Sunday, 24 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Carlos Chaparro

EM OFF

“O ?off? controlado pelas fontes”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 9/1/04

“O XIS DA QUESTÃO ? Antigamente, ?off? era arma de repórter, nas artes de seduzir fontes e fazer alianças convenientes ao jornalismo. Hoje, o uso do ?off? mudou de mão, faz parte do arsenal das fontes. Até que ponto a informação em ?off?, controlado por fontes organizadas, pode ameaçar a confiabilidade da linguagem jornalística?

1. Tempos de ?off?

Em um dos registros de sua coluna desta quinta-feira (8 de janeiro/04), Dora Kramer passou um pito em Lula, por causa daquela nota oficial por meio da qual, dois dias antes, a Presidência da República ?desautorizava? as especulações sobre nomes e prazos para ?uma possível reforma ministerial?. Dora Kramer se sentiu particularmente incomodada pela frase que dava fecho à nota oficial: ?O Presidente considera (…) que tal noticiário especulativo não ajuda o país, na medida em que pode ter como efeito prejudicar o bom andamento de setores da administração pública?.

Por causa dessa frase, Dora Kramer achou que o Presidente interferia em um assunto no qual ?não convém o Estado se imiscuir?: o trato da informação. Para a colunista, ?o acesso à informação é um direito constitucional, não uma questão de gosto?.

Para além do exagero interpretativo (o de atribuir significado de indevida intromissão do Estado em questões de direitos constitucionais a uma nota oficial de alcance meramente tático), creio que Dora Kramer caiu no mesmo equívoco que levou os jornais a enfiar a carapuça, como se as críticas e as queixas presidenciais fossem dirigidas à imprensa.

Ao desautorizar o ?noticiário especulativo?, a nota oficial apontava para as redações ou para as fontes ocultas que nutriam esse noticiário?

Se apontava para as redações, teve o sentido de ?reprimenda ética? aos jornalistas. Mas se ? e essa é a leitura que faço ? teve como alvo as partes em conflito, escondidas nos bastidores não revelados do noticiário, a nota oficial cumpriu, e bem, a função de vigoroso lance de afirmação do ?comando do jogo?, por parte de quem o deve comandar.

Ora, em momentos de divisão de espaços, benesses e poderes políticos, como este da reforma ministerial, faz parte do jogo a intensa utilização da informação em ?off?, por parte dos protagonistas interessados. Pelo noticiário em ?off?, sob a proteção do compromisso de anonimato, correm os recados táticos das partes em conflito. E a ?engenharia política? do governo sabe muito bem disso, até como usuária do processo, quando lhe convém.

2. Do ?off? à especulação

A despeito da nota oficial, o jogo do ?off? prosseguiu, e de forma incrementada, alimentando a especulação política ? que faz parte do jogo. Assim, na edição de 8 de janeiro, a Folha de S. Paulo, em texto de Kennedy Alencar, anunciou, sem ressalvas nem prudências condicionantes: ?Planalto convida Eunício e Campos para o ministério?.

A notícia é precisa: ?Com o aval do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o ministro José Dirceu (Casa Civil) convidou anteontem o líder do PMDB Eunício de Oliveira (CE), para integrar o ministério sem definir a pasta e acertou ontem a substituição de Roberto Amaral (Ciência e Tecnologia) por Eduardo Campos (PE), líder do PSB na Câmara.?

Só faltou identificar a fonte da notícia, como aval de credibilidade. Ainda assim, é provável que tudo se confirme ou já esteja confirmado. E se assim for, confirmado estará também o ?noticiário especulativo? tão criticado pela nota oficial da Presidência da República.

Mas o que me interessa salientar, aqui, é a força da informação em ?off?, na construção do noticiário político, em momentos de crise ou tensão, como este da reforma ministerial.

Voltemos ao texto de Kennedy Alencar. Depois daquela introdução marcada pela precisão do relato, a reportagem (?) entra em um labirinto de hipóteses e predições, de intenso sabor especulativo, em torno das acomodações políticas que permitam a concessão de dois ministérios ao PMDB. Se verdadeiras, são revelações de uma intimidade que o governo certamente gostaria de manter preservada. Se falsas, comprometem a confiabilidade do jornalismo, de forma geral, e a do jornal e do repórter, de modo particular.

Como está em jogo um ?capital político? de elevado valor de troca, é lógico supor que, atrás da trama especulativa elaborada por Kennedy Alencar, estejam fontes não independentes, mas altamente interessadas.

Quem são elas?

Kennedy Alencar as oculta sob expressão ?a Folha apurou?, que faz parte dos códigos de linguagem do jornal, devidamente regulamentados no Manual de Redação. Assim está escrito no Manual, no verbete que define e regulamenta o uso do ?off-the-record?, capítulo ?Produção?:

?(…) A Folha trabalha com três tipos de informação ?off-the-record?: a) ?Off? simples ?Obtido pelo jornalista e não cruzado com outras fontes independentes. Se tiver relevância jornalística, pode ser publicado em coluna de bastidores, com indicação (…) de informação ainda não confirmada (…); b) ?Off? checado ? Informação ?off? checada com o outro lado ou com pelo menos duas outras fontes independentes. Em texto noticioso, o ?off? checado deve aparecer sob a forma a Folha apurou que etc.(…); ?Off? total ? Informação que, a pedido da fonte,não deve ser publicado de modo algum, mesmo que se mantenha o anonimato de quem passa a informação (…)

Eis aí o conceito e a norma que explicam a alta freqüência de matérias especulativas no jornalismo da Folha de S. Paulo, em especial na área política.

3. Problemas novos

No jornalismo de três, quatro décadas atrás, o ?off? era ferramenta das mais importantes no trabalho dos grandes repórteres. Sou desse tempo. As fontes eram passivas, mais se escondiam do que se mostravam, preferiam mecanismos e estratagemas de não divulgar. Precisavam ser seduzidas. Saber seduzir fontes era uma habilidade de repórter. E o ?off? fazia farte das artes de sedução. Por isso, repórter bom era o que tinha boas fontes. E fontes próprias, só dele.

Hoje, o uso do ?off? faz parte do arsenal das fontes, que se profissionalizaram, tanto para a produção de acontecimentos noticiáveis quanto para a sua divulgação. Por isso e para isso, empregam e treinam jornalistas e profissionais de outras especializações. Muito mais do que nas redações, as áreas de comunicação nas organizações complexas são ambientes de multidisciplinaridade. Porque a notícia faz parte do agir estratégico e tático das instituições, que utilizam o jornalismo como espaço público dos conflitos em que se envolvem ? e isto faz parte da fisionomia e da lógica das democracias contemporâneas, quer em seus formatos representativos, quer em suas manifestações participativas.

É um quadro irreversível, sem espaços nem razões para saudosismos. Mas que coloca problemas novos ao jornalismo, um dos quais o ?caos informativo? produzido pela mistura de quantidade, fragmentação e repetitividade noticiosa da atualidade. Essa é uma questão complexa, por enquanto mal discutida.

Mas há problemas mais simples, que devem e podem ser questionados imediatamente. Um deles, a questão da informação em ?off? e a sua utilização, nas práticas atuais. Pergunta-se: ? Até que ponto a informação em ?off?, hoje ferramenta das fontes organizadas, pode ameaçar a confiabilidade da linguagem jornalística? Que procedimentos de prudência deveriam ser ensinados nos cursos de jornalismo e adotados nas redações, em relação ao ?off-the-record??”

 

GOVERNO E IMPRENSA

“Lula e a imprensa”, copyright Folha de S. Paulo, 7/1/04

“BRASÍLIA ? A nota divulgada ontem pelo porta-voz do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, desautorizando as especulações sobre a reforma ministerial, trai uma preocupante visão que o mandatário máximo do país tem sobre os meios de comunicação.

No texto, o porta-voz diz que Lula ?considera, por fim, que tal noticiário especulativo não ajuda o país, na medida em que pode ter como efeito prejudicar o bom andamento de setores da administração pública?.

O que ajuda o país, presidente? A resposta pode estar em outra frase elucidativa, essa proferida por Lula em seu balanço de final de ano, em dezembro: ?Notícia é aquilo que nós não queremos que seja publicado, o resto é publicidade?.

Não precisa ser maldoso, nem tucano, nem radical ex-petista para entender que Lula acredita, então, que a publicidade dos atos de seu governo é o que beneficia o Brasil.

Lula tem todas as credenciais democráticas que sua trajetória até aqui o facultou, mas não demonstra saber lidar com a mídia mais independente. Na nota, o presidente ?desautoriza? as especulações. Ora, na Coréia do Norte, o presidente desautoriza a mídia porque manda nela. No Brasil, em tese, não deveria.

É sintomático Lula ter em sua equipe um secretário de Imprensa, Ricardo Kotscho, que tem por hábito destratar jornalistas e um assessor especial, Frei Betto, que publicou artigo em dezembro no qual reclamava não ser procurado para falar apenas das coisas ?construtivas? do governo.

Jornalista é uma espécie chata e, muitas vezes, erra. Especulação política vem sendo exercida desde sempre, e não raramente de forma frágil e assumindo caráter fofoqueiro. Lula pode se irritar à vontade com o noticiário; o que fica estranho é publicar uma nota sobre sua irritação.

De resto, jornalista não nomeia ministro. Presidente, sim, e, a ser mantido o cabide de emprego para velhos amigos e neocorreligionários na tal reforma ministerial, aí haverá risco de prejuízo ao ?bom andamento de setores da administração pública?.”

 

ESTRATÉGIAS GOVERNAMENTAIS

“Lula pretende investir mais em rádio em 2004”, copyright Folha de S. Paulo, 7/1/04

Fato: o governo Luiz Inácio Lula da Silva considera o rádio essencial em sua estratégia de marketing. Investiu no veículo em 2003 e quer ampliar o orçamento para as emissoras em 2004.

O balanço da Secom (Secretaria de Comunicação de Governo) -que centraliza as verbas de publicidade do Planalto e das estatais? ficará pronto em fevereiro. Mas, entre os executivos das principais emissoras de São Paulo, a percepção é de que a participação do rádio nos gastos com propaganda supera a de 2002.

Na Bandeirantes, por exemplo, o governo e as estatais eram responsáveis por 4% do faturamento em 2002. No ano passado, a participação subiu para 12%. Dentre os principais anunciantes estão Petrobras, Correios, Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal.

Independentemente de cifras, o que animou o setor foi a aproximação com a Secom e as promessas de investimento crescente.

Lula e sua equipe consideram que as AMs e FMs e até as OCs (ondas curtas) são indispensáveis para chegar ao cidadão (leia-se eleitor) das mais remotas regiões do país. Diante disso, também há a intenção de transformar em semanal o programa de rádio de Lula, ?Café com o Presidente?, hoje quinzenal (o primeiro de 2004 vai ao ar na próxima segunda-feira).

Segundo Caio Barsotti, subsecretário de publicidade da Secom, o investimento em rádio é uma determinação política do governo. Ele afirma que no primeiro ano da gestão, a rádio esteve presente em todas as campanhas governamentais e que, em 2004, a orientação de Lula é aprofundar essa estratégia, produzindo cada vez mais materiais publicitários específicos para as emissoras.

Ele diz que, dessa maneira, Lula consegue mais democratização na mídia e fortalece sua comunicação com os brasileiros. ?Quanto mais conseguirmos combinar essas ações, melhor.?

De acordo com Barsotti, o rádio tem como desafio ampliar suas informações sobre audiência -um dos critérios adotados pela Secom para distribuir a verba. ?Ainda existem muitas cidades em que não há medição.?

O Ibope informa que são pesquisadas regularmente nove capitais, e que outros 50 municípios têm pesquisas de duas a quatro vezes por ano.

Começaram anteontem as reformas do prédio da Rádio Nacional, no centro do Rio. Reduto central de artistas nas décadas de 40 e 50, a sede da emissora (ligada à Radiobrás) está destruída por cupins e goteiras. As obras terão um custo de cerca de R$ 820 mil, valor a ser custeado pela Petrobras.”

 

“Você é um dos 50 mil ou é do resto?”, copyright Comunique-se (www.comuniquese.com.br), 06/1/04

“Ficamos devendo às repórteres Denise Madueño e Diana Fernandes, do Estadão (domingo, 4/1), um primeiro panorama da política de informação do governo federal e que merece ser amplamente discutido por todos os profissionais de imprensa e pela sociedade em geral.

Um destacado parlamentar governista, deputado Sérgio Miranda (PC do B, MG), ouvido pelas duas, pergunta: ?Será que a propaganda é capaz de se sobrepor à crueza dos fatos??

Os índices de aprovação do presidente Bush, mesmo diante de um aumento da desigualdade social, de um controle cada vez maior da vida comum dos cidadãos e de déficits alarmantes no orçamento e na balança comercial, parecem demonstrar que o uso eficiente de uma máquina oficial de informação pode superar todo o esforço de uma imprensa livre e independente para apresentar à cidadania ?a crueza dos fatos?.

Denise e Diana abrem sua matéria procurando mostrar a estratégia da informação oficial do governo, que se desdobraria em duas frentes: o público externo, ao qual é oferecida uma propaganda forte, com linguagem popular, com a versão oficial do fato; e o front interno, onde é ampla a divulgação de versões oficiais otimistas, que ressalvam sempre o aspecto positivo, ainda que não seja o preponderante do fato.?

Um companheiro de biografia irretocável, hoje a serviço do governo e que só se dispôs a falar sob a condição de não ser identificado, argumenta em favor dessa estratégia: ?Infelizmente jornais e emissoras no Brasil têm uma história de servilismo e cumplicidade com interesses contrários aos da sociedade. O PT sempre foi combatido pela grande imprensa e este governo tem todos os motivos para montar um sistema próprio de informação nesses dois níveis?.

Nunca vi o boletim Em Questão, produzido pela SECOM ? Secretaria de Comunicação da Presidência da República ? que, segundo Denise e Diana, chega diariamente por e-mail a 50 mil pessoas e é chamado de Pravda por parlamentares da oposição.

Certamente é legítimo que o governo explique ao seu ?público interno? o que está fazendo. Já ?a propaganda forte, com linguagem popular?, comandada por Duda Mendonça e destinada ao ?público externo? (nós, os cidadãos comuns), tem legitimidade discutível. O governo FHC também tentou usar esta receita. Só que sua comunicação sempre foi incompetente (quem não se lembra daquela campanha dos ?80 anos em 8??). E o governo Lula, da mesma forma como o de Bush, está sabendo ganhar a batalha dos índices de aprovação.

Mas, diferentemente dos Estados Unidos, as redações de nossos jornais, tevês e rádios vivem uma crise sem precedentes. Com um número cada vez menor de Denises e Dianas, como será possível revelar ?a crueza dos fatos??”