IMPRENSA & AIDS
Luciano Martins Costa (*)
A redução do interesse da imprensa brasileira por temas sociais é um dos pontos percebidos por analistas que costumam produzir relatórios sobre tendências da mídia a pedido de grandes empresas, geralmente multinacionais, e entidades setoriais de negócios. O nascimento de uma revista sobre responsabilidade social, Brasil Responsável, está sendo saudado como a tábua de salvação para executivos encarregados das boas ações corporativas e seus assessores de comunicação. Mas o problema não se resolve aí e não se resume às pautas específicas sobre como o capitalismo pode devolver em bem-estar uma parte de seus lucros. O problema apenas começa onde se manifesta, como uma pedra de gelo num copo de uísque.
Roseli Tardelli e sua Agência de Notícias da Aids estão na outra ponta dessa corda. Militante na luta contra o mal du siècle há mais de uma década, Roseli tem batalhado para chamar a atenção dos jornalistas para a seguinte realidade: 42 milhões de pessoas têm o HIV; 5 milhões foram infectados somente em 2002; as pessoas não usam preservativo; os jovens só usam camisinha até o terceiro relacionamento com o mesmo parceiro. Daí, ela pergunta: com todos esses dados, por que a Aids não está na sua pauta?
Para Roseli, e outros profissionais que se dedicam a problemas sociais endêmicos, a indiferença da mídia em relação a tudo que não seja indicadores espetaculares ou dados impactantes cria a distância entre uma atividade que faz sentido e um sacrifício inócuo. No caso da Aids, desde que se noticia o aumento da eficiência dos medicamentos chamados de anti-retrovirais, a imprensa perdeu completamente o interesse pelo assunto. A última morte de uma celebridade brasileira infectada pelo vírus da Aids aconteceu no ano 2000, em 5 de maio. Depois do falecimento de Sandra Bréa Brito, a busca por informações sobre a síndrome decaiu gradual e rapidamente, com o tema voltando ao noticiário eventualmente, a partir de estatísticas sobre a África ou novidades a respeito da terapia.
Falta o essencial
O esforço realizado pelo governo brasileiro em 2002, para se contrapor aos interesses de algumas indústrias farmacêuticas e manter o elogiado serviço público de assistência aos infectados, ganhou espaço até o começo do ano passado. O efeito dessa mudança de abordagem na opinião pública é trágico: o número de vítimas da doença cresceu exponencialmente, com uma porcentagem de incidência maior em indivíduos heterossexuais e o surgimento de uma geração de jovens homossexuais deseducados para o sexo seguro.
Até 1996, a proporção de rapazes homossexuais com idades entre 15 e 24 anos nas estatísticas dos infectados não passava dos 8% ? hoje, eles são 15% do total de vítimas da Aids. Na opinião de especialistas, como a terapeuta Maria Cristina Martins, da Unicamp, consolidou-se uma ilusão de que o avanço da medicina teria transformado a síndrome em doença crônica com a qual se pode conviver sem problemas.
A imagem do aidético de faces encovadas, pele amarelada e olheiras profundas foi substituída por alegres personagens que levam uma vida quase normal, graças ao coquetel de medicamentos que uma política de saúde elogiada em todo o mundo coloca à disposição dos soropositivos. O noticiário mais preocupante remete a imaginação para tribos remotas ou países devastados pela guerra na África, como se não fosse a América Latina um dos três territórios do mundo mais afetados, com mais de 1,5 milhão de casos relatados.
Enquanto a imprensa não nos apresenta um modelo de abordagem intermediário entre o estilo alarmista, que fez a fama do controvertido infectologista Ricardo Veronesi, e o alvissareiro, à maneira do “Fantástico, o show da vida”, ficam as autoridades sanitárias e os militantes como Roseli Tardelli sem o essencial apoio da mídia para alertar a opinião pública.
Como no caso da violência, que só freqüenta o noticiário quando a vítima é uma celebridade ou um personagem fashionable, o que nos servem no noticiário é um coquetel de milagres que insensibiliza a sociedade para as verdadeiras dimensões do problema e contribui para consolidar em toda uma geração uma doentia negação do risco.
Falta à nossa imprensa o essencial para entender que entre o alarmismo e a credulidade numa ciência infalível fica o terreno do verdadeiro jornalismo. Aquele que educa, previne e mantém a sociedade em alerta para a defesa de seus interesses.
(*) Jornalista