do Brasil nos Jogos Pan-Americanos ser melhor do que na Olimpíada. Kfouri relembrou que quando o Pan-Americano do Rio de Janeiro terminou, foi chamado de ‘amargo’ pelo ministro do Esporte e de ‘mau patriota’ pelo presidente do COB, Carlos Arthur Nuzman. O jornalista alertara para o fato de as medalhas de ouro conquistadas pelo nadador Thiago Pereira no Pan – em uma competição de ‘terceira divisão’ – não garantirem o êxito da modalidade em Pequim, onde estariam os melhores do mundo.
Kfouri pretendia impedir que o ‘ufanismo de alguns’ gerasse uma falsa expectativa que se voltasse contra os atletas. ‘Quando a TV Globo encasqueta de fazer uma manifestação ufanista, fica difícil de combater’.
A pressão da imprensa, na opinião de Antonio Maria Filho, afeta o desempenho do atleta. O jornalista comentou que Thiago Pereira sabia que não conquistaria medalhas, mas embarcou para Pequim com ‘com 180 milhões de brasileiros achando que ele ia ganhar’.
O papel das universidades no incentivo ao esporte foi avaliado por José Carlos Brunoro. O dirigente explicou que, no Brasil, as universidades precisariam estar inseridas em um modelo específico. Hoje, os times universitários competem com os grandes clubes, o que não cria respeito na comunidade. É necessário um modelo adaptado às nossas realidades, sem depender apenas do patrocínio.
Esporte olímpico no país do futebol
A ‘monocultura do futebol’, para Antonio Maria Filho, restringe o espaço para a cobertura dos esportes olímpicos na mídia. Outros fatores que diminuiriam visibilidade do esporte amador seriam a globalização e a presença de jogadores brasileiros em times europeus. ‘O brasileiro só pensa em futebol’, disse. Com esse quadro, não é possível cobrir o dia-a-dia das outras modalidades: ‘O esporte olímpico brasileiro fica largado, a não ser quando há uma grande competição.’
Dines perguntou a Juca Kfouri como seria possível despertar o interesse do grande público e diminuir a ‘obsessão pelo futebol’. Na opinião de Kfouri, o primeiro passo é incentivar a prática esportiva da população: ‘Você só vai gostar daquilo que você entende’. Mas a massificação do esporte só será possível acompanhado de uma política pública que ofereça a prática de diversas modalidades.
Para Kfouri, a concentração da atenção do público no futebol é compreensível porque é um esporte onde o Brasil tem ‘excelência’, e que propicia ao atleta formas de ascensão social. Com o fenômeno dos canais por assinatura, os esportes olímpicos conquistaram um espaço maior, mas a ampliação da visibilidade não foi suficiente por falta de incentivos do governo. A iniciativa privada prefere investir no que oferece retorno imediato. No máximo, apóia ‘ronaldinhos’ ou ‘kakás’ porque estes garantem público.
O Brasil é um dos únicos países do mundo em que a população deseja assistir ao esporte na TV aberta, explicou José Carlos Brunoro. No entanto, os canais abertos são movidos pela audiência, o que impossibilita a transmissão de esportes com pouco público. O dirigente criticou a cobertura dos canais fechados. Para ele, falta informação sobre as modalidades. Brunoro comentou ainda que já tentou comprar horário na TV aberta para transmitir modalidades olímpicas, mas não conseguiu devido à baixa audiência.
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A ressaca olímpica
Alberto Dines # editorial do Observatório da Imprensa na TV nº 475, no ar em 26/8/2008
Bem-vindos ao Observatório da Imprensa.
Os jornais de hoje [terça, 26/8] estavam diferentes. Talvez piores do que o usual. Durante quase três semanas, a mídia inteira festejou a Olimpíada de Pequim, mesmo que pouco houvesse para festejar, mesmo que as notícias chegassem atrasadas algumas horas.
Olimpíadas encerradas, vamos discutir durante alguns dias o mau desempenho da nossa delegação. Depois disso, e ao longo dos próximos quatro anos, o esporte amador vai evaporar-se novamente dos jornais, telejornais e radiojornais.
Estamos diante de outra versão da história do ovo e da galinha: a mídia não dá atenção ao esporte amador porque nada acontece nesta área, ou nada acontece justamente por que a mídia não vai acompanhar?
Uma coisa é certa: a ditadura do futebol, além de nos oferecer poucas alegrias ultimamente, contribui muito para sufocar a cobertura do esporte amador. E nos dois casos nossa mídia comete um pecado capital: trata da competição mas esquece dos bastidores (ou dos porões). Nos dois casos, a cartolagem raramente é incomodada; nos dois casos o espaço dedicado às mazelas estruturais é ínfimo.
O desenvolvimento do esporte olímpico no país não depende de acessos de voluntarismo ou impulsos setoriais, requer soluções integradas. Maior participação das universidades, mais estímulo aos grandes clubes para se tornarem poliesportivos e, sobretudo, a percepção de que o pódio e as medalhas de ouro fazem parte de um processo onde a mídia aparece no início como motivadora e aparece no fim como a principal cobradora.
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A mídia na semana
** A imprensa deixou de ser serviço público, virou indústria. Agora vale tudo. Os jornais estão loteados, até as primeiras páginas são pirateadas. Na semana passada, a imprensa paulista começou a veicular uma estranha bola verde-abacate no meio das matérias e até em sites da internet. O ombudsman da Folha reclamou contra o abuso e neste fim de semana descobriu-se que a bola verde-abacate é um lançamento de prédios de luxo para atravancar ainda mais o trânsito da Paulicéia.
** Há quatorze anos não cantava no Rio. em São Paulo, não aparecia há cinco. A mídia não perdoava suas manias, seus atrasos e excentricidades. Mas João Gilberto nunca submeteu-se à mídia, sempre a esnobou. Resultado: seus shows foram um estrondoso sucesso. Mesmo aos 77 anos, mesmo vestido com terno e gravata, mesmo na contramão do sucesso fácil. Moral da história: a mídia não manda, a mídia obedece.
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Jornalista