PENSAR & FALAR
Deonísio da Silva
Em artigo publicado na Folha de S. Paulo (12/1, pág. A3), a escritora e psicanalista Betty Milan deu uma dura em algumas de nossas figuras públicas. Foram seus alvos o senador Antonio Carlos Magalhães, o sociólogo Francisco de Oliveira, um dos fundadores do PT, e a apresentadora de televisão Hebe Camargo.
O que eles fizeram para merecer a reprimenda da romancista? ACM, em discurso no plenário, acusou o senador catarinense Jorge Bornhausen de roubar o partido. O “alemão”, como é conhecido ? pois no Brasil todos têm apelido ? reagiu com energia obrigando o colega a retratar-se. O senador baiano declarou que as expressões que utilizara não representavam seu pensamento.
Solução complexa
Certos práticas políticas constituem o maior entrave quando queremos tratar os homens e as coisas públicas com a seriedade que merecem. Com efeito, o episódio lembrou-me antigo programa humorístico apresentado por Jô Soares.
Uma dupla ia consertar alguma coisa numa residência qualquer. Durante o trabalho soltavam vários palavrões. A dona da casa reclamava ao patrão. Este, inconformado, exigia explicações dos dois empregados. Eles, fingidamente surpresos, diziam que não tinha havido nada demais. Que houvera apenas um mal-entendido.
Entre tantos episódios inesquecíveis, num deles um derramava alguma coisa quente sobre os ombros desnudos do outro. Naturalmente, o atingido soltara um palavrão, mas ao explicar-se ao patrão e relatar o ocorrido, dizia que ao ser atingido pedira ao colega com toda a delicadeza que o companheiro, por favor, prestasse mais atenção no serviço.
No outro episódio tomado como exemplo pela escritora, o sociólogo qualifica de “safado” o ministro José Dirceu. A declaração que levou o ministro a contratar um advogado para interpelar judicialmente o seu acusador foi dada num seminário na Universidade Federal do Rio de Janeiro:
“A política não se resume a rapapés, salamaleques e golpes de esperteza que pensam estar inventando a roda, como esse ministro José Dirceu, que se parece com qualquer político safado do Brasil”.
O terceiro exemplo é muito mais grave e resultou de declaração de Hebe Camargo. Referindo-se ao acusado de assassinato de pavoroso crime em São Paulo ? a cruel execução de Liana Friedenbach e de Felipe Caffé ? a conhecida apresentadora disse em seu programa, transmitido para todo o Brasil, que iria, armada, entrevistar o acusado. E que ela sairia dali para a cadeia, mas ele não ficaria vivo.
Os outros dois destemperos foram resolvidos com as providências de praxe. Mas justamente o da imprensa, que foi o mais grave, e de efeitos mais devastadores, por incentivar a violência e a justiça com as próprias mãos, é de solução muito mais complexa.
Foi isto que levou a escritora a perguntar em seu artigo: “Se a pessoa pública não ensina o uso comedido das palavras, pode-se exigir do delinqüente o controle de seus impulsos?”
Poucas palavras
O artigo de Betty Milan tem o título de “A contenção é de ouro”. É outro modo de dizer que “o silêncio é de ouro”, título de um filme de René Clair, recolhido da voz rouca das ruas, pois diversos povos e culturas proferem o dito desde tempos imemoriais. Também o Eclesiastes, na Bíblia, faz recomendação de discernir a hora de calar.
Já o povo brasileiro, mais debochado, resumiu o provérbio no seguinte: “Em boca fechada não entra mosca”.
Pois, mas está sempre entrando, porque as bocas estão sempre abertas e algumas figuras públicas falam sempre mais do que devem. Então que, contritas, se penitenciem publicamente. Afinal, como diz Betty Milan com a autoridade de psicanalista, “a descoberta do inconsciente, já datada de um século, explica que alguém possa dizer o que não pensa”. Dizer e escrever, o que é mais terrível.
Betty Milan, sempre contida quando precisa referir o ofício de escritora, não disse que a literatura chegou ao inconsciente antes de Freud. E deu-nos um artigo simplesmente memorável. Bem escrito, dizendo muito em poucas palavras, conciso como quer a imprensa.