GOVERNO FECHADO
“Aprendendo a ser vidraça”, copyright O Estado de S. Paulo, 31/12/03
“Brasília ? Estilingue por 22 anos, o PT atirou pedras como ninguém. Vidraça há um ano, convive mal com as críticas. Especialistas na difusão de denúncias pela imprensa, os petistas atormentaram a vida dos governos passados com o vazamento de informações as mais confidenciais. Calouros no trato da corrupção dentro de casa, passaram a ver um inimigo potencial em cada jornalista. Por isso, o governo adotou um formato de comunicação fechado, centralizado em alguns funcionários.
Nesse contexto, fortaleceu a Radiobrás e privilegiou-a com acesso exclusivo aos eventos e ambientes que têm a presença do presidente e, historicamente, sempre foram abertos a jornalistas credenciados. Com isso, tenta estabelecer um noticiário padrão, distribuindo em sua rede gratuita imagens e textos com enfoque de interesse oficial.
O processo é extensivo à cobertura de áreas e assuntos fora da esfera oficial, como cultura, esporte, lazer. No início do mês, o site da Radiobrás na internet (www.radiobras.gov.br) dedicou espaço nobre ao polêmico procurador da República Luiz Francisco de Souza, que só perdeu em tamanho para a cobertura da viagem do presidente Lula ao Oriente Médio.
Os atritos tornaram-se corriqueiros. Até simples informações ? como a agenda de ministros e do presidente ? dão motivo a discórdias. Ao contrário de secretários de Imprensa de governos anteriores, que faziam tudo para facilitar a convivência com os meios de comunicação credenciados no Planalto, a Secretaria de Imprensa não tem pressa em resolver pendências que surgem no dia-a-dia.
Na gestão Sarney, a sala do então secretário de Imprensa, Fernando Cesar Mesquita, era aberta ao público, embora fosse o primeiro governo civil após o regime militar e a estrutura administrativa ainda estivesse contaminada pela síndrome do sigilo de informação. Ana Tavares, assessora do ex-presidente Fernando Henrique, não deixava telefonema sem resposta, mesmo quando o acompanhava fora do País. Ana tinha cuidado especial com os que a procuravam ou viajavam com o presidente. Articulava entrevistas coletivas nas embaixadas ou hotéis. Esclarecia pontos obscuros, convidava editores para almoços de trabalho.
Tapa
Avesso a celular e computador, o secretário de Comunicação, Ricardo Kotscho, coleciona desentendimentos. Não admite que repórter credenciado aborde o presidente, mesmo quando Lula favorece e permite a abordagem. Mais duro que um agente da segurança, já deu tapa nas mãos de um repórter que, gravador em punho, ?ousou? fazer perguntas a Lula.
No Oriente Médio, Kotscho chamou duas vezes uma repórter do Estado de ?cafajeste? e mandou-a calar a boca porque comentara com o presidente sobre a beleza da mesquita onde estavam. ?Realmente chamei a repórter de cafajeste. A repórter passou pelos seguranças e se aproximou do Lula. Disse que faria uma pergunta. Respondi que não podia, porque aquilo era um templo.
Mais tarde, ela insistiu. Eu me aproximei e disse: saia daqui. Você está sendo cafajeste. No dia anterior, a mesma repórter fora barrada por seguranças ao tentar se aproximar do presidente quando não podia?, diz Kotscho.
Seus auxiliares ligam para os jornalistas antes de cerimônias para reiterar a ?regra? que proíbe perguntas. Num dia de bom humor, Lula pegou uma câmera e passou a fotografar os fotógrafos. Um repórter perguntou-lhe como era estar do ?outro lado? da câmera. O presidente respondeu, mas o gravador do repórter já estava no chão após um tranco do próprio Kotscho.
?Com relação ao tapa na mão do repórter, isso aconteceu. Estávamos chegando de balsa a Itinga, no Vale do Jequitinhonha. Era um sistema de segurança complicado. De repente, no meio da multidão, surgiu uma mão com gravador.
Afastei a mão e disse: agora não?, relata Kotscho. ?Isso tudo que aconteceu é muito desagradável. Foi um primeiro ano de uma adaptação muito difícil para a imprensa e para mim. No ano que vem espero que as coisas possam melhorar. Eu não vou fazer mais isso?, promete.
O Comitê de Imprensa do Planalto, criado para o diálogo formal com a Secretaria de Imprensa, autodissolveu-se por ser inútil. Na linha adotada em toda a estrutura do governo, de concentração das informações, a secretaria foi ampliada. Criou uma redação que mantém o site www.info.planalto.gov.br e reproduz a agenda oficial do presidente.
Todas as assessorias de comunicação foram enquadradas na orientação central.
A Secretaria de Comunicação e Gestão Estratégica criou o Serviço de Pronta Resposta, para que toda informação de jornais considerada infundada seja rebatida na hora. Existe até um manual para orientar funcionários a como responder a jornais. Diz o manual que as cartas de governantes aos jornais devem ter como objetivo corrigir um erro de informação ou responder a crítica ou infâmia: ?Erros de informação sempre devem ser corrigidos, mesmo os de pequena importância. Críticas nascidas de discordâncias ideológicas ou doutrinárias ou de mera vontade de agredir não devem ser contestadas.?
Patrulhamento e interferência numa opinião jamais devem ocorrer.
Briefings
Outro problema é o porta-voz da Presidência, André Singer. Nos governos passados e no início deste o porta-voz falava quase diariamente com jornalistas. Em janeiro, Singer falou 14 vezes com a imprensa. No mês passado, apenas 6. A explicação foi que Lula não teve espaço na agenda para conversar com seu porta-voz.
Já foram feitas várias tentativas para melhorar a relação entre governo e imprensa. Três meses depois do início do governo, o relacionamento já era tão ruim que o Sindicato dos Jornalistas do Distrito Federal enviou à Secretaria de Imprensa um abaixo-assinado, ?Manifesto pela Liberdade de Informar?. Apontava sérios entraves de setores do governo à liberdade de informação, afirmava que ministros proibiam a divulgação de suas agendas e havia nos ministérios e palácios bloqueio de informações até a respeito de encontros, debates e processos que sempre foram acompanhados sem problemas pela imprensa.”
GOVERNO LULA
“Prestação de contas”, copyright Folha de S. Paulo, 29/12/03
“Um princípio básico da democracia representativa de modelo ocidental americano é a prestação de contas e os mecanismos de cobrança de responsabilidade. Em inglês, uma palavra basta para dizer tudo isso: ?accountability?.
Em português, língua derivada de cultura cartorial e diferente da anglo-saxã, não existe um termo apropriado. É necessário explicar. Talvez seja essa a razão de o governo, seja de tucanos elitistas ou de petistas neoconservadores, não ter apreço por uma prestação de contas digna desse nome. Está na nossa cultura. Quem precisa não faz. Quem deveria cobrar cala-se ou faz muxoxo.
O material apresentado pelo governo Lula sobre o primeiro ano de governo é indigente. Páginas e páginas de regozijo sem sistematização. Não há uma lista de ações prometidas e atos consumados. A opção é distrair-se com as odes de auto-elogio lulista.
No balanço disponível na internet (www.brasil.gov.br/balanco), aprende-se que 2003 ficará conhecido como o ano da ?corrupção zero? (sic). Mas o melhor está no suculento boletim eletrônico ?Em Questão?.
Produzido no Planalto e já conhecido em Brasília como o ?Pravda petista?, o ?Em Questão? n? 134 anuncia alguns feitos de Lula. Eis um deles: ?Criação do governo eletrônico, onde diversos órgãos federais disponibilizam informações via internet?. Mais um pouco o PT diria ter inventado a internet.
O uso da internet foi adotado na gestão FHC e mantido na administração Lula. Nada além da obrigação num sistema republicano. Pena não ter sido bem assim.
A informação mais relevante é a da execução orçamentária. Permanece na penumbra. Alguns privilegiados têm senha de acesso ao Siafi (Sistema Integrado de Administração Financeira) -que ficou fora do ar em momentos cruciais neste ano.
Ao governo do PT, como ao de FHC, não convém muita gente saber, em tempo real, quais emendas são liberadas e quem recebe o dinheiro. Pensando bem, faz sentido.”
“Na propaganda oficial, um Brasil diferente do retratado nos jornais”, copyright O Estado de S. Paulo, 04/01/04
“Brasília ? A propaganda de governo, um dos pilares do primeiro ano de mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, foi montada estrategicamente para atingir duas frentes: o público externo, ao qual é oferecida uma propaganda forte, com linguagem popular, com a versão oficial do fato; e o front interno, onde é ampla a divulgação de versões oficiais otimistas, que ressaltam sempre o aspecto positivo, ainda que não seja o preponderante do fato. E para 2004 a idéia é reforçar essa política, especialmente por se tratar de ano eleitoral.
A propaganda oficial é veiculada maciçamente em sites do governo, da Presidência da República e do PT na internet. Mostra um Brasil diferente do retratado nos jornais e dá espaço para petistas defenderem o governo nos assuntos do dia. O balanço das ações do governo em 2003, divulgado no dia 31, é um exemplo disso. Está em todos os sites chapa branca.
?Será que a propaganda é capaz de se sobrepor à crueza dos fatos??, pergunta o deputado Sérgio Miranda (PC do B-MG). ?Será que, se não houver uma reversão na taxa de desemprego, a propaganda vai sustentar sozinha a popularidade do presidente??.
Pravda
Resultado do esforço do governo para formar uma opinião coesa sobre as ações do Executivo, o informativo Em Questão, já é chamado nos gabinetes da Esplanada e do Congresso de Pravda, em referência ao jornal usado pela cúpula comunista na ex-União Soviética em defesa de seu governo.
Em Questão é um boletim oficial, produzido pela Secretaria de Comunicação de Governo e Gestão Estratégica da Presidência da República, com a versão e a opinião do governo sobre fatos noticiados pelos jornais, comandada pelo petista Luiz Gushiken, que acompanha a Mídia Impressa, sinopse dos jornais do dia distribuída pela Radiobrás a autoridades do Executivo e a parlamentares. Já é comum, nos bastidores do próprio governo, ouvirem-se ironias do tipo: ?O Pravda hoje está imbatível?.
Contrariado com o modo governamental de informar, o líder do PSDB no Senado, Arthur Virgílio (AM), pediu à Radiobrás que não incluísse o material de Em Questão em sua Mídia Impressa. ?Não quero receber propaganda do governo?, protestou.
Em versão também eletrônica, onde se deu sua estréia, o informativo, segundo números da Secom, é enviado a 50 mil e-mails no país. O diretor de jornalismo da Radiobrás, José Roberto Garcêz, afirmou que a distribuição do Em Questão junto com Mídia Impressa é uma forma de ampliar as informações às autoridades. Ele lembrou que a Radiobrás inclui também os jornais da Câmara e do Senado na distribuição diária. Ainda segundo Garcêz, ?o boletim é feito pela Secom e enviado à Radiobrás já impresso e pronto para ser distribuído.?
Reformas
Na busca por fatos positivos, o Em Questão fez uma abordagem secundária da reforma da Previdência no dia de sua promulgação pelo Congresso. ?Servidor ganha incentivo para permanecer em atividade?, dizia a manchete do boletim. No lugar de dizer que o governo vai cobrar contribuição dos servidores inativos, o ?Pravda? petista destacava a concessão de um abono para os que reunirem os requisitos para pedir aposentadoria, mas optarem por continuar trabalhando.
Assunto delicado para o PT, que tem no funcionalismo público uma de suas principais bases eleitorais, a reforma da Previdência foi tema de vários boletins. Ora com o presidente Lula falando, ora o ministro Ricardo Berzoini, da Previdência, sempre com o enfoque de que a reforma tem o caráter de justiça social.
No boletim oficial não aparece outro assunto espinhoso para o PT: a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) no Orçamento de 2004 nem na proposta do Plano Plurianual (PPA).
Sobre o primeiro assunto, a versão é ?Área social terá mais recurso em 2004?. Mesmo enfoque sobre a notícia do plano para os próximos três anos de governo: ?PPA realista e com ênfase no social?.
Dimensão
O deputado Roberto Freire (PPS-PE), outro aliado crítico do governo, lembra que o PT sempre se mostrou competente para explorar a propaganda. ?Mesmo na oposição, o PT usava a propaganda para dar uma dimensão maior a seus feitos. Não seria diferente no governo?, pondera Freire. E acrescenta: ?O resultado é que neste primeiro ano, a propaganda foi mais forte, valeu mais do que certos programas, como o Fome Zero, que, apesar da viciada prática assistencialista, conseguiu convencer muita gente de que é um bom programa?.”
Tereza Cruvinel
"Longe dos olhos", copyright O Globo,
6/1/04
"Bonita a solenidade de premiação de Lula e Fernando Henrique pela Universidade Notre Dame. Discursos afinados, reconhecimentos recíprocos, convivência fraterna entre membros do governo atual e do anterior. Pena que, depois de tantos louvores à democracia, reconhecida como obra e patrimônio do povo brasileiro, a segurança do Planalto tenha barrado o acesso da imprensa ao coquetel reservado aos protagonistas da transição premiada, num gesto desconectado dos discursos.
Tucanos presentes viram aí uma manobra para empanar a presença de FH, em seu retorno aos salões em que tanto gostava de brilhar. Mas seria mesmo incômodo para os petistas, que falam tanto em herança maldita e ali confraternizavam com os tucanos."