SÃO PAULO, FESTINHAS
E LANTEJOULAS
Alberto Dines
Em dezembro começaram a preparar o arraial para a festa
dos 450 anos mas o Espírito de Natal & Fim de Ano foi
mais forte (por Espírito de Natal entenda-se também
o razoável volume de anúncios e os sucessivos enxugamentos
nos quadros).
Agora, véspera do grande niver ? trisessquicentenário????,
e com os jornais entregues ao Vazio do Verão, criaram-se
finalmente as condições para a entrada de um novo
player ou nova pauta: a urbe, a metrópole, a maior
e mais importante cidade brasileira na sua data natalícia.
Hora de pensar no jornalismo local ou metropolitano. A reportagem
de cidade já foi uma escola ? aquela em que o repórter
aprendia a gastar a sola do sapato. Já foi um gênero
? aquele em que o profissional envolvia-se 24 horas por dia. Hoje
converteu-se em contingência da nova topografia dos grandes
diários imposta pelo modismo da cadernização.
Salvo as honrosas exceções etc., etc.
Aquelas páginas que já foram as mais palpitantes
porque tratavam do universo imediato das suas audiências converteu-se
num espaço indiferenciado onde cabe tudo, desde o desastre
ocorrido a 500 quilômetros de distância como a discussão
em Brasília sobre a maioridade penal.
Nossos cadernos de cidade separados do resto do noticiário
foram criados na Era da Bolha (anos 80-90) quando os manda-chuvas
reunidos em algum seminário decidiram que o jornalista do
futuro era o jornalista-marqueteiro. A palavra de ordem passou a
ser "segmentação". Como
se a cabeça do leitor fosse dividida em editorias e sua curiosidade
seccionada por temas e, não, pela importância do acontecimento.
O caderno dito local do Estado de S.Paulo chama-se "Cidades",
lá abrigam-se notícias não apenas da Grande
São Paulo mas também de acontecimentos ocorridos em
Palmas, Osasco, Araraquara ou Uruguaiana.
Numa de suas sucessivas reformas, o Jornal do Brasil criou
o caderno "Cidade", no singular, para designar a cobertura
do Grande Rio. Mas cerca de 40% do seu espaço é efetivamente
ocupado pelo noticiário local, 10% por uma coluna mundana
e os restantes 50% pela cobertura de economia & negócios.
O caderno da Folha (como sempre o precursor) leva o título
de "Cotidiano". Como se as notícias da página
de política nacional ou internacional não fossem igualmente
cotidianas, fatos do dia. Nossos dicionários ainda consideram
o vocábulo "cotidiano" como sinônimo de qualquer
publicação diária, tal como acontece com o
quotidien, em francês. O pior é que o título
não tipifica coisa alguma, disfarça uma terra de ninguém
onde pode caber matéria local, assuntos federais ocorridos
nas suas imediações ou o noticiário esportivo
(nos dias em que não há um caderno especializado).
O Globo fez a opção mais sensata e profissionalmente
mais correta: não tem caderno de cidade. O noticiário
local tem a mesma importância do noticiário nacional.
Ambos hierarquizados no primeiro caderno. Atende, assim, ao seu
histórico como vespertino (onde predominam os fatos locais)
mas também assume o compromisso de obrigar o leitor a interessar-se
pelos problemas que o afetam mais diretamente e, em geral, considerados
não-transcendentais.
Encontro com o passado
Qualquer que seja o nome ou a sua localização no
jornal, a verdade é que o noticiário de cidade desfigurou-se.
Não se cobrem as secretarias municipais, prefeitura (ou prefeituras
das regiões metropolitanas) e também não se
cobrem as "gaiolas de ouro" (apelido da Câmara de
Vereadores do Rio transformado em genérico). Salvo as honrosas
exceções etc., etc.
Sob o ponto de vista jornalístico, a cidade deixou de ser
o território cívico mais imediato. Agora é
apenas uma convenção, perímetro urbano onde
registram-se as ocorrências mais próximas (escândalos,
crimes ou desastres).
Exemplo da desfiguração da cobertura local está
sendo o caso da construção simultânea de duas
passagens subterrâneas num dos polígonos mais importantes
da cidade de São Paulo (avenidas Faria Lima, Rebouças
e Cidade Jardim), iniciada há dias e que já está
provocando radical modificação no trânsito.
As alterações foram intensamente badaladas simplesmente
porque a prefeitura da cidade, naturalmente preocupada, adiantou-se
e preparou farto e competente material explicativo, inclusive um
mapa em cores distribuído dentro dos jornais.
Não houve debate na hora da licitação da obra
ou quando foi definido o seu cronograma. Nada foi escondido pelas
autoridades, mas, em compensação, nada foi adiantado
pelos jornalistas. A população de uma metrópole
de 10 milhões de habitantes, a mais importante do país
e da América do Sul, foi surpreendida por uma obra dessas
proporções quando o fato estava consumado, irrecorrível.
Porque os repórteres de cidade não lêem o Diário
Oficial do município, não acompanham o expediente
das secretarias ou do gabinete da prefeita e porque os editores
não querem incomodar-se com questões mais complicadas.
Com as honrosas exceções etc., etc.
Ninguém duvida: a obra é imperiosa. Mas a cobertura
prévia também, tal como o direito do cidadão
de opinar sobre aquilo que lhe diz respeito.
Cobrir uma festa não tem problemas,
todos são a favor. Quatrocentos e cinqüenta anos
de fundação de uma cidade num país apenas 54
anos mais velho é um reencontro benfazejo e estimulante com
o passado. Nostalgia não incomoda ninguém.
Um pouco mais complicado é discutir algo que vai mexer com
a vida de milhões de pessoas durante 11 meses. Dá
trabalho. E o jornalismo, hoje, pauta-se pela lei do menor esforço.
Salvo as honrosas exceções etc., etc.
Em tempo: Em sua edição de terça-feira
(13/1), a Folha puxou a discussão sobre as obras do complexo
Faria Lima. Não era sem tempo. (A.D.)