AMERICANOS FICHADOS
“Toma lá, dá cá”, copyright No Mínimo (www.nominimo.com.br), 14/01/04
“Um desembargador com nome de censor romano deu, em vão, a César (Maia) o que o governo Lula sonegou ao alcaide carioca e 74% dos leitores do ?Jornal do Brasil? não lhe dariam: uma liminar para que os turistas americanos continuassem isentos de reciprocidade nos portos e aeroportos do Rio. Fiquei esperando outra liminar do desembargador Catão Alves, obrigando o nosso prefeito a dar um basta nas aporrinhações que realmente causam prejuízo à imagem da cidade. Mas ela não veio.
Promovam uma enquete junto aos gringos. Perguntem se eles preferem maré mansa na alfândega do Rio e as habituais pragas da cidade (taxistas desonestos, cambistas, pivetes e balas perdidas) ou fichamento (com tecnologia americana) e segurança garantida durante a sua estada? Claro que eles escolheriam a segunda opção. Mas como ainda não dá para sequer sonhar com ela, o jeito é torcer para que não digam por aí que o Rio, de olho no vil metal da indústria turística, prefere ser ?a casa da sogra?.
Estou me apropriando da expressão que Elio Gaspari usou, em sua coluna, a propósito da ordem judicial do magistrado Julier Sebastião da Silva para fotografar e fichar todos os cidadãos americanos desembarcados no País. Gaspari foi o primeiro jornalista a vibrar com a atitude do juiz matogrossense, antecipando-se a milhares de outros brasileiros e até alguns americanos que, apesar dos contratempos na chegada ao Brasil, consideraram a medida natural, senão didática e exemplar. Depois de mofar três horas no Aeroporto Tom Jobim, o professor Robert Lentz, procedente de Los Angeles, ainda teve ânimo para dizer: ?Vocês estão nos dando uma lição. Fazemos isso com todas as pessoas do mundo. Somos preconceituosos. Já era hora de alguém tomar uma atitude?.
Lentz cometeu um pequeno equívoco. Os americanos não fotografam e tiram as impressões digitais de todas as pessoas do mundo. Por serem preconceituosos, só livram a cara dos cidadãos de 28 países, arrolando o Brasil entre os que não têm direito a colher-de-chá, não porque sejamos pródigos em terroristas (Timothy McVeigh, o último terrorista nascido e criado neste lado do mundo, aquele que há nove anos explodiu 168 pessoas em Oklahoma, era americano) mas porque somos vistos e tratados pelos americanos como um povo de segunda classe.
Os europeus figuram entre os 28 barra-limpas. Mas não tinha passaporte britânico e imaculado prontuário aquele sujeito que há um ano foi preso com explosivos na sola do sapato? Zacarias Moussaul, um marroquino de nascença implicado nos atentados de 11 de setembro, não entrou nos EUA como cidadão francês?
Lentz não foi o único a equivocar-se durante a guerra das digitais. O próprio promotor da guerra cometeu duas impropriedades. A primeira, ao comparar o rigoroso esquema de segregação imposto aos turistas estrangeiros pelo governo Bush a práticas nazistas. A segunda, ao tratar como reciprocidade uma medida que, para ser recíproca, teria de esperar quatro ou cinco dias para entrar em vigor. Mas desta mancada o dr. Sebastião da Silva pode se defender facilmente. Basta alegar que, seguindo o exemplo de Bush com relação à guerra no Iraque, inventou a reciprocidade preventiva.
A mídia também cometeu impropriedades. Chamaram a quizumba das digitais de ópera-bufa, pirraça, patriotada juvenil, até de jabuticaba (por ser algo que só no Brasil existe). Não foi bem uma ópera-bufa, mas, dada a precariedade de meios com que sempre imitamos os americanos, uma chanchada. Desdouro nenhum. Poucas coisas são mais autenticamente cariocas do que a chanchada. Como o fichamento de turistas não é praticado só aqui, mas também nos EUA, a metafórica jabuticaba não se aplica ao caso. Já Plataforma (a churrascaria), sim. Eis uma coisa que só existe no Rio e em Nova York.
O que fazer com todas aquelas fotos e digitais de americanos? Muitos dos que preferem morar na ?casa da sogra? levantaram essa questão, como se ela fosse relevante. Mais do que isso: um problema insolúvel. Não é. Jac Leiner, artista plástica que faz esculturas até com cinzeiros de avião, talvez adorasse recebê-las.
Também tenho sugestões para acabar de vez com esse imbróglio todo. O presidente Lula poderia ter proposto ao Bush suspender a guerra das digitais assim que os americanos encontrassem armas de destruição em massa no Iraque.
Mas, e os chatos e cretinos que aqui aportam? Estes, sim, me preocupam. Terroristas até cá não vêm. Um simples questionário, submetido aos visitantes americanos antes do desembarque, resolveria, a meu ver, a questão. Quem votou no Bush, foi a favor da invasão do Iraque, confia no noticiário da Fox News, trouxer na bagagem algum livro de auto-ajuda e estiver vindo ao Brasil estimulado pelo filme ?Curuçu, o Terror do Amazonas? e para dançar a macarena, seria barrado e mandado de volta para os EUA.”
“Incidente repercute nos EUA”, copyright Jornal do Brasil, 16/01/04
“A polêmica envolvendo um piloto da American Airlines, que desacatou a Polícia Federal com um gesto obsceno durante o serviço de identificação no Aeroporto de Cumbica, em São Paulo, ganhou destaque nos jornais dos Estados Unidos e de outros países.
Para o jornal Miami Herald, o incidente é o ?último golpe nas tensas relações diplomáticas entre o Brasil e os Estados Unidos?, desde que o país decidiu retaliar a medida de identificação de brasileiros que desembarcam nos EUA. O diário, que exibiu a imagem de Dale Hersch com o dedo médio em riste, condenou o ato e admitiu que seu gesto era obsceno ?em todas as línguas?. O Herald explicou que a empresa aérea pagou multa de R$ 36 mil para liberar o piloto e se desculpou pelo incidente, assim como fez o próprio Hirsch, ao saber das repercussões de seu ato.
O site da TV CNN noticiou o caso, mas priorizou ?a demora nas filas para identificação? e comentou que o Rio de Janeiro, ?preocupado com os prejuízos para o carnaval, enviou passistas para receber americanos no aeroporto?.
Com tom parecido, o USA Today lembrou que ?as autoridades de turismo do Rio estão tentando consolar os turistas americanos, tratando-os com samba e dançarinas e dando-lhes flores, jóias e camisetas?. O The New York Times e o Washington Post também noticiaram o caso da ofensa do funcionário da American Airlines.
A detenção temporária do piloto também foi divulgada na Europa. O site da rede britânica BBC noticiou que as autoridades brasileiras preferiram multar o piloto a fazer acusações formais, porque teriam considerado o incidente ?uma brincadeira de mau gosto?.
Na Argentina, o Clarín reconheceu que o gesto ?inicia um novo capítulo na polêmica causada pelo fichamento de americanos no Brasil?.”