O POVO
"Olhar renovado", copyright O Povo, 3/1/04
Há um consenso entre todos os que se ocuparam das funções de ombudsman neste jornal: operam-se, durante o mandato, profundas mudanças na forma que o profissional tinha anteriormente de ver o jornalismo. As atribuições do cargo acrescentam ao jornalista uma leitura da Imprensa sob ângulos para os quais o estresse das redações, a ditadura dos horários de fechamento e vários vícios da atividade ? entre estes o corporativismo e mesmo os interesses políticos ou comerciais das empresas que mantêm veículos de comunicação ? não podem servir de biombo. Tem-se, como representante do leitor, a necessidade e a obrigação de observar a Imprensa com os olhos do público, sem preconceitos e, por vezes, com o sentimento de quem adquire um produto em busca de bons conteúdos e acaba encontrando falhas gramaticais, erros de informação ou deslizes éticos. Esse olhar, na redação, nem sempre é possível. Não que faltem aos jornalistas ou às empresas conhecimentos ou princípios. Pelo contrário. Há de sobra. O que é escasso, na maioria das vezes, são a indispensável autocrítica e a imperiosa admissão de que acima de conveniências ou idiossincrasias estão os interesses da sociedade.
Nessa perspectiva, tive em 2003 uma das mais fascinantes experiências da vida profissional que iniciei em 1985, no extinto jornal JD ? uma autêntica escola, na qual eram professores jornalistas tarimbados, como Dorian Sampaio, Blanchard Girão, J. Arabá Matos, Agostinho Gósson e Valdemar Menezes, e alunos um punhado de repórteres recém-formados e estudantes ainda no curso de Comunicação Social da UFC. No ano passado, pude, no cargo de ombudsman do O Povo, observar a dinâmica da comunicação no Ceará, comparar o nosso noticiário com o de outros estados e avaliar o quanto a Imprensa regional precisa para corresponder às demandas do público. Em resumo, pude discutir com jornalistas e leitores acertos e falhas de quem tem como ofício informar. E aprendi muito. Nem sempre foram debates tranqüilos, mas acredito sinceramente que desempenhei de forma satisfatória a tarefa que me foi confiada pelo presidente do O Povo, Demócrito Dummar.
Mesmo certo de que contribuí com decisões da Redação que visaram a uma maior qualidade do jornal, reconheço-me frustrado em alguns aspectos. Não por não ter obtido êxito na defesa em alguns pontos de vista meus e dos leitores ? sei que os argumentos que levantei foram justos, considerando que estavam fundamentados nas normas da empresa e do jornalismo ?, mas pela resistência de se reparar um estado de coisas que exige ser repensado. Nesse particular, o colunismo que se faz nos jornais cearenses me parece o entrave maior ? tanto para as instituições como para o público. Trata-se de um colunismo que teima em ignorar regras jornalísticas elementares, como a básica necessidade de apuração das notícias que publica, e que não raro despreza a inteligência de quem o consome. Notas cifradas ? na base do ?quem-quiser-que-vista-a-carapuça?, muitas vezes com o inexplicável apoio de quem comanda as redações, umas movidas pela busca de benefícios individuais e outras fornecidas à distância, por elementos estranhos ao objetivo de bem informar do jornal; análises ocas; colunas escritas sob pseudônimos; textos que são puro auto-elogio ou elogiosos a parentes e amigos; e até acusações sustentadas apenas no ?ouvi dizer? podem ser vistas quase que diariamente nas páginas dos jornais locais. Há exceções ? honrosas exceções ?, é claro, mas estas acabam por naufragar em um mar de distorções.
A fórmula que O Povo adota para as colunas que mantém é, sem tirar nem pôr, a mesma do ?O Estado? e do ?Diário do Nordeste? ? não trato aqui de méritos de um ou outro colunista, mas de um modelo comum. O Povo, contudo, tem a seu favor regras jornalísticas bem nítidas, além de uma Carta de Princípios estabelecida por um Conselho Editorial que reúne personalidades importantes para a nossa sociedade ? entre as quais a escritora Rachel de Queiroz, que morreu no dia 4 de novembro passado ? e de um Código de Ética próprio. Tem também um Conselho Consultivo da Redação e um ombudsman. Porém, o que é vantagem pode se tornar um paradoxo difícil de carregar. E uma pergunta pode ser feita pelos leitores, baseada justamente nas contradições que são percebidas: se há tantos meios de controle interno, porque existem erros tão elementares e que são repetidos insistentemente?
Mas é preciso também ver nos meios de comunicação locais, principalmente nos jornais, uma interessante mobilização em busca do acerto, em torno das causas sociais, alicerçada no jornalismo investigativo e demonstrando respeito ao seu público. Em todos os jornais, registre-se, mesmo que em proporções ou ritmos diferentes. São sinais de que em outras frentes a Imprensa avança e de que os leitores certamente estão colaborando de maneira decisiva nesse processo de melhoria, a partir da constante cobrança, do acompanhamento atento e cuidadoso, da análise cada vez mais aprofundada ? não como simples consumidores, mas como partícipes de um diálogo com conteúdos ético, político e de cidadania.
Livro
Em parceria com Adísia Sá, jornalista, e Fátima Vilanova, ouvidora da Universidade Estadual do Ceará (Uece), participei da organização do livro Ombudsmen/Ouvidores: Transparência, mediação e cidadania, que será lançado este mês pela Edições Demócrito Rocha. Estão reunidas no livro experiências e impressões de profissionais que exercem ou exerceram atividades de ouvidoria em diferentes órgãos ? boas referências para quem quer se conhecer o assunto com mais acuidade.
Renovação
Quarta-feira próxima, dia 7, concluo meu mandato e transmito ao jornalista Guálter George o cargo de ombudsman do O Povo. O leitor já o conhece: Guálter foi editor-executivo dos núcleos de Negócios e de Conjuntura. Observei aqui há três semanas e asseguro mais uma vez que o novo representante dos leitores tem todas as credenciais técnicas e éticas imprescindíveis a um trabalho competente. A ele, boa sorte. Aos leitores, meu agradecimento pelo apoio e pelas atenciosas contribuições.