De manchete em manchete, uma série de vazamentos de informações sobre o Iraque e sobre a campanha antiterror do governo americano foi sendo publicada nas mídias local e internacional – e, da mesma forma que o número de revelações foi aumentando, cresceram também as pressões e condenações da mídia por parte do governo dos EUA e de outros países.
A onda de vazamentos de informações confidenciais começou em 2003, quando o especialista em armas químicas britânico David Kelly foi identificado como a fonte de uma matéria divulgada pela BBC questionando os argumentos do governo do Reino Unido para a invasão do Iraque. O fechamento do caso foi dramático, com o suicídio de Kelly. Desde então, são diversos os exemplos de vazamentos na imprensa e investigações de jornalistas responsáveis pela divulgação de informações confidencias.
As atitudes tomadas por líderes americanos e europeus em represália a estes vazamentos preocupam grupos defensores da liberdade de imprensa. ‘É grotesco que, em um momento em que a retórica política esteja cheia de noções de democracia e liberdade, seja questionado o direito fundamental dos jornalistas de investigar assuntos de interesse público’, argumenta Aidan White, secretário-geral da Federação Internacional dos Jornalistas.
Entretanto, autoridades governamentais acreditam que o interesse nacional requer o fim do vazamento de informações confidenciais, pois algumas matérias divulgadas na mídia prejudicam a vida dos cidadãos, ao fornecer dicas aos terroristas sobre as táticas do governo. ‘Não podemos continuar a operar em um sistema onde o governo dá passos para conter o terrorismo enquanto a mídia ativamente trabalha para revelar estas operações, sem pensar em proteção de vidas, fontes ou métodos legais’, afirma o senador americano Pat Roberts.
Eis alguns dos casos de represálias legais sofridas por profissionais de imprensa nos últimos anos:
Reino Unido
Nos anos de 2004 e 2005, Michael Smith, na época correspondente do The Times, divulgou memorandos do primeiro-ministro Tony Blair que indicavam que a administração Bush estava engajada, havia tempo, em invadir o Iraque, sendo a informação da existência de armas nucleares no país apenas uma desculpa para fazê-lo. Hoje, Smith é investigado sob o Ato de Segredos Oficiais do Reino Unido.
Já David Keogh, ex-funcionário do escritório de comunicação do Gabinete do primeiro-ministro, e Leo O’Connor, ex-pesquisador parlamentar, são acusados de violar o Ato de Segredos Oficiais no suposto vazamento de um memorando secreto sobre um encontro de Bush e Blair em 2004, no qual o primeiro-ministro teria discordado da sugestão do presidente americano de bombardear a rede de televisão al-Jazira, no Catar. Keogh e O’Connor, se condenados, podem pegar até dois anos de prisão. Depois que o jornal Daily Mirror publicou uma matéria sobre o memorando, em novembro do ano passado, o procurador-geral do Reino Unido alertou aos editores de outras publicações que poderiam ser condenados caso divulgassem qualquer informação sobre o documento.
Dinamarca
Ainda este ano, dois jornalistas dinamarqueses serão julgados por terem publicado, em 2004, que o governo da Dinamarca sabia, antes de apoiar a invasão ao Iraque, que não havia evidências confirmadas de armas nucleares no país. A fonte da informação, um ex-agente secreto, foi condenado e preso por quatro meses, no ano passado. A Corte deve agora decidir se a mesma sentença se aplica aos jornalistas Michael Bjerre e Jesper Larsen, do Berlingske Tidene. Se condenados, eles podem pegar até dois anos de prisão.
Suíça
Investigadores suíços procuram o responsável pelo vazamento de um documento da agência de inteligência do país que comprova a existência de uma rede de prisões da CIA; eles ainda avaliam, sob as leis de confidencialidade, as acusações criminais a serem aplicadas contra três jornalistas do semanário SonntagsBlick que publicaram matéria sobre o caso.
Romênia
Dois jornalistas romenos foram condenados a sete anos de prisão por terem tido acesso a documentos secretos sobre operações militares no Iraque e no Afeganistão, embora o jornal em que eles trabalham nunca tenha publicado nada sobre o caso.
Alemanha
Um relatório parlamentar do dia 26/5 revelou que a agência de inteligência em Berlim espionava ilegalmente jornalistas alemães desde os anos 90 para descobrir as fontes de suas informações confidenciais.
Holanda
O De Telegraaf, maior jornal do país, foi à Corte no mês passado e ganhou um processo pedindo ao serviço secreto holandês para parar de grampear telefonemas de dois repórteres que obtiveram informações confidenciais sobre corrupção no governo.
EUA
A repórter Judith Miller, então funcionária do New York Times, ficou três meses na prisão por ter se recusado a revelar suas fontes no caso do vazamento da identidade da ex-agente da CIA Valerie Plame.
O Departamento de Justiça investiga jornalistas do New York Times e do Washington Post que revelaram, em 2005, que o governo monitorava telefonemas de americanos sem autorização judicial. O Post também é investigado por revelar que a CIA mantinha prisões secretas na Europa Oriental.
O principal alvo do governo, entretanto, é o NYTimes. No dia 23/6, o diário e outros dois jornais publicaram matéria detalhando um programa secreto da CIA, em parceria com o Departamento do Tesouro, que rastreia transações financeiras de grupos terroristas com base em um banco de dados internacional. Alguns políticos republicanos pediram que fossem iniciadas investigações criminais dos jornalistas responsáveis e de funcionários do governo que podem ter vazado a informação. Informações de Charles J. Hanley [Associated Press, 1/7/06].