Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Eunício, “o nome dado como certo”

MÍDIA & GOVERNO

James Görgen (*)

Com exceção da Folha de S.Paulo, nenhum outro veículo da imprensa grande brasileira questionou por que o deputado federal Eunício de Oliveira (PMDB-CE) foi “o nome dado como certo” nas Comunicações desde o início das negociações da reforma ministerial. Como bem mostrou a repórter Laura Mattos em duas edições do jornal paulistano, Eunício é sócio de três emissoras de rádio no Ceará e em Goiás. Um de seus assessores diretos tem participação em outras três. Outra está no nome de um sobrinho. Só esta informação, num país de imprensa independente, renderia manchetes diárias até que “o nome dado com certo” se tornasse o errado para o cargo.

Não é o caso do Brasil. O homem e seu aposto foram confirmados no Ministério das Comunicações na sexta-feira, 25/1. A manchete que sumiu do noticiário parece ter indignado muito jornalista em Brasília. Não só pelo furo de reportagem, mas também pelo conflito de interesses que a questão levanta. Interesses do ministro e da própria mídia. Mas no mar de incertezas que assolou Brasília nas primeiras semanas do ano parece ter sido mais reconfortante assegurar o genro do folclórico Paes de Andrade como o “eleito” para o cargo do que correr o risco de errar demais nas especulações ? esporte predileto do jornalismo político, que nisso se iguala ao esportivo.

Olhando para trás, parece haver lógica no “nome dado como certo” para comandar uma pasta que tem um histórico de malversação da coisa pública e troca de favores como expediente interno. No tabuleiro do Planalto, o Minicom sempre foi a peça escolhida como moeda de troca no jogo político. Os militares valeram-se disso quando apoiaram os Marinho e outras famílias na constituição de redes nacionais de televisão. De 1974 a 1990, um mesmo burocrata comandou a Secretaria dos Serviços de Radiodifusão, construindo seu próprio conglomerado no Norte do Brasil [Rômulo Villar Furtado tem participação em emissoras de rádio e TV em três cidades de Rondônia.]. José Sarney negociou seu último ano de mandato distribuindo 1.028 concessões de rádio e TV em 1988. Não por acaso, seu ministro das Comunicações era o radiodifusor Antônio Carlos Magalhães. A família de ACM controla o principal grupo de emissoras da Bahia, que tornou-se afiliado da Rede Globo na sua gestão à frente da pasta. Não por acaso, foi Sarney quem avalizou junto a José Dirceu “o nome dado como certo”.

À luz da teoria de Lula

Coroando esta lógica continuísta, Lula e Dirceu já decidiram que na questão do trato com a mídia imitar o vizinho Hugo Chávez pode ser muito perigoso. Manter a troca de afetos com os donos da atual ágora política, mesmo que isso perpetue prejuízos a longo prazo, parece render mais no esforço de garantir superávit na contabilidade do Congresso Nacional. Ponto para a coerência da dupla, que também colocou um banqueiro no Banco Central, um industrial no Ministério da Indústria e Comércio, um agropecuarista no Ministério da Agricultura, um telefônico na Agência Nacional de Telecomunicações e uma estrela da MPB no Ministério da Cultura.

A imprensa também seguiu sua lógica. O pensamento hegemônico, principalmente quando é afinado com o dos donos da mídia, constrói a notícia. Não importa que dono de rádio vá dirigir a pasta que outorga concessões deste serviço público. Muito menos que esteja em suas mãos os rumos da TV Digital. Ou que passe por sua caneta a liberação de recursos proveniente do Funttel e do Fust [Respectivamente, Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações e Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações. Os dois fundos acumulam juntos cerca de R$ 3 bilhões, cerca de oito vezes o orçamento do Ministério das Comunicações.]. O que interessa é que seu “nome é dado como certo”. Cada vez mais pragmática, na linha do ministro-chefe da Casa Civil, a imprensa diária quer saber de resultados.

Nesta ânsia por informações que ratificarão a especulação, a precisão é a vítima mais próxima. O mais estarrecedor é que a maioria dos jornais e revistas simplesmente suprimiu da biografia do “nome dado como certo” para o Ministério das Comunicações o fato de ele deter parte do controle de emissoras de rádio. Afinal, para ser certo o nome não pode ter nada errado. Neste contexto, o presidente Lula deveria agradecer aos jornalistas por terem confirmado sua teoria do jornalismo ? “notícia é aquilo que não queremos ver publicado”. Caso contrário, ele teria que trocar o “certo” pelo duvidoso. Os colegas de Brasília parecem ter aprendido rápido a lição.