DIÁRIO DE NOTÍCIAS
"Um ar de mudança", copyright Diário de Notícias, 18/1/04
"O leitor Luís Melo pergunta à provedora se, ?em sua opinião, o DN está melhor do que antes da chegada da actual direcção?. Segundo afirma, ele próprio não chegou, ainda, a uma conclusão, mas nota que ?ultimamente diminuíram as críticas ao jornal?. Acrescenta que não sabe se ?isso se deve à quadra festiva (natalícia) ou se à mudança de direcção do jornal?.
A provedora confessa sentir alguma dificuldade em responder ao leitor, não só porque a nova direcção leva pouco tempo de funções, para que se possa ter já uma ideia precisa sobre a ?marca? que pretende imprimir ao jornal, mas, também, porque, na realidade, ela não representa um ?corte? com a anterior, uma vez que um dos actuais directores adjuntos transitou da anterior equipa, embora com outro nível, e outro dos actuais subdirectores ocupava já anteriormente funções de editor. Para além disso, o anterior director mantém o título no cabeçalho do jornal, o que, pelo menos ao nível simbólico, não é de somenos importância.
Acresce que afirmar que o jornal está ?melhor? ou ?pior? pressuporia que existe um modelo ideal e abstracto de ?bom jornal?, que não existe.
Mas um critério possível de avaliação da ?qualidade? do jornal é a verificação da correspondência entre o que é publicado e os princípios expostos no estatuto editorial, embora, mesmo aí, o carácter geral desses princípios permita alguma elasticidade. Tendo em conta que o estatuto editorial do DN não mudou com a nova direcção, algo estaria errado ? no anterior ou no actual ?modelo? ? se existisse uma mudança sensível, de uma direcção para outra.
A provedora aceita, contudo, o desafio do leitor e vai tentar responder-lhe, certa de que qualquer apreciação sobre o ?actual DN? se reveste de um carácter provisório, pelas razões acima invocadas.
Parece inquestionável que existe um certo ar de mudança no DN. É, ainda, difícil dizer como se traduz, mas são já visíveis alguns sinais. Em primeiro lugar estão os editoriais, agora não personalizados, que constituem a marca mais evidente da nova direcção. Em si mesma, essa opção não confere nem retira qualidade ao jornal, embora possa introduzir-lhe coerência e autoridade. Alguns leitores não apreciaram essa mudança, preferindo os editoriais assinados. Um deles, Vieira dos Santos, comentando uma anterior coluna da provedora sobre o assunto, considera o actual modelo ?redutor? e afirma que ?o valor do editorial, além do valor que tenha de per si, tem o valor da pessoa que o assina. Não tem o ?cinzentismo? do arredondamento das sensibilidades intervenientes, cujo teor se não patenteia?. Acrescenta o leitor que ?o colectivo pode ter mais peso, mas rouba verdade ao conteúdo do editorial?. Daí que pergunte se ?esta nova orientação não será um voltar atrás?.
Ora, comparando o ?estilo? e, em parte, também o conteúdo dos anteriores e dos actuais editoriais do DN, existe, de facto, uma diferença sensível, embora anteriormente os editoriais variassem consoante quem os assinava. Mas os leitores não terão dúvidas em reconhecer que os editoriais estão, hoje, longe do radicalismo (mas, também, do rasgo) de alguns dos que foram publicados durante a anterior direcção, apesar de, em momentos específicos, terem provocado sentimentos radicais de aplauso ou condenação. O ?tom? é hoje diferente: a serenidade, o consenso, a contenção verbal caracterizam o estilo da nova direcção. Para alguns leitores faltar-lhes-á, talvez, acuidade e audácia. Trata-se, contudo, de um estilo que só o tempo dirá se atrai ou desinteressa a maioria.
Há, por outro lado, mais ?serenidade? na primeira página. Estão longe as manchetes gritantes, tantas vezes criticadas nestas páginas. Desapareceram, assim, algumas marcas de tabloidização do DN dos últimos tempos. É visível, por exemplo, a contenção no tratamento do processo Casa Pia, não obstante existirem, ainda, alguns títulos menos rigorosos, como o da peça do dia 7 (pág. 16) ? Sinais comprometedores ? que contém implícita uma conclusão não assumida no texto, antes negada pelas partes ouvidas. A sensibilidade do tema e as polémicas que o envolvem recomendam uma redobrada atenção ao que se escreve.
Ao nível do noticiário nacional há, ainda, muito ?trabalho de casa? para fazer. As notícias da política e da governação continuam cativas dos discursos e das iniciativas oficiais, não obstante caber ao DN o mérito de ter tido, nas últimas semanas, acesso a dois ?exclusivos? ? o parecer da Procuradoria-Geral da República, confirmando a ?violação da lei? por parte do ex-ministro da Ciência e Tecnologia, no caso da entrada no curso de Medicina da filha do ex-ministro dos Negócios Estrangeiros (31/12), e o telefonema do primeiro-ministro ao Presidente da República, a propósito da carta anónima com o seu nome apensa ao processo Casa Pia (manchete de 6/1). Faltou, contudo, em ambos os casos, o enquadramento dos factos noticiados, isto é, a explicação do seu significado mais amplo. Um ar de mudança, embora ténue, é, pois, visível, no DN. Contudo, é, ainda, cedo para conhecer em que sentido ele vai.
Bloco-Notas
Perguntas e respostas ? Deveria um jornal divulgar, como fez o Jornal de Notícias (JN), depois seguido por todos os media, que uma carta anónima com o nome do Presidente da República, considerada ?irrelevante?, foi apensa ao processo Casa Pia? Esta pergunta foi, e continua a ser, intensamente discutida nos meios jornalísticos, políticos e judiciários. Suscitou, também, perguntas de leitores do DN. Vejamos.
A ?fuga? e o segredo ? A notícia do JN, como praticamente todas as notícias sobre esse processo, resultou de uma ?fuga? de informação em segredo de justiça. Depois de um ano dessa prática sistemática, sem que se conheça imputação de responsabilidades a quem quer que seja, a existência de mais uma violação não surpreendeu ninguém, nem teria, talvez, causado discussão, se não fosse a relevância da personalidade envolvida ? o Presidente da República. De facto, instalou-se no País uma ?cultura de permissividade? que torna o segredo de justiça uma norma desacreditada. Os primeiros responsáveis por este estado de coisas são aqueles a quem compete guardá-lo, mas se mostram incapazes de o fazer.
Publicar ou não publicar ? Sendo função dos jornalistas publicar notícias, eles não publicam, contudo, toda a informação que conhecem. A decisão de publicar uma notícia baseia-se no ?julgamento? (do jornalista) de que o interesse público dessa notícia se sobrepõe a outros valores e interesses que, eventualmente, sejam postos em causa pela publicação. O ?princípio de autoridade? implícito no acto de seleccionar matéria a publicar supõe um princípio de responsabilidade correlativa. Ao divulgar a existência da ?carta?, o JN violou um valor ? o segredo de justiça ? em nome de outro valor ? o interesse público ? atribuído ao facto de uma carta anónima com o nome do Presidente, considerada ?irrelevante?, ter sido incluída no processo, facto que o jornal julgou dever ser do conhecimento dos portugueses.
Opiniões opostas ? Uma avaliação rigorosa da decisão do JN necessitaria, contudo, de resposta à questão de saber se a inclusão, no processo, da carta anónima com o nome do Presidente foi, ou não, um erro. Porque se foi, dada a sua gravidade, esse erro deve ser conhecido dos portugueses e os seus autores responsabilizados, tal como acontece com erros cometidos por detentores de outros poderes do Estado. Ora, sobre isso, o que os portugueses sabem é que a junção da carta ao processo suscita opiniões diametralmente opostas entre os operadores judiciários, o que causa perplexidade, levando, mesmo, a concluir que a lei e o Direito são matéria frágil e à mercê de todas as interpretações. Acresce que, se se viesse a provar que a justiça cometera um erro ao incluir a carta no processo, entre ser punido por quebrar o segredo de justiça e divulgar o erro da justiça, um jornalista decidiria, sempre, divulgar o erro."