Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Roberto Maciel

O POVO

"Dinamite e gás butano: explosão de dúvidas", copyright O Povo, 14/12/03

"Agentes prisionais e policiais militares encontraram 86 botijões de gás butano na antiga unidade do Instituto Presídio Professor Olavo Oliveira (IPPOO 1). A notícia foi publicada pelo O POVO no último dia 4. A busca foi feita após se contornar uma tentativa de fuga na casa de detenção ? na qual até dinamite foi usada por internos, com o intuito de destruir o muro, e tiros foram disparados contra os policiais militares que vigiavam a amurada. A partir desse cenário surrealista ? surrealista, sim, já que deveria pertencer ao irracional a idéia de que empresas distribuidoras de gás chegam às portas de presídios para, sob o beneplácito do poder público, vender botijões a detentos ? foi publicada uma seqüência de matérias sobre o problema. Mas questões importantes ficaram sem respostas. Ou tendo as respostas limitadas à voz oficial, sem o necessário aprofundamento por parte de toda a Imprensa, O POVO inclusive. Exemplos: como se estrutura a política carcerária do Estado e sobre que base legal esta consentiu a entrada de botijões de gás em um presídio?

Deve-se lembrar que o coordenador do Sistema Penal, Bento Laurindo, afirmou que, embora proibida a entrada de botijões de gás no presídio, a Secretaria Estadual da Justiça a tolerava. Veja a explicação publicada no O POVO: ?A Sejus entendia, segundo Laurindo, que grande parte dos presos ?não gosta da alimentação servida no refeitório do IPPOO?. E, ainda, que, ?todos esses fatos, segundo o diretor do presídio, Márcio Viana, vinham sendo admitidos por administrações anteriores e acabaram virando ?uma cultura? no IPPOO?. Nenhum especialista, nenhum procurador de Justiça, nenhum jurista, nenhum ex-secretário da área foi ouvido sobre essa ?cultura? por nenhum jornal, emissora de rádio ou de TV.

Sexta-feira (5), sob o título ?Sistema penal cearense ? Secretário da Justiça admite que presos do IPPOO têm privilégios?, O POVO informava que o secretário da Justiça do Estado, Evânio Guedes ? responsável pela gestão dos presídios ? reconhece a existência de regalias. Sábado, o jornal publicou outra matéria intitulada ?Conselho Penitenciário ? IPPOO: relatório aponta problemas?, segundo a qual o Conselho Penitenciário do Estado do Ceará também sabia de irregularidades como os botijões havia mais de um mês e que as apontara em um relatório que só na sexta anterior foi apresentado e discutido. A matéria não responde o fundamental: se o Conselho Penitenciário sabia das irregularidades há tanto tempo, por que não as denunciou antes? Se a pergunta tivesse sido feita, certamente renderia outra: se o Conselho tivesse ?apresentado e discutido? antes o que viu no IPPOO, seria possível prevenir a tentativa de fuga com dinamite e os tiros contra os PMs da guarda?

Segunda-feira última, a coluna Política, assinada pelo jornalista Arlen Medina informou que, de acordo com o secretário da Justiça, ?o que foi revelado pelo O POVO é, na verdade, uma ação direta de suas ordens?. Evânio Guedes se referia ao recolhimento dos botijões, celulares, armas artesanais e cachaça produzida em alambiques improvisados nas celas. Mas não se observou ali que as ordens, sendo ou não do secretário, foram emitidas tardiamente. Mais eficiente do que retirar os botijões é impedir que eles entrem. E essa prevenção não se efetivou durante 11 meses e três dias ? o período entre a posse do atual Governo e a busca feita no IPPOO ? o mais, até, considerando a ?cultura? apontada por Márcio Viana, diretor do presídio.

Por fim, até este sábado a Imprensa não se mostrou interessada em saber do Ministério Público, por exemplo, se casos assim ? em que ilegalidades eram da ciência das autoridades ? podem ser considerados como incúria administrativa e, por isso, passíveis de processo judicial.

Nossa (falta de) memória

Quarta-feira, uma fotolegenda na página 2 informava que a Assembléia Legislativa do Ceará havia lançado o ?Prêmio Tancredo Tavares de Jornalismo Político?. O anúncio, segundo O POVO, havia sido feito pelo presidente da Casa, Marcos Cals, em festa para a Imprensa na terça-feira. A pequena nota não poderia conter erro mais infeliz. O nome do concurso é Prêmio Tancredo Carvalho de Jornalismo Político ? homenagem póstuma a um profissional que exerceu a função de diretor-editor do O POVO, entre outras. Mesmo alertada do erro pelo ombudsman, a Redação até este sábado não cuidou de repará-lo.

Dois mais dois iguais a cinco

A seguinte nota abriu a coluna Reportagem, do jornalista Lúcio Brasileiro, quinta-feira: ?Hoje, tem História do Ideal, by Vânius Vieira, e dos 12 fundadores, que são 13, todos mortos, três não têm mais filhos vivos?. Descontadas as falhas de pontuação, o texto traz uma conta inacreditável: 12 são 13. Jornalismo é sinônimo de clareza. Isso não é invenção minha nem de nenhum outro ombudsman, daqui ou de alhures. Nem foi criado por algum teórico da comunicação. Clareza é exigência do leitor e é o que não se vê em notas como aquela.

Aliás, clara tem sido a divulgação do livro Sociedade Cearense, o qual o jornalista edita ? como nas colunas de domingo e quinta-feira passados. Mesmo O POVO tendo orientações sobre isso, nada se tem feito para evitar atos assim. Reavivo aqui a memória dos leitores sobre o que estabelecem as Normas Jornalísticas do O POVO no item Colunas, com grifos meus: ?As colunas do O POVO se caracterizam por conter informações de bastidores, notícias curtas ou análises e opiniões dos colunistas. As opiniões são de responsabilidade dos colunistas, porém o jornal exerce vigilância sobre o conteúdo de suas colunas para evitar possíveis transgressões do código de ética da empresa. As informações dadas nas colunas devem passar pelo procedimento básico de checagem. O colunista não pode utilizar o espaço das colunas para promoção de interesses particulares. Também deve ficar atento à utilização de alguns personagens. Nas duas situações, cabe à direção da Redação alertar o colunista e adotar as medidas cabíveis para casos reincidentes?.

O novo ombudsman

Hábil, experiente e capacitado, o futuro ombudsman do O POVO, Guálter George, assumirá no dia 7 de janeiro, quando o jornal completa 76 anos. Certamente encontrará em 2004, ano eleitoral, boas oportunidades de reforçar as discussões sobre ética e fazer jornalístico."