MINISTÉRIO DAS COMUNICAÇÕES
Rogério A.B. Gonçalves (*)
De acordo com o Artigo 86 da Lei Geral das Telecomunicações (LGT), as concessionárias de telefonia não podem explorar outros serviços de telecomunicações diferentes do STFC (telefonia fixa comutada), que é o objeto específico de suas concessões. Porém, com um empurrãozinho do Minicom e da Anatel, o que à primeira vista parece ser um problema acaba se tornando um grande negócio para as concessionárias.
A coisa funciona assim: no Brasil, as concessionárias de serviços de telecomunicações prestados em regime público são obrigadas ao cumprimento de metas de universalização do serviço, estabelecidas pela Anatel no Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU). Como contrapartida, nos contratos de concessão são incluídas algumas cláusulas nas quais o poder concedente garante o equilíbrio econômico-financeiro das concessionárias com reajustes nas tarifas ou, nos casos em que, devido ao cumprimento de metas do PGMU, elas tenham de universalizar o serviço em condições que não dêem retorno financeiro, bancando qualquer prejuízo com recursos do Tesouro Nacional ou do Fundo de Universalização de Serviços de Telecomunicações (Fust) ? criado especificamente para esta finalidade pela Lei 9.998 e formado com o recolhimento de 1% da receita operacional bruta de todas as empresas de telecomunicações e dos valores cobrados pela Anatel nas transferências de concessões, permissões ou autorizações de serviço de telecomunicações ou pelo uso de radiofreqüências.
Atualmente, o único serviço de telecomunicações prestado em regime público é o STFC, para o qual o PGMU (Decreto 2.592 de 15/5/98) determinava a instalação, até 31/12/2001, de 33 milhões de terminais telefônicos. Uma "rigorosa" meta tirada de letra pelas concessionárias, que no fim do ano 2000 já haviam instalado uma estrutura de rede suficiente para a instalação de quase 39 milhões de terminais, concentrada exclusivamente nos grandes centros ? onde não havia mais demanda para novos terminais telefônicos.
Conclusão: no dia 31/12/2001, quando terminou o prazo para o cumprimento da meta de universalização, havia uma capacidade instalada para 44 milhões de terminais, sendo que, deste total, 33 milhões estavam efetivamente em uso. Ou seja, existia um suposto encalhe de 11 milhões de terminais, cujo prejuízo obviamente não poderia ser coberto com recursos do Fust, pois, como a iniciativa de expandir a capacidade da rede de telefonia fixa, muito além do que era determinado pelo PGMU, foi das próprias concessionárias, o problema era único e exclusivo delas.
Ocorre que para todos os efeitos as concessionárias não exploram nenhum outro serviço de telecomunicações diferente do STFC. Daí o investimento feito por elas na suposta montanha de linhas encalhadas poderia perfeitamente ser repassado às tarifas de telefonia, bastando para isso que nas avaliações de recomposição do equilíbrio econômico-financeiro das empresas, realizadas anualmente pela Anatel, a agência não considerasse o suposto encalhe como risco inerente ao negócio.
E é aí que está o pulo do gato, pois a baita capacidade de tráfego excedente foi instalada pelas concessionárias exclusivamente para exploração de serviços de comunicação de dados, que sempre são prestados em regime privado e representam o filé das telecomunicações. Ou seja, é onde rolam os bilhões de dólares da rede internet. Assim, mantendo suas redes IP camufladas como redes de telefonia pública, as concessionárias livram-se dos riscos naturais dos serviços explorados em regime privado, com a vantagem de poderem socializar seus custos de implantação por meio das tarifas públicas de telefonia, pagas isonomicamente por todos os assinantes das concessionárias ? incluindo a esmagadora maioria que não tem grana nem para sonhar com internet.
Mesmo com a internet gratuita, o simples fato de ser requerido um computador torna a comunicação de dados privilégio para poucos bicos no país do Fome Zero, como ficou demonstrado em estudo recente de uma grande concessionária, que aponta a seguinte distribuição de usuários da internet que conectam seus computadores através da rede de telefonia: a classe A, com 73%; a classe B, com 31%; a classe C, com 4%; as classes D e E ficam com 0%.
Essa safadeza que as concessionárias estão fazendo chama-se subsídio cruzado, prática proibida pelo Artigo 103 da LGT pela qual todos os usuários do serviço de telefonia acabam bancando por exemplo:
** A conta para a garotada das classes A e B se divertir, pois menos de 8% dos usuários da internet a utilizam para algo que se aproveite.
** As aquisições milionárias de grandes redes IP realizadas pelas concessionárias, como a MetroRED pela BR Telecom e a Rede Pegasus pela Telemar, para serem usadas exclusivamente na exploração de serviços corporativos de comunicação de dados, como já vem ocorrendo atualmente.
** A propaganda dos serviços de banda larga, que anda pipocando toda hora no horário nobre da televisão.
O problema do subsídio cruzado das concessionárias é que o lucro gerado pelos serviços de comunicação de dados vai direto para o bolso delas, enquanto os custos de implantação e operação destes serviços vão direto para o valor das assinaturas mensais da telefonia fixa. Com isso, os usuários dos serviços de telefonia jamais poderão ser beneficiados pelos ganhos econômicos decorrentes de modernização, expansão ou racionalização dos serviços, bem como de novas receitas alternativas, previstos no parágrafo 2? do Artigo 108 da LGT.
Toda essa safadeza, permitida pela Anatel, é resultado de um projeto iniciado ainda em 1995, quando os lobbies de telecomunicações, que atuaram na reforma constitucional de 1993 e bancaram a campanha de FHC para derrotar Lula em 1994, assumiram o controle do Ministério das Comunicações (Minicom).
E implantaram um modelo de gestão digno da Cosa Nostra, como pode ser visto abaixo:
1. Até o dia 29/7/98, quando o sistema Telebrás foi privatizado, os serviços de telecomunicações não-telefônicos explorados pelas concessionárias estatais de telefonia, entre os quais incluía-se a comunicação de dados através de linhas dedicadas, tinham suas diretrizes e atribuições definidas pela Portaria 525 do Minicom, de 8/11/88.
2. No dia 29/11/95, o Minicom emitiu normas que alteravam algumas regras estabelecidas pela Portaria 525/88, das quais podem ser destacadas as normas 09/95, que "disciplinava" o Serviço por Linhas Dedicadas, e 11/95, que "estabelecia critérios" para a prestação deste serviço. Mas, como o regulamento específico dos serviços públicos de telecomunicações ainda não havia sido criado por decreto presidencial, as normas estabeleciam regras para serviços que simplesmente não existiam, violando assim o parágrafo único do Artigo 5? do Decreto 97.057/88.
3. No dia 16/7/97, foi publicada a Lei 9.472 (LGT). Seu Artigo 86 proíbe expressamente que as concessionárias de telefonia fixa explorem outros serviços de telecomunicações diferentes do STFC, objeto de suas concessões. Portanto, estes serviços deveriam ser explorados por empresas coligadas ou controladas pelas atuais concessionárias.
4. A proibição da exploração de outros serviços pelas concessionárias de STFC foi imposta pelo Congresso Nacional, em histórica demonstração de defesa dos direitos dos usuários, pois no projeto de lei do novo Código Brasileiro das Telecomunicações, elaborado pelo Poder Executivo, não estava prevista esta proibição (Artigo 80 do PL 3.808).
5. O parágrafo 1? do Artigo 207, das disposições transitórias da LGT, condicionava a celebração dos novos contratos de concessão (válidos até dezembro de 2005) das antigas telefônicas estatais ao cumprimento do disposto no Título II do Livro III da lei, no qual estava incluído o Artigo 86, significando que as antigas concessionárias estatais também estavam obrigadas a criar novas empresas, para as quais seriam expedidas as autorizações de exploração dos demais serviços de telecomunicações, previstas no parágrafo 3? do Artigo 207.
6. O condicionamento da celebração dos novos contratos de concessão ao cumprimento do Título II do Livro III da LGT também foi imposto pelo Congresso, para adequar o texto do parágrafo 1? do Artigo 207 à nova redação do Artigo 86.
7. Como o regulamento específico dos serviços públicos de telecomunicações, previsto no parágrafo 2? do Artigo 1? do Decreto 97.057, jamais foi criado e as normas emitidas em 1995, que dependiam deste regulamento, não tinham valor legal, acabou resultando que no dia da publicação da LGT não havia nenhum serviço de comunicação de dados de interesse coletivo formalmente regulamentado, pois a Portaria 525/88 apenas disciplinava de forma genérica a exploração destes serviços pelas concessionárias do sistema Telebrás, exigindo que a Anatel priorizasse a regulamentação destes serviços. Isso porque a portaria 525/88 caducaria assim que o sistema Telebrás fosse privatizado.
8. Em vez de regulamentar os serviços de comunicação de dados de interesse coletivo, previstos no Artigo 69 da LGT, a Anatel optou por criar um pacote formado exclusivamente pelas normas ilegais de 1995, omitindo a existência da Portaria 525/88 e dando a este pacote o nome de Serviço de Rede de Transporte de Telecomunicações (SRTT), que, por não ter sido submetido a consulta pública ou objeto de resolução da agência publicada no Diário Oficial da União, não poderia ser considerado como serviço de telecomunicações.
9. No dia 22/5/98 a Anatel chegou a publicar a Consulta Pública 43. Mas, como a consulta referia-se apenas ao modelo do termo de autorização para o SRTT, e não à regulamentação do serviço, para o qual nunca foi criada nem uma simples minuta, o fato tornou-se irrelevante para efeitos regulatórios.
10. Como os contratos legalmente válidos de serviços de comunicação de dados das concessionárias estatais seriam apenas aqueles atrelados à Portaria 525/88, não havia nenhuma modalidade de serviço cuja existência devesse ser prorrogada pelo SRTT segundo as prerrogativas do Artigo 214 da LGT.
11. No dia 27/7/98, quando faltavam apenas dois dias para a privatização do sistema Telebrás, a Anatel passou por cima dos artigos 86 e 207 da LGT e expediu termos de autorização do SRTT, com prazo de validade indeterminado, a todas as concessionárias de telefonia estatais, pelos quais autorizava as empresas a explorar serviços de comunicação de dados, fundamentando a decisão apenas no parágrafo 3? do Artigo 207 da LGT, ignorando a proibição para este tipo de procedimento, que estava implícita no parágrafo 1? do mesmo artigo.
12. Ao conceder termos de autorização para exploração de um serviço de telecomunicações que não existia, além de praticar ato de improbidade administrativa a Anatel pode ter contribuído para o desenvolvimento clandestino de atividades de telecomunicação pelas concessionárias após a privatização, crime previsto nos artigos 183 e 184 da LGT.
13. Pelo fato de o SRTT não existir, os contratos das atuais concessionárias de telefonia fundamentados neste serviço, como a internet em banda larga, valem tanto quanto uma nota de 3 reais.
Para arrematar o barraco montado no sistema regulatório das telecomunicações, a Anatel aproveitou-se das prerrogativas do item III do Artigo 19 da LGT para plantar dispositivos ilegais até mesmo em decretos presidenciais, cujos melhores exemplos são:
a) Plano Geral de Outorgas (PGO), criado pelo Decreto 2.534, de 2/4/98, que define as regras para outorgas de concessões, específicas para o Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC) prestado em regime público.
Para burlar o Artigo 86 da LGT, foi plantado neste decreto o parágrafo 2? do Artigo 10?, liberando a "prestação de serviços de telecomunicações em geral, objeto de novas autorizações" para as concessionárias regionais de telefonia, no caso de todas as concessionárias de suas regiões terem cumprido as metas de universalização estabelecidas em seus contratos de concessão.
b) Plano Geral de Metas de Universalização (PGMU) do Serviço de Telefonia Fixa Comutada (STFC), criado pelo Decreto 2.592, de 15/5/98.
Neste decreto foi plantado o item III do Artigo 5?, que transforma em obrigação de universalização das concessionárias de telefonia a instalação de redes de computadores (sem mencionar a conexão delas à rede internet) em Estabelecimentos de Ensino Regular e Instituições de Saúde, em localidades onde já existisse o STFC.
Fica óbvio que, além de burlar o Artigo 86 da LGT, o outro objetivo desta armação era direcionar os recursos do Fust para financiamento de serviços de comunicação de dados, prestados exclusivamente pelas concessionárias de telefonia, explicando um monte de outros fatos nebulosos ocorridos ultimamente na área de telecomunicações.
Por exemplo:
** A licitação esquisitona publicada pela Anatel no dia 13/7/2001, que em seu item 4.1 determinava que apenas as concessionárias de telefonia fixa poderiam participar da maracutaia.
** A embromação da Anatel para regulamentar a comunicação de dados, que só publicou a Resolução 272, criando o Serviço de Comunicação Multimídia (SCM), no dia 6/8/2001, quando julgou que a licitação do Fust não corria mais nenhum risco de ser melada.
** A recusa da agência em fornecer até hoje os recursos de numeração exclusivos para SCM, após a licitação do Fust ter sido melada no dia 30/8/2001 pela liminar na Justiça obtida pelo deputado Sérgio Miranda.
** O súbito desaparecimento do item 5.3 da Consulta 372 (Projeto 0i00, que previa tarifas mais baixas para usuários de internet via linha discada), publicada no dia 22/3/2002, na qual, através do modelo IP Direto, a Anatel reconhecia publicamente que a rede internet era um serviço de comunicação de dados explorado pelas autorizadas do SCM.
** A publicação no apagar das luzes do governo FHC da mais do que esquisitona Consulta 417, pela qual a Anatel deletou do mapa a Consulta 372 (embora ambas tratassem do mesmo assunto, 0i00) e com a qual pretendia ressuscitar a falecida Norma 004/95, do Ministério da Ciência e Tecnologia (utilizada para burlar a Portaria 525/88 do Minicom), apelando para o mesmo artifício ilegal de colocar atravessadores, os laranjas, alheios à área de telecomunicações, entre usuários e serviços de comunicação de dados. Na Consulta 417, os atravessadores eram denominados "Provedores de Acesso a Serviços Internet (Pasi), e tinham como função direcionar tráfego IP para as redes das concessionárias de telefonia com recursos de numeração do STFC, evitando com isso o acesso direto dos usuários de internet às redes do SCM através de conexões discadas.
c) Plano de Metas para a Universalização de Serviços de Telecomunicações em Escolas Públicas de Ensino Profissionalizante, criado pelo Decreto 3.753, de 19/2/2001, e Plano de Metas para a Universalização de Serviços de Telecomunicações em Escolas Públicas de Ensino Médio, criado pelo Decreto 3.754, também de 19/2/2001.
Estes decretos criam, na maior cara-de-pau, metas de universalização de uns trecos inventados pela Anatel para burlar os itens V e VI do Artigo 5? da Lei 9.998, a lei que criou o Fust, violando flagrantemente os artigos 79 e 80 da LGT, que determinam o estabelecimento de metas de universalização apenas para os serviços de telecomunicações prestados em regime público, cujo único exemplar da espécie em nosso país é o STFC.
Esta armação se tornou necessária porque o Artigo 5? da Lei 9.998 determina que os recursos do Fust serão aplicados em programas, projetos e atividades que estejam em consonância com o plano geral de metas para a universalização de serviço de telecomunicações. E também diferencia direitinho os serviços de telefonia, que utilizam aparelhos telefônicos como terminais e são prestados em regime público, dos serviços de comunicação de dados, que utilizam computadores como terminais e são sempre prestados em regime privado.
Como a Anatel estava postergando de propósito a regulamentação dos serviços de comunicação de dados (na qual poderia perfeitamente ser incluída uma modalidade do serviço prestado em regime público que se enquadrasse nas exigências da Lei 9.998), para liberar a resolução criando o SCM somente após a publicação do edital do Fust, fica fácil concluir que estes decretos, usados inclusive como fundamento no próprio edital, faziam parte da armação iniciada em 1998 com a inclusão do item ilegal no Artigo 5? do PGMU da telefonia fixa.
Resumindo a ópera da Cosa Nostra: por motivos que só uma CPI poderia esclarecer, a Anatel cismou que as concessionárias regionais de telefonia devem explorar em monopólio qualquer modalidade de serviço de telecomunicações que utilize a rede de telefonia fixa, assim como a agência não admite, em hipótese nenhuma, que os recursos do Fust sejam empregados para cobrir metas de universalização de serviços de comunicação de dados explorados por eventuais concessionárias de SCM, no caso da criação de uma modalidade deste serviço para ser prestado em regime público ? o que poderia ser feito por um simples decreto do presidente Lula (item III do Artigo 65 e item I do Artigo 18 da LGT).
Também fica evidente que o Telecomunidade (Fust) Educação na realidade não passa de uma tremenda armação da Anatel para concentrar o significativo tráfego de dados, gerado pelas entidades beneficiadas pelo programa, nas redes IP das concessionárias de telefonia. Ou seja, puro comércio, que utiliza escolas e instituições de saúde como pretexto para enfiar um monte de grana nos cofres das concessionárias. Pois em momento algum a agência, como gestora do programa, demonstrou interesse em viabilizar uma fórmula que permitisse a utilização de parte dos recursos do fundo no desenvolvimento de serviços de valor adicionado, baseados em protocolo IP, para serem utilizados como conteúdo didático nas redes de computadores com conexão internet das escolas ? o que não chega a causar surpresa pois, no entender da Anatel, os serviços de valor adicionado são apenas artifícios para as concessionárias tirarem dinheiro dos usuários com suas vendas casadas.
Nem mesmo a mudança de governo parece intimidar os "doutores" da Anatel, que recentemente, durante as negociações do Decreto 4.769 (PGMU-2006), conseguiram enrolar até o próprio ministro Miro Teixeira, ao propor redução na quantidade de Telefones de Uso Público (TUPs) que deveriam ser instalados obrigatoriamente pelas concessionárias como meta de universalização a partir de 2006, oferecendo em troca a instalação de Postos de Serviços de Telecomunicações (PSTs) com computadores, nos quais os usuários poderiam escolher os provedores-laranja (Pasi) de sua preferência ? que obviamente direcionarão o tráfego para as redes IPs das concessionárias de telefonia.
Ou seja, uma picaretagem ainda pior do que a do PGMU de 1998 (Decreto 2.592), pois desta vez, além da comunicação de dados, a agência também conseguiu plantar os Pasi no decreto.
Talvez o PGMU-2006 tenha sido apenas um teste. Ao constatarem que teriam boa vida com o ministro Miro, os "doutores" da Anatel aproveitaram para tentar emplacar novamente a minuta fajuta da Consulta 417, desta vez travestida como serviço de telecomunicações, denominado Serviço de Comunicação Digital (SCD). Claro que mantendo a mesma finalidade de impedir que os usuários tenham acesso às redes do Serviço de Comunicação Multimídia.
Como os serviços de comunicação de dados já estão devidamente regulamentados pela Resolução 272, a proposta de criação do SCD torna-se um exemplo explícito de fraude contra os usuários, em pleno governo Lula, do qual todos esperavam a moralização da Anatel.
É até compreensível a preocupação do atual governo em manter uma agência reguladora forte e um sistema regulatório estável para o setor de telecomunicações, pois isso transmite segurança aos investidores e atrai novos investimentos em nosso país. Depois de tanta picaretagem da Anatel, porém, a única modalidade de serviço na qual os investidores podem aplicar o dinheirinho com segurança é a telefonia fixa. E as concessionárias com esta grana podem ir comprando as empresas concorrentes nas demais modalidades, até chegarem ao monopólio total, igualzinho ao que era antes da privatização.
Pô! Qual é a graça de sairmos de um monopólio estatal para entrarmos num monopólio privado? Com isso, nós, usuários, estamos ferrados do mesmo jeito.
Também é bom lembrar que o Congresso Nacional é representante legítimo da vontade do povo. Se ele decidiu alterar os artigos 86 e 207 da LGT, contrariando os interesses dos controladores do Minicom, não restaria outra alternativa à Anatel que não fosse obedecer aos mandamentos da lei. Que inclusive é a mesma que criou a agência reguladora. De repente, seria bom que o Congresso desse uma conferida nas safadezas que a Anatel andou aprontando com a LGT, para tentar restabelecer pelo menos o princípio de autoridade, que no momento encontra-se meio prejudicado: muitos usuários de internet imaginam que a agência manda mais do que o Congresso.
Miro Teixeira foi uma completa decepção como ministro das Comunicações. Se deixar o cargo, nesta reforma ministerial, já vai tarde. E fica a esperança de que um novo ministro promova a tão esperada moralização do setor, compromisso assumido publicamente pelo presidente Lula.
A título de colaboração com o novo ministro, vão aqui algumas sugestões que podem ser úteis:
1. Que a Anatel faça cumprir o Artigo 86 da LGT, obrigando que as concessionárias limitem-se a explorar o STFC ? objeto de suas concessões ? e transfiram os serviços de comunicação de dados (principalmente o ilegal SLDD) a empresas coligadas ou controladas por elas.
2. Que a Anatel faça cumprir os artigos 154 e 155 da LGT e obrigue as concessionárias locais a desagregar a última milha através da tecnologia aDSL, nas mesmas condições oferecidas a suas empresas coligadas ou controladas, para que as autorizadas de SCM também possam oferecer seus serviços de rede internet a usuários finais.
3. Que a Anatel faça cumprir o item II do Artigo 3? da LGT e permita que os usuários de serviços de comunicação de dados tenham direito a escolher suas prestadoras de serviços de telecomunicações, e não laranjas que encaminham tráfego a uma única prestadora.
4. Que a Anatel faça cumprir o Artigo 151 da LGT e forneça os códigos de numeração para que as autorizadas de SCM possam prestar serviços de rede internet também através de conexões discadas.
5. Como o outro objetivo do SCD é atender aos requisitos da Lei 9.998, referentes à exigência de um serviço prestado em regime público para utilização dos recursos do Fust na implantação de serviços de comunicação de dados em escolas e instituições de saúde, o correto seria o presidente Lula baixar um decreto criando uma modalidade do Serviço de Comunicação Multimídia para ser explorado em regime público (o que é permitido pelo item III do Artigo 65 e pelo item I do Artigo 18 da LGT) e outro decreto criando um PGMU para ele ? com as devidas consultas públicas, é claro.
6. Que o ministro das Comunicações apure se os custos de implantação dos serviços de comunicação de dados das concessionárias foram repassados às tarifas de telefonia fixa. Em caso positivo, que exija o imediato ressarcimento dos valores cobrados indevidamente dos usuários. E que estes custos sejam expurgados das tarifas.
7. Que o ministro das Comunicações cumpra o parágrafo 2? do Artigo 26 da LGT e instaure os devidos processos administrativos para apurar os indícios de atos de improbidade administrativa que existem em praticamente todos os casos descritos neste artigo.
8. Que a Anatel pare de agir tão ostensivamente como preposta das concessionárias de telefonia fixa, preocupando-se apenas com o "equilíbrio econômico-financeiro" delas, e arrume um tempinho para cuidar um pouco dos interesses dos usuários.
Depois disso, aí sim, poderemos começar a falar em moralização do setor de telecomunicações. Por enquanto, fala sério…
PS: Já imaginaram se algum doido resolve levantar e publicar na internet algumas das safadezas cometidas pela dupla Minicom/Anatel nos últimos anos? Com que cara vão ficar os investidores ao descobrirem que a grana deles está enterrada numa estrutura sustentada por fraude da pior qualidade, que pode desabar a qualquer momento?
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