TRÍPLICE FRONTEIRA
Márcio Fernandes (*)
Dois acontecimentos recentes em Foz do Iguaçu (PR) corroboram a tese de que a culpa não é somente da CNN quando o assunto é a má imagem da região fronteiriça que vem se propagando mundo afora, devido àquelas antigas suspeitas de que, nesta parte do Brasil (e junto ao Paraguai), há focos de células terroristas.
Volta e meia aparece alguma liderança brasileira, sobretudo política, dizendo que a CNN e a revista Veja, por exemplo, têm produzido reportagens inverídicas acerca de Foz, espantando visitantes. Antes de tudo, essa é uma visão romântica e difundida apenas para "inglês ver".
O primeiro acontecimento a que me refiro é o assassinato de um turista francês, em pleno dia, no centro de Foz do Iguaçu, em novembro. No final de uma tarde, o cidadão Pierre Le Goffic, de 73 anos, passeava pela calçada nas proximidades do hotel em que estava hospedado quando foi abordado por um grupo (havia um menor de idade no meio) que acabou lhe tirando a vida.
Em uma cidade que recebe quase 1 milhão de turistas por ano, o policiamento em áreas como cercanias de hotéis deveria ser intenso. Se o estado do Paraná não compreende como se faz, pode enviar alguns emissários a Salvador, na Bahia, para ver como se procede no Pelourinho, um dos locais mais seguros da capital baiana.
Sem resposta
O segundo fato é ainda mais grave. Dia desses, uma testemunha da operação Anaconda, que vem investigando o possível envolvimento de policiais federais e outras figuras do poder público em atividade ilegais na região, foi executada com sete tiros. Jurandir Pereira de Oliveira, 38 anos, contrabandista, havia saído oito dias antes, por alegada vontade própria, do Programa Nacional de Proteção à Testemunha.
Tão importante quanto descobrir quem mandou assassinar é explicar a todos por quais motivos o Estado deixou de ter, sob sua tutela, alguém que lhe era tão importante. Nessas horas de crise, o Estado deveria agir como um pai de pulso firme, ordenando que o filho (nesse caso, Jurandir) permanecesse sob sua guarda. Não o fez e o resultado está aí.
Fatos assim, em Foz, volta e meia acontecem ? a cidade tem elevadíssimos índices de violência ? e o máximo que as lideranças fazem é se queixar dos veículos de comunicação. Deveriam é ficar felizes da vida, já que a mídia também não cumpre direito seu papel e não consegue fazer mais do que ficar jogando lenha na fogueira, ao noticiar acerca de suspeita de terrorismo e, às vezes, ao veicular reportagens sobre os acontecimentos acima resumidos.
Enquanto a comunidade de Foz não perceber o caminho errado que está seguindo, a violência somente aumentará e as lideranças continuarão agindo sem efeitos práticos, tendo que recorrer a artifícios ridículos como o recente festival internacional de humor, uma iniciativa espetacular, mas feita de um modo errado, fazendo graça com um assuntos sérios como a violência e a corrupção generalizadas que ocorrem na fronteira. Nos últimos dias, foi impressionante o número de pessoas vindo à mídia para repetir o bordão de que, em região que tem humor, não tem terror.
Assim, enquanto isso tudo não for compreendido e levado a sério, Foz continuará a deixar sem resposta aquele turista francês que estava na mesma excursão de Pierre que, um dia após o assassinato, antes de retornar para seu país, perguntou à imprensa:
? Por que o menino pega a bolsa, volta e atira? Não podemos entender.
A resposta, claro, está na resignação que ronda a sociedade local.
(*) Jornalista profissional (MTb 1022) e professor universitário no Paraná; e-mail: <marciofernandes@unipar.br>