Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

O leitor deu seu recado

URN@ ELETRÔNICA

J. M. Leitão (*)

Como sabem os leitores deste Observatório da Imprensa, a cada edição somos convidados a depositar nosso voto em enquetes da Urn@ Eletrônica. E também não desconhecem os leitores que este OI não tem a menor pretensão de realizar pesquisa sob rígido controle, seleção de amostra, enfim, de caráter científico. Portanto, o objetivo deste hebdomadário virtual é tão-somente apanhar as respostas dos leitores sobre um tema em evidência, computá-las e expor os resultados.

Desse modo, no decorrer de 2003 tivemos a oportunidade de apreciar, de 15/1/03 a 16/12/2003, os resultados de 49 enquetes, nas quais foram depositados, no total, 61.143 votos. Considerando-se o todo, teríamos a média de 1.247 votos por sondagem. Contudo, afastado o formal aspecto aritmético, vê-se bem o quanto podemos truncar a verdade ao nos atermos aos citados 1.247 votantes em cada sondagem. Na verdade, as variações no decorrer do ano foram extraordinárias.

Desde parcos 292, em 17/6, a opinarem se "A mídia ajuda ou atrapalha o Fome Zero?" (o "Ajuda" ganhou com 58%), aos 4.308, em 23/4, com 89% dos votantes optando pelo "Sim" na questão em pauta: "A oposição à guerra levou a mídia à postura antiamericana?". Neste último caso, malgrado a crença e a disposição de tantos eleitores, discordamos dessa citada "postura antiamericana". Tal fato ? oposição ? não ocorreu entre nós porquanto à época, salvo engano de nossa parte, a mídia brasileira, em sua quase totalidade, referia-se às forças invasoras anglo-americanas como "os aliados" ou "as forças aliadas"; as revistas Veja e IstoÉ, por exemplo, e os jornalões, com apoio das redes de TV, direto da zona de guerra, à custa da imprensa americana cooptada e sob censura, alardeavam o poder das forças do bem e da democracia dos senhores Bush/Tony Blair e quejandos.

Absoluto descrédito

Outro aspecto bem visível, a todos que se interessarem em apreciar os resultados das sondagens, foi o elevado número de votantes nas primeiras 18 edições do OI neste 2003 ? de 15/1 a 14/5 ?, desde o mínimo de 1.162, na de 15/1, ao máximo de 4.308, em 23/4, totalizando 42.624 votos (média de 2.368 votos por sondagem).

No período a seguir, iniciado em 21/5 e estendendo-se até a recente edição de 16/12, por razões que escapam à nossa despretensiosa análise, houve acentuado declínio no número de eleitores e os valores apurados não ultrapassaram ? nos demais 31 números deste OI ? os 18.519 sufrágios! Nos extremos, encontrando-se a menor votação na edição de 17/6 (292), e a maior alcançando 1.275 respostas, em 7/10, reduzindo-se a média para 597 por enquete.

Se inicialmente chegamos a debitar, buscando uma explicação à nítida queda, às medidas tomadas pela direção do OI no sentido de evitar maquinações indevidas dos referendos semanais, logo a abandonamos. Até porque a hipótese de manipulação e alteração dos resultados das inquirições semanais, comprovada e levada ao OI por um de seus leitores ("Um leitor atento e conhecedor de informática descobriu uma vulnerabilidade na totalização…") alcançou a comunidade virtual por meio de nota inserida na edição de 26/2. E desde logo, também, informando-nos de novas medidas de segurança e de substanciais alterações na forma da computação dos votos. Fato, sem dúvida, a realçar a seriedade desta publicação, malgrado não haver faltado aos leitores o claro aviso: "As enquetes semanais do OI não têm a pretensão de ser lidas como pesquisas científicas. São sondagens de opinião, apenas isso."

Por outro lado, vale lembrar, a acentuada diminuição de respostas às pesquisas viria a ocorrer a partir da edição de 21/5, quase três meses depois da descoberta da possibilidade de fraude e da comunicação do OI. Enfim, resta-nos tão-somente registrar a inexplicável fuga do eleitorado e, ao mesmo tempo, lembrar que a enquete da edição N? 212, de 26/2, dedicada à pergunta "Vale a pena recuar no modelo brasileiro de internet gratuita?", teve seu resultado anulado.

Nesse ponto, distanciamo-nos dos números e passamos a algumas indagações semanais e seus resultados.

Inicialmente, parece-nos fácil constatar: a primeira e maior vítima, dona de absoluto descrédito, além da suspeita de associações nefastas, acusações de campanhas e ou silêncios indesejados, péssimas coberturas etc., na opinião dos leitores/eleitores do OI, é exatamente a responsável pela difusão e análise das notícias, a mídia! Verdadeiro paradoxo, sem dúvida, porquanto, na ausência dos meios de comunicações, nenhuma notícia chegaria a ninguém e a lugar nenhum! Contudo, avaliando-se as dezenas de respostas às enquetes, não há o que discutir.

Vejamos, aleatoriamente, algumas delas.

** Em 9/12, ante a dedicada a saber "A mídia está conseguindo informar que a Aids pode levar à morte?", 63% de "Não";

** Maior percentual marcando o "Não", quando se perguntou, em 8/7, "A mídia está ajudando a esclarecer o debate sobre a reforma da Previdência?";

** Incríveis 93% de "Não", em 10/6, na oportunidade em que a enquete centrou-se na questão "Os jornais brasileiros reconhecem seus erros?";

** Em 25/11, em resposta à dúvida "A mídia conseguirá manter o debate sobre a maioridade penal?", os descrentes do "Não" atingiram o percentual de 76%;

** Em 28/10, acaçapantes 95% de "Não" à interrogação "Você está sendo bem informado sobre a CPI do Banestado?";

** A edição de 5/3, escapando à rotina de sins e nãos, 61% dos votantes consideraram a opção "Divulgação na mídia" como a maior responsável pela criminosa "indústria do grampo";

** Já no número de 14/10, diante da questão "O financiamento oficial compromete a isenção da mídia?", 84% dos leitores cravaram lógicos "Sim";

** Em 14/5, frente ao quesito "Como avaliar a cobertura (da mídia) sobre o combate ao crime organizado?", se "Constante" ou "Irregular", a predominância do "Irregular" atingiu o percentual de 63%;

** Em 26/8, 62% dos votantes optaram pelo "Não", quando convidados a responder se "A mídia ajuda a desenvolver o gosto pela literatura?", e, evitando nos alongarmos em demasia, na edição de 12/8, 72% marcaram "Sim" em resposta ao quesito "O narcotráfico está censurando a mídia?";

** 94% de "Não" quando o OI, em 30/9 quis saber: "A mídia conseguiu esclarecer a questão dos transgênicos?" e

** Em 9/9, outros 84% de "Não" chegaram ao "A mídia ajuda a entender o que se passa com o programa espacial brasileiro?".

E… basta.

Contudo, pelo menos em quatro ocasiões, não mais, a balança achegou-se à mídia.

** Em 27/5, com 83% de "Sim" para o quesito "A mídia pode estimular o hábito da leitura entre crianças e adultos?";

** Mesmo considerando-se a incoerência posterior, em 26/8, ocasião em que 62% negaram-se a reconhecer a "ajuda da mídia no gosto pela literatura";

** Em 4/11, ao preferirem o "Sim" na questão "A mídia ajuda a manter os padrões éticos na vida pública?";

** Os 58% de "Sim" ao concluírem, em 15/7, que a "imprensa tem sido ameaçada por decisões judiciais"; e, finalmente,

** Os 90% de "Não", em 19/2, ao considerarem a demanda "Os juízes estão corretos quando decidem censurar a imprensa?".

Reiterados avisos

Para finalizar, parece-nos, os eleitores recorreram a respostas conflitantes, contemplando enquetes em datas distintas e temas interligados. Assim, se em 23/9, diante da interrogação "Depois do escândalo do programa de Gugu Liberato, o que é preciso fazer?", a maioria, ignorando a "auto-regulação da TV", preferiu o "Controle social" (55%); em 2/12, face à pergunta "A mídia deve se submeter a um sistema de auto-regulamentação?", não titubeou em oferecer 85% de "Sim"; sem ignorarmos que, na edição de 7/10, o OI havia proposto: "Você considera a suspensão do programa Domingo Legal um ato de censura?", recebendo 82% de "Não".

Afinal, ficamos sem saber se os eleitores apóiam ou apoiariam alguma forma de censura, desde que, justificável ou não, censura houve, e auto-regular-se é mero eufemismo.

Em outro caso de discutível incoerência dos leitores, atemo-nos ao conceito de crítica como apreciação desfavorável (na específica pergunta do OI), e, assim, se na edição de 21/10 "A mídia é crítica na cobertura do judiciário?", os "Não" alcançaram 80%, portanto negativa, em 11/11, enfrentando a interrogativa "A mídia tem razão em criticar o Judiciário?", 90% dos votantes marcaram "Sim". Em linguagem singela, como pediu recentemente um leitor do OI, diríamos: a mídia não esculacha com o Judiciário, mas tem todos os motivos para mandar brasa.

Porém, e sempre há muitos poréns, podemos estar palmilhando terreno traiçoeiro ao não afastar a correta possibilidade de cada enquete dever-se a acontecimentos absolutamente distintos e, daí… preferimos calar.

Em conclusão, diante de tal descrédito, só nos resta esperar que as organizações responsáveis pelos meios de comunicação mantenham-se atentas aos reiterados avisos de insatisfação dos usuários.

(*) Médico e escritor, Brasília