Friday, 22 de November de 2024 ISSN 1519-7670 - Ano 24 - nº 1315

Hora de mudar a propriedade múltipla

DESREGULAMENTAÇÃO E CONCENTRAÇÃO

Alberto Dines

O Estado de S.Paulo é surpreendente. O editorial da segunda-feira (13/1), "Cartelização das comunicações nos EUA", é uma das mais importantes contribuições ao debate sobre propriedade cruzada de veículos de comunicação já publicados na grande imprensa.

E surpreende porque o jornal tem sido ao longo de sua vida um porta-voz do liberalismo (político e econômico), portanto contra qualquer tipo de regulamentação. Sobretudo no que tange à imprensa ou ao exercício do jornalismo [leia o editorial na rubrica Entre Aspas, nesta edição, sob chapéu CONCENTRAÇÃO vs. DIVERSIDADE]

E, não obstante, o jornalão teve a coragem de mostrar o que ocorreu nos EUA a partir do momento em que a agência reguladora FCC (Federal Comunications Comission), sob influência das idéias de George W. Bush, afrouxou ostensivamente as exigências anteriores no tocante à propriedade múltipla de veículos de comunicação numa mesma região [veja remissões abaixo].

O quadro apontado pelo jornal é insofismável: as empresas americanas cresceram, fortaleceram-se economicamente em detrimento da pluralidade de opiniões. Menciona o Estadão um assunto tabu na grande imprensa brasileira: no processo de fortalecimento empresarial, está incluído o rebaixamento na qualidade dos veículos. Em busca de escala, os grandes grupos acabam nivelando o conteúdo por baixo. E, sem concorrência, fica franqueado o caminho da estandartização, do empobrecimento intelectual e drasticamente diminuída a oferta de opções políticas.

No Brasil, a cartelização da imprensa é atávica e orgânica, fisiologicamente vinculada às oligarquias políticas e ao processo de distribuição do poder regional. Se o Brasil quer mudar, precisa mudar a partir de um processo de desconcentração da mídia. Assim como a reforma da Previdência tornou-se inevitável e inadiável, assim também o processo de descartelização da mídia já não pode ser procrastinado.

A democratização do capital das empresas jornalísticas estava implícita no espírito daqueles que primeiro sugeriram a mudança no artigo 222 da Constituição. Consagrado princípio de que essas empresas, como quaisquer outras da esfera privada, podem capitalizar-se através da parceria com pessoas jurídicas, cabe agora desbastar e enxugar os conglomerados de mídia tanto no âmbito metropolitano como no regional.

Hora de agir. Infelizmente a Associação Nacional de Jornais (ANJ) secundarizou-se nos últimos anos, tomada de assalto por grupos de "consultores". A Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), cada vez mais preocupada com o seu projeto de poder, age e pensa corporativamente. A Associação Brasileira de Imprensa (ABI) está sendo esvaziada por aqueles que barram a sua natural vocação para transformar-se no equivalente da Ordem dos Jornalistas. Resta o Ministério das Comunicações, pela primeira vez ocupado por um homem de comunicação e não de telecomunicação, com a competência legal para agir no âmbito das concessões de mídia eletrônica.

E, finalmente, aí está o Conselho de Comunicação Social, órgão auxiliar do Congresso Nacional, sem poder executivo, mas com a função precípua de funcionar como fórum, a partir do qual pode-se criar a consciência de mudança. O resto é fácil.

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de S.Paulo
, editorial, 24/03/02
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